sexta-feira, 19 de março de 2010

Gólgota

Altos, fortes, embrutecidos. Um deles, o pai; outros dois, os filhos. O lar desfeito há alguns anos. Olhares secos, ferinos, felinos. Os filhos sovaram o pai. Rostos vestidos de ódio e rancor. Sobre a mesa um procedimento criminal. O pai vindo à forra perante sua excelência. A tragédia se impõe solene, mas o fórum lembra mais uma feira, em seu terceiro dia de mutirão. O burburinho nas ante-salas, no entanto, não consegue ferir o tenso silêncio dos contendores. Difícil atirar ou arrancar a primeira palavra, mas ela invade quase como insulto. “Não tenho pai; sempre quis ter um. Esse homem, por anos, surrou minha mãe, e eu cresci com medo e ódio. Excelência, sabe o que é não ter um pai para abraçar?” A estocada infla os olhos de água que à força se detém. E outras palavras, irmãs do sentimento de não ter o amor que merecia, escorrem para a sala e pintam as paredes da alma de todos os presentes, que se contém a sopro. Sua excelência, por dentro, é ave maria, que aquilo está além dos códigos e provimentos; é suspiro, pois tem pai que o ama, o abraça e afaga; é divindade, porque se ajuntaram sob o poder de suas mãos. Só não há nada para julgar. O pai diz que não quer processo adiante, ajuizara-o apenas para poder encontrar os filhos e conversar perante sua excelência. É rosto entre as mãos, cabisbaixo, tentando esconder o ofego. Vem o outro filho e assanha as mesmas dores e procura não se render a este que lhe desperta amor e ódio em doses cavalares; reclama os carinhos que nunca encontraram colo, e o sofrimento da mãe com a qual ficaram após o desprezo. Não há contenda, há catarse. Palavras abrindo feridas para expô-las ao cautério, e quando esgotam seu talento libertário, sua excelência remonta seu inconsciente ao gólgota: “pai, eis aí o teu filho; filho, eis ai o teu pai!”. De pé, braços, abraços e soluços de pai e filhos. Altos, fortes, sem mais a morte nos olhos.

Um comentário:

Rodrigo Bastos Raposo disse...


Simplesmente bonito.