Futuros eleitores na porta da seção do Mosquito, 03.10.2010
Brancos, sim, pelo menos as patinhas. Ela dizia, sem cara de nojo ou enfado. Nem era reclamação, mas um relato amistoso do que constatara no distante Mosquito, com suas casas de chão batido, sem banheiro, ou sentina, ou energia elétrica, onde, à noite, aquietadas as lamparinas, pequenos ratos faziam festa e corrida, entre os caibros, a coberta de palha, os fios de estender roupa e os surrados punhos das redes. Chegara no breu da noite, sem ao menos avisar e, ali, jamais estivera. Moradas esparsas, gente acolhedora e muito pobre. Conferindo os sons que, vindos da boca da mata, arranhavam o forte silêncio, custou a conciliar o sono, memorando os encargos do dia chegante. Manhã cedo, antes de instalar a única sessão eleitoral, teve de encarar a água gelada do riacho, num banho de Iracema. No desjejum, ao salivar o frito com um pouco de café preto e forte, pensou estar usurpando o que talvez fosse o almoço e o jantar daquela família de seis; recusar, porém, seria ofender, mostrar desprezo pelo oferecido. Poderia deixar como imagem seu sorriso largo e generoso, não um amuo de menina de cidade, manhosa e fresca. Às sete, ajuntados os ingredientes da mesa eleitoral, aguardava, à porta, com discreta ansiedade, os primeiros votantes. A maioria analfabetos ou quase, vindos da Travessia, outros com dificuldades na vista; votos demorados, incompletos, impossíveis. Uma paciência para perguntar quantos quadrinhos na tela, e encomendar a digitação de cinco, ou quatro, ou três ou dois números e um toque no botão verde, para aplaudir, ao final, o voto, heroicamente, rematado. O dia longo e quente resolveu consumir parte da noite, numa fila sem pressa. Foi a última urna a chegar à sede, mas sem cabedal suficiente para criar um segundo turno. Depois, partilhados a aventura e os risos, assentiu, convencida, que eram cinzas com patinhas "brancas", aqueles ratos. Menos reimosos que certos políticos.
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