quarta-feira, 31 de março de 2010

Autofagia ministerial

Do colega José Cláudio Cabral Marques, titular da 1ᵃ Promotoria de Investigação Criminal, em São Luís:

"Ingressei no Ministério Público Estadual em 1993, ou seja, 05 anos após a edição da Constituição de 1988, que deu uma nova feição ao órgão ministerial. Na minha mente estava acesa a visão que mais tarde o Ministro Ayres de Brito iria materializar em uma frase: “O serviço público não é um voto à pobreza e sim um veto à riqueza”.

Escolhi a carreira de Promotor de Justiça, a despeito de boa parte da minha família ter optado antes pela magistratura, por entender que daquela Constituinte havia brotado um órgão, na sua essência, revolucionário. Revolucionário, como todo jovem, no sentido de ser um órgão portador de instrumentos legais capazes de promover grandes mudanças na nossa sociedade, no nosso país.

Passamos a ter a legitimidade para defender em juízo, ou fora dele, o meio ambiente, o consumidor, a infância e a juventude, o idoso, o deficiente físico, a ordem econômica, dentre outros, além das tarefas já tradicionais na seara penal.

Sou de uma geração de Promotores de Justiça que tinha orgulho de dizer que era membro do Parquet maranhense, reconhecido nacionalmente como um dos que mais rapidamente avançaram no sentido de consolidar sua posição na sociedade, oriunda da Carta Política recém promulgada. Os nossos congressos, simpósios, posses, seja lá o que fosse, eram bastante concorridos. Dia de evento era sinônimo de auditório cheio. Associação e Procuradoria Geral, apesar das divergências naturais, andavam juntas na conquista de novos espaços e na consolidação do caminho já percorrido.

Não sei, e talvez ninguém saiba exatamente, aonde nós perdemos o elo de ligação da classe, a liga necessária para seguirmos coesos em um só objetivo: o engrandecimento da Instituição. Talvez por ser um órgão essencialmente democrático, onde há eleição direta para quase tudo, isso ao invés de ter sido um elemento salutar quedou-se a transformar-se em motivo de discórdias entre grupos que iam se formando a cada embate eleitoral, ora para a Associação do Ministério Púbico-AMPEM ora para o cargo de Procurador Geral de Justiça, e até mesmo para Corregedor Geral, Conselho Superior, etc.

Os almoços das sextas-feiras e os encontros nos sábados e domingos na Associação entre vários colegas da capital e do interior foram se escasseando até chegarmos a absurda situação de eventos (seminários, palestras, congressos) totalmente esvaziados, em que me sentia constrangido em explicar para uma autoridade convidada o motivo da desmotivação e ausência dos colegas.

Deixamos de nos reconhecer como colegas, amigos, parceiros, para nos enxergarmos como concorrentes ou adversários. Paralelamente a isso, nos bastidores ministeriais era travada uma guerra surda entre grupos com o escopo de retomar ou se manter no poder.

Nos últimos dois anos assistimos a repetição de representações da antiga Diretoria da AMPEM contra a atual Procuradora Geral de Justiça, junto ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, com publicização na imprensa local. Era o início da lavagem de roupa suja em público, sem qualquer preocupação em poupar a imagem da Instituição, tão bravamente conquistada pelos colegas que nos antecederam.

Estamos na efervescência de uma campanha para a eleição de Procurador Geral de Justiça e o imbróglio agora se dá em razão da construção e reforma do prédio das Promotorias de Justiça da Capital, e mais uma vez o assunto é trazido a público revelando as entranhas e os podres da Instituição, como se os promotores de Justiça de última entrância nunca tivessem realizado uma reunião com o setor de Engenharia da PGJ e com a Procuradora Geral de Justiça, encaminhando manifestações de insatisfação com a demora e o tipo de serviço executado naquele imóvel e até mesmo nos manifestado pela dispensa de licitação, tudo isso, felizmente, devidamente documentado.

No nosso entendimento essa providência era necessária dada a urgência para a conclusão da obra, em razão dos prejuízos que vínhamos sofrendo no exercício de nossas funções, assim como o prejuízo para a população, porquanto ficamos geograficamente localizados na contramão de todos os órgãos com atuação perante a Justiça, além do afastamento da população carente, alvo principal do nosso atendimento ao público.

Estamos há mais de 2 anos “acampados” no prédio do antigo Garden Shopping Lusitana, no retorno da Cohama, sem as mínimas condições de trabalho pois tudo é um improviso. Não fomos mudos e agora não somos surdos e, portanto, não necessitamos de esclarecimentos e muito menos de contendas públicos.

Poupem-nos, poupem a nossa instituição e a sociedade, já tão aviltada com os inúmeros escândalos que se sucedem na vida pública, promovam um debate salutar em torno de projetos para o Parquet gonçalvino, sejam altivos, demonstrem que podem ser os timoneiros dessa nau a singrar mares bravios, pois, caso contrário, estarei convencido de que entre esses candidatos não há nenhum projeto político institucional para o Ministério Público Estadual, ao revés, estariam em andamento projetos pessoais de poder que não interessam a nenhum dos integrantes da classe ministerial.

Espero que um dos principais projetos a serem apresentados pelos candidatos seja a pacificação da classe, tudo o mais vem com o tempo e a reboque."

2 comentários:

Marco Antonio Santos Amorim disse...


