sábado, 9 de outubro de 2010

Dupla

BR-135, Km 33, Campo de Perizes 

“Eu e Deus”, disse, sem ânimo, o calejado policial de meia-idade, sob a penumbra dos alinhados eucaliptos, em frente ao posto rodoviário de Pedrinhas, ― cuja reforma não acaba nunca, ― já vencido o primeiro quarto de noite da última quinta-feira. Nem se levantou da cadeira de macarrão, ao balbuciar o nome, para receber a notícia de que havia fogo no capim alto e seco no Campo de Perizes, espalhando densa fumaça que invadia a estrada por uns trezentos metros e impunha aos motoristas que entravam e saíam da ilha o mergulho numa tenebrosa roleta russa. Ao supor que sua omissão pudesse se refletir em lamentáveis óbitos e lutos, o comunicante estacara sua viagem para alertar os policiais, e repetiu tudo umas três vezes, para enfatizar a gravidade da travessia a que se submetera fazia pouco, e o quanto temia pelos desavisados. Quando se avança num fumaceiro, perde-se, imediatamente, a noção do rumo, não se vê a um palmo, o perigo é real, imediato. Tolamente, ao vencer a fumaça, muitos se gabam de sorte ou experiência, sem se dar conta de que, talvez, a morte estivesse cobrando pedágio em outra freguesia. “Só eu e Deus”, suspirou com menos ânimo ainda o policial, evocando para si mesmo a gravidade trazida pela lembrança do que ocorrera dois anos antes com aquele protético. “Vou ver se chamo os bombeiros”, completou, ― como se admitisse que não adiantaria muita coisa, ― para aliviar a alma do aflito, que, ao deixar o local, cabisbaixo, pensava consigo: “Tomara que esse Deus seja um cara mais disposto!” Dia seguinte, nenhuma tragédia nos jornais. Deve ter sido graças a... a dupla.

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