terça-feira, 23 de março de 2010

Em tempo

Do colega Ednarg Fernandes Marques, Promotor de Justiça em São Luís, distribuído sob o título "Ministério Público: de indispensável a essencial."

"Tenho testemunhado, ao longo de toda minha vida, reformas, e até transformações. Infelizmente, entre tantas mudanças, quantas não foram as repetições de costumes neste Ministério, que é Público?

Minha vivência com e no Ministério Público iniciou na infância. Filho de Procurador de Justiça, hoje aposentado, testemunhei sua luta na Presidência da AMPEM, ainda como Promotor de Justiça, em busca de melhorias para a Instituição.

Testemunhei, também, sua decepção ao ser removido para cidades mais distantes daquela na qual oficiava, apesar de suas iniciativas, à frente dessa Entidade, porque os pleitos da Classe iam de encontro à vontade do então “Chefe” do Ministério Público, que sequer aos seus quadros pertencia. Tal fato, contudo, somente fortaleceu ainda mais o seu modo de agir com zelo e determinação pela Instituição.

Fui testemunha de seu sentimento de tristeza ao ser preterido em uma promoção, ante a manobra de um colega, que se utilizou de fortíssimas injunções políticas e conseguiu que o Governador da época deixasse de assinar seu ato de promoção, já em sua mesa, substituindo-o pelo daquele que se dizia seu colega.

Morei em Caxias, para onde foi ele removido, depois da decepção sofrida.

Já adolescente, testemunhei a primeira greve do Ministério Público, por ele liderada, objetivando ver implementada a Lei Complementar nº 40/81.

Enfim, durante toda minha infância e adolescência, vi, com os olhos de quem passava por essas fases da vida, o que era e como foi se tornando o Ministério Público.

Confesso que, apesar das grandes modificações e avanços no campo normativo, velhos costumes continuam atuais e fazem parte de tudo quanto temos que mudar.

Era assim o Ministério Público: sem garantias, submisso às injunções políticas e chefiado por quem não pertencia aos seus quadros.

Entretanto, a Constituição da República de 1988, não apenas reconheceu, mas também fortaleceu nossa Instituição, que foi erigida à condição de essencial à função jurisdicional do Estado. Passamos a ser essenciais à realização da Justiça. Eis o que dá alcance de permanência à nossa missão.

Em 1991, concluí o curso de Direito, e, apesar de fazer parte de um Escritório de Advocacia com significativa clientela, e já contar com um certo conforto remuneratório, optei, com convicção, por ingressar no Ministério Público.

Brevemente, já saindo de outra adolescência, completarei 18 anos de dedicação a esta Instituição. Posso, assim, afirmar, que sou, entre tantos, testemunha dos diversos avanços que ocorreram no Ministério Público. Daí o motivo desse relato preliminar.

As atribuições conferidas à Instituição, do que se pode extrair da Constituição Federal, a partir de 1988, como disse, acompanharam a evolução da sociedade e suas demandas.

O certo é que, tanto o Texto Constitucional quanto as leis que dele emanam, destacaram a importância do Ministério Público, instrumentalizando-o com as ferramentas de que necessitava para cumprir o múnus institucional, garantidor, mantenedor e fiscalizador da ordem jurídica. Sua existência, suas lutas, transformaram sua indispensabilidade em essencialidade.

A pergunta que se pode e se deve fazer agora, é: com os meios de que dispõem os membros do Ministério Público, podem eles cumprir suas atribuições institucionais? É verdadeiro afirmar-se que a atuação da nossa Instituição tem sido efetiva? A participação do seu quinhão no orçamento do Estado é suficiente? Os gestores do Ministério Público, na sua totalidade, vêm se empenhando a contento na busca do real fortalecimento da Instituição, empregando os recursos destinados a pessoal e a investimentos com visão de futuro? As atribuições de cada membro, em ambas as instâncias, estão distribuídas com equidade?

As atribuições que foram conferidas ao Ministério Público pós-Constituição/88, ao mesmo tempo em que o fortaleceram, criaram-lhe desafios extraordinários, que encontram barreiras, por enquanto difíceis de transpor, mas não impossíveis, exatamente no limite orçamentário que constitui o engessamento do qual precisamos nos livrar.

Não são poucas as reclamações que se ouvem, sobretudo no que se refere à estrutura do Ministério Público. A situação é grave e pode piorar, caso não reajamos com urgência. Não podemos, pois, esperar milagres. Devemos fazer nossa parte. E fazer nossa parte é pensar também em um Ministério Público muito mais dinâmico e com uma melhor divisão de atribuições.

Não há espaço para desperdício. O quadro de membros é da mais alta qualidade, por isso que não se pode admitir as distorções de hoje, com a distribuição desigual de atribuições, à medida que alguns têm de analisar centenas de processos e participar de um sem número de audiências, só para mencionar, enquanto outros têm a sua valorosa e muito qualificada força de trabalho desperdiçada, sem que tenham culpa, por uma forma de estrutura organização há muito ultrapassada. Perde a Instituição; perde muito mais a sociedade a quem temos o dever de servir.

