segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Gramática

Se havia ódio, dele não fazia tempero com as palavras que alinhava na cautela ao relatar o aborrecimento de ontem com o filho. O atrevido nem se valeu de cerimônia, para em riste tachá-lo de mentiroso, e ainda desdenhou com acinte a proposta de tratarem a querela com uma autoridade, virando-lhe as costas, com outros dizeres vãos. Por hábito ou força da idade que roçava os oitenta, tecia o caso sem pressa de ver o fim, como se dedilhasse nas mãos o invisível rosário do tempo, na ilusão de conter o futuro. Quando engasgou nos fatos sobre o passamento da esposa, foi possível intuir que o filho estava fazendo carga para receber o quinhão, em contraponto aos outros cinco que se mantinham naquela obediência filial que agradava ao velho. Era pouca terra, nem duzentos hectares, mas queria o seu e queria logo, pois, inteirados três anos, a ruindade da morte fluíra para a agonia dos vivos, na repartição dos despojos. Compreendia o direito do filho, só não aceitava aqueles substantivo, adjetivo, verbo, advérbio. Ali, sucumbia mais uma vítima da gramática, por onde começam tantas guerras diárias, familiares ou não.

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