Parabéns ao colega José Cláudio Cabral, que de forma simples e objetiva descreveu com bastante fidedignidade o que vem ocorrendo no MP timbira. Embora um pouco mais novo, também era um idealista ao ingressar na carreira, pois desde estudante sempre tive notícia do MP maranhense como sendo de vanguarda. Hoje, observo que as práticas que tanto combato nas eleições municipais são lamentavelmente repetidas dentro da instituição que, paradoxalmente, foi concebida com outro viés. Ao menos os pobres se deixam vender porque passam fome... Lamento muito, ainda, que a imensa maioria dos colegas leiam este maravilhoso espaço idealizado por Juarez, mas que somente uma pequena minoria tenha coragem de nele se manifestar, de expor suas idéias. "Paz sem voz não é paz, é medo". Já diria a letra da canção do grupo O Rappa. O clima de competição, o separatismo inconcebível entre Adm. Superior e AMPEM, os repetidos puxões de orelha aos membros, em público, seja em simpósios, seja em mutirões, são circunstâncias que tendem a afastar os colegas dos eventos patrocinados pela instituição, e assim contribuir para os seus esvaziamentos. A propósito da nota sobre o espeto de pau, fico me perguntando se foi justo tomar conhecimento de todos aqueles fatos pela imprensa. Por que, afinal, nunca fomos chamados, em reunião reservada, para tomarmos cabo dos acontecimentos? Aliás, porque estes fatos vieram à tona somente agora? É tempo de reflexão. Tempo de sabermos de onde viemos e para onde queremos ir. Se unidos já é difícil lutar contra todas as forças que se lançam contra nós, que dirá separados....

Anônimo disse...

Para mim, uma mera leitora do blog, que não faz parte da "classe", é realmente um pouco difícil entender o que propõe o autor do texto. Leio sobre uma proposta de "pacificação da classe" e algumas alusões quanto ao foco das contendas ministeriais, estando estas na eleição "democrática" de membros para compor a Administração Superior do MP e honestamente não consigo compreender qual é, de fato, o projeto de Ministério Público aventado pelo subscritor do post. Ainda mais quando, como pano de fundo, está a eleição para Procurador Geral de Justiça, e não para Presidente da AMPEM. A mim, enquanto leiga no assunto disputas ministeriais, parece um pouco estranho pensar no Procurador Geral de Justiça enquanto responsável por cuidar e zelar pelo “elo de ligação da classe”, afinal, eu sempre pensei que a tarefa do chefe do Ministério Público, dentre outras, era zelar pela “Instituição Ministério Público”, e não pelo bem-estar e convivência harmônica dos seus membros. Para mim, essa tarefa incumbiria mais ao Presidente da Associação de Classe do que ao Chefe da instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Mas como havia dito antes, posso estar errada, afinal, o que eu entendo sobre isso, não faço parte da corporação, certo?! E como quem não faz parte, chego mesmo a entender serem salutares as divergências havidas no seio de instituição composta por membros independentes e altivos, chego a pensar que podem ser a base para o crescimento e debate comprometido com o alcance de um Ministério efetivamente Público. Confesso, e talvez não devesse, que ao ler o citado texto cheguei a pensar que o projeto proposto tratava-se de um Ministério Privado, ou um Mistério Público, com as contendas ministeriais sendo discutidas em reuniões fechadas, com sugestões oficiosas sobre eventual resolução das intrigas ministeriais, mantendo-se assim a sociedade a parte de assuntos que sugestivamente não lhe interessam, porque as entranhas do Ministério Público só dizem respeito a seus membros de vanguarda. Afinal, roupa suja deve-se lavar em casa, sem a participação da inconveniente opinião pública. Mas, ao final, ainda não consegui compreender, muito menos me convencer, apesar da eloqüência do articulado texto, que eu não devo me interessar em saber o que acontece com o Ministério Público maranhense. Eu, como cidadã intrometida que sou, gostaria sim de obter esclarecimentos sobre o por quê de uma reforma que deveria durar aproximadamente 270 dias, estar durando mais de 2 anos, sem nenhum horizonte de finalização. Gostaria de saber mesmo por que só agora, no foco de uma eleição, a maioria de seus membros vem a público discutir algo que se arrasta há mais de 2 anos. E, claro, falo da maioria dos membros porque acompanho o blog e vejo que o Dr. Juarez cutuca o espeto de pau antes mesmo que este fosse interditado para reformas. A pergunta que eu faço é, por que o restante dos membros, apesar do desconforto em atuar de improviso no Garden Shopping, não haviam vindo a público há mais tempo, saído das reuniões fechadas de classe e largado os ofícios indignados, e mostrado sua insatisfação à sociedade maranhense, à qual, acreditem ou não, devem sim prestar contas, pois são agentes políticos no exercício de função pública. Então, sem mais divagações, eu realmente gostaria de saber a que projeto de Ministério Público o autor do texto se refere, porque eu, como cidadã, discordo que o Ministério Público pertença apenas a seus membros. Chego mesmo a me iludir que ele pertence e serve à sociedade. Mas, como disse antes, posso estar completamente enganada, afinal, não entendo muito do assunto, sendo esta apenas a opinião de alguém que pouco compreendeu sobre o projeto de Ministério Público desenhado no escrito que acaba de ler.

Cláudia Santos
claudiac_slz@hotmail.com