quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Juízo

1997. Dentro do acanhado mercado público de Mirador, comensais de poucos cobres arrodeiam as bodegas de merendas, alternando silêncios com animadas conversas sem propósito. A cachaça, a tiquira ou a maranhense competem para abrir o apetite sobre o arroz com feijão e iscas de fígado. Quem recolhesse os apelidos dos convivas de ocasião, Caburé, Rolinha, Calango, Mucura, se encantaria com a fauna nacional. Palitando os dentes, afasta-se, quando o desafeto eleva a voz ferindo seu nome. Comigo? Sim, mesmo; por isso e por aquilo. Ora, veja. Respeita! Respeita! A refrega acesa afasta os mais acautelados do pior, que viciam a rua em frente, com seus temores. A indisposição começara há dias, no Sanharó, numa impertinência de familiares colaterais. O sangue dos contendores torna a encharcar-se de adrenalina. Súbito, o provocador exibe uma peixeira. Tropeça. A vítima corre. Polícia. Procedimentos. Flagrante. Dias depois, o palco se desloca para o Fórum. O promotor anota o delito de ameaça e requer a audiência preliminar. Patinando na recente legislação, o magistrado devolve o calhamaço, cobrando denúncia. O outro refuta, polido, convincente. Mas, o patinador derrapa de vez e, indo além, sugere tentativa de homicídio. Um novo promotor aquiesce à tipificação sugerida. O solene júri veio treze anos após, sem réu, sem vítima; uma testemunha. Homicídio?! Faltou juízo.

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