Urge que mudanças sejam feitas, mas mudanças baseadas em dados concretos, livres de subjetivismos, dentro da realidade, que contemplem uma distribuição equânime de trabalho, possibilitando que todos possam contribuir de modo igual na construção contínua de um Ministério Público verdadeiramente social.

Não são raros os comentários de insatisfação. Várias são as observações e várias, também, são as soluções sugeridas, algumas beirando ao absurdo. E por qual razão surgem tais ideias? Em parte, pela já crônica falta de estrutura institucional, que onera membros e servidores. Apenas para ilustrar, penso, entre outras coisas, que ninguém aguenta mais ter de responder continuamente por duas ou mais Promotorias de Justiça, sem as adequadas condições de trabalho, sobretudo no que toca à falta de servidores, fato que desgasta, em todos os sentidos, qualquer pessoa, seja no plano pessoal (saúde, vida familiar etc.), seja no institucional (cansaço, diminuição da qualidade do trabalho etc.).

Como se vê, a situação não é nada confortável. Some-se a isso a insatisfação dos servidores, inconformados – por justo motivo – com uma política salarial diferenciada dos demais órgãos com responsabilidades semelhantes, política essa que também é refém do absurdo limite orçamentário de que padece a Instituição. Tal questão tem ensejado a significativa perda de servidores qualificados, que buscam em outros setores públicos melhores condições de trabalho. Tudo isso, em prejuízo do Ministério Público e dos seus já onerados membros, e sobretudo, em prejuízo da sociedade.

O que fazer? É possível mudar?

Claro que sim. Como bem lembra Ivan Lins: desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos...

Não podemos nos abater diante desses desafios, pois foram exatamente os desafios que forjaram o pilar de sustentação do Ministério Público. Não podemos, portanto, pensar que não há saída, pois ela existe e depende principalmente de nós.

Vivemos numa época de mudanças, e mudanças rápidas. Olhar o passado e ter consciência de seu presente, são medidas indispensáveis a quem quer e deve planejar o caminho de um futuro seguro.

Muitos foram aqueles que ajudaram na construção desse caminho, como muitos serão aqueles que o abrirão ainda mais.

Avizinha-se mais um momento em que poderemos escolher que futuro queremos, e sem que nos esqueçamos daqueles que muito já contribuíram para que o Ministério Público chegasse aonde chegou, os quais merecem nossas homenagens, é válido assinalar que, se por um lado, no Quadro de Procuradores de Justiça, aqueles que nunca tiveram tal oportunidade podem desempenhar com competência e capacidade as elevadas atribuições de dirigir a Instituição, por outro, é possível identificar, sem dificuldade, Promotores de Justiça dedicados e também capazes e competentes para exercer o honroso cargo de Procurador-Geral, com equilíbrio e altivez.

A história tem demonstrado que a renovação tem sido proveitosa e a alternância do poder é, por certo, salutar.

Para isso, devemos ter em mente que somos um MINISTÉRIO PÚBLICO. MINISTÉRIO, aqui entendido como mister, dever, ofício; PÚBLICO, entendido como de todos, de e para a sociedade. Nosso dever, portanto, é: SERVIR A SOCIEDADE. Nesse contexto, não pode o individual sobrepor-se ao geral. Vivemos tempos difíceis. Unir, para fortalecer - e, sobretudo, para melhor servir - é imperativo. De ninguém é ignorado que a esmagadora maioria dos eleitores está na, digamos, primeira instância do Ministério Público. Tal situação, contudo, não pode ser a força motriz para quaisquer movimentos separatistas, a exemplo do que já aconteceu em outros Estados, ainda que de forma velada.

Como afirmado, é tempo de unir forças. É tempo de mostrar – literalmente – o nosso esforço, sobretudo à sociedade. É tempo de gritar aos quatro cantos que estamos sendo obstaculizados no cumprimento de nossas atribuições por um vergonhoso limite orçamentário. Mas também é tempo de buscar, mesmo com os atuais obstáculos, novos caminhos, principalmente aqueles que possibilitem ao membro e ao servidor, condições de trabalho mais favoráveis e condignas.

É tempo de firmar posições institucionais mais bem definidas, cortando, o por vezes, odioso cordão umbilical que nos sufoca no amontoado de metas e programas de outras Instituições e para os quais não temos a estrutura ideal.

É tempo de reconhecer no membro da primeira instância o valor que possui, promovendo a ruptura dos obstáculos que o impedem de exercer cargos administrativos, até o momento, privativos dos que integram a segunda instância: não mais se justifica a impossibilidade de ser ele Corregedor-Geral, membro de Conselho Superior ou Sub-procurador.

É tempo de rever a política de vencimentos e a estrutura organizacional dos servidores.

É tempo de promover a integração com outros órgãos que atuam no Sistema Judiciário.

É tempo, enfim, de ousar.

Muitas são as ideias, muitos são, igualmente, os desafios. Quem quiser ser o líder de que precisamos, haverá de ter coragem para enfrentar tais desafios, com sabedoria, inteligência, sensibilidade e com tino administrativo, jamais com vaidade ou com apego ao Poder.

Precisamos de um Representante, seja Procurador, seja Promotor, que esteja buscando melhor servir, possibilitando que o Ministério Público continue a ser essencial à sociedade."

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