terça-feira, 9 de novembro de 2010

Por engano


Nervoso, bastante, pedia conselhos. Uns diziam sim, poderia ser preso; outros, coisa pior. Numas encenações secretas, treinava abordagens. Várias vezes, iria, mas faltavam pernas e palavras. Na hora agá, o intestino não segurava. Vivia no chá de boldo. Dormia na maracujina. “Vais mofar na cadeia! Ha-ha-ha-ha!”, era a voz, em seus pesadelos. Tremia e temia, embora certo. Pensara em terceirizar a cobrança, mas não achava o artista que tivesse topete para emplacar o texto: “Excelência, vim buscar o televisor que, por engano, o senhor trouxe da pousada do Aristides”. Precisava acreditar que fora por isso. No íntimo, nenhuma dúvida. Começava o dia, empolgava-se: “É hoje!”; depois, suspirava: “Amanhã!”. Sem lembrar como, de repente, estava naquele gabinete, diante de deus. Esfregou as mãos em busca de forças, que logo se esvaíram, ao divisar sobre a mesa o dorso reluzente de um Código de Processo Penal. Amarelou. E foi “sim, excelência”, "pois não, excelência", “certo, excelência”, até a exaustão. Televisor, necas.

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