quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sina


Nem tanto quanto parece. A saúde fustigada roubou-lhe mais vida que o tempo. Bengala, na urbe; no interior é cacete. Apoia-se em um. O andar trôpego, escorando-se nas paredes, denuncia as fragilidades do ancião. Por isso que a dúzia de olhos, na apertada sala de espera, assume, em sincronia, a apreensão da queda iminente, evitada pelo socorro de um samaritano. Sob amparos, ingressa no gabinete. A voz atrevida, o queixo empinado, a vontade decidida: Quero o divórcio! Ela, pouco mais nova, resmunga os códigos de alguns segredos que, previsível, atiçam a esgrima verbal das frases bilaterais do desamor. Não adianta esperar que esgotem os verbos, esse alimento os envenena há anos, pondo fim ao respeito, à consideração. A filha hesita em intervir, para cobrar civilidade. Ele, resoluto, ríspido, quanto ao divórcio e ao valor de sua parte na casa! Ela faz que não escuta ou é por causa das pílulas que toma pros nervos, pro coração e pra outra doença mais grave. Usa os alfinetes de sempre, para se revoltar com a ideia de que ele vai gastar o dinheiro com a outra. Encobre-se de humilhação porque a tal nem é nova, mas tão velha e doente quanto. Não vendo, e não assino! Pronto. Volteia a rosca sem fim do bafafá. Só no outro dia, um acordo se costura em oitivas separadas. (Não se veem, não se falam, não incomodam.) Seis mil em duas parcelas de três. Vários filhos moram fora e serão consultados para assumir esse pagamento. Ele resmunga, revida, repreende, queria tudo logo; aceita. Em cinco dias, a resposta é positiva. No sexto, ela despacha a filha com um recado: Divórcio? Nem morta!

Um comentário:

Francisco Teomário disse...



Caríssimo juarez,

mais uma vez sou agraciado em aprender com sua sapiência. Discorrendo com leveza, tal qual o craque Neimar ao realizar magníficos dribles desconcertantes em seus marcadores, você retrata o cotidiano sofrido de centenas de famílias maranhenses. Relacionamentos se encerram, não raro, ante a ausência de diálogo e compreensão. No espaço mais pobre da população, prevalece a rispidez, pois não se adquiriu a sutileza, vez que a escolas e livros jamais se teve acesso. Laços se derretem, pois não suportam o calor dos instantes difíceis que fatalmente ocorrem nos relacionamentos. Esse quadro já se encontra coberto pela banalidade e usa maquiagem do "normal". Pouco se reflete, nada se faz. Tem-se por princípio: o "cada um cuide de si".

(Re)pensar o trajeto de nossa (re)humanização deve ser o nosso desafio.