terça-feira, 15 de março de 2011

Cronos regurgita seus filhos

Do colega José Osmar Alves, promotor de justiça de São Luís:

"A propósito do artigo do colega Celso Coutinho, sobre o atual estado de coisas que atormentam o Ministério Público timbira, embora advertido pelo notável articulista de que a única defesa que patrocinava era a da Instituição, não pude deixar de vê-lo – ao artigo – como aquilo para o qual foi usado: a defesa da atual Administração.

O mote para o scriptum, segundo declara o próprio escritor, foram as infelizes declarações da presidente da AMPEM a jornal maranhense, em que nossa representante aparentemente absolve as administrações anteriores, sob as quais o prédio das promotorias da Capital foi construído, inaugurado e desocupado para reforma.

De fato, feita como feita, a afirmação de Doracy tem conotação pessoal, dirigida especificamente à atual gestora do MP, desafeta declarada da declarante, com o perdão da aliteração e da cacofonia. E isto desqualifica o debate, empurrando a discussão para o nível das brigas de comadres, coisas a serem resolvidas nos balcões dos juizados especiais.

Ponto para o artigo do Celso.

A segunda mancada da presidente da AMPEM, notada pelo articulista, teria sido a observação feita por ela, na mesma entrevista, de que, mesmo com o relatório do TCE assegurando que não havia risco de desabamento, os promotores foram obrigados a sair do prédio.

Pondera Celso Coutinho que a reclamação da entrevistada é incongruente, pois se não havia risco de desabamento iminente, então porque o TCE recomendara, no mesmo parecer, que “as patologias verificadas” no prédio fossem “corrigidas imediatamente”?

Aqui, porém, o nosso Celso dá “ratada” homérica.

É claro que não havia risco de desabamento. A perícia realizada na época deu esse diagnóstico. As fundações do edifício eram seguras. E isto se provou empiricamente: a estrutura do prédio se acha há mais de três anos totalmente exposta ao sol, ao vento e à chuva, e eis que lá continua firme, com seu espectro medonho, aquele que já foi a maior conquista dos promotores da Capital, e que hoje é candidato imbatível a entrar para a história como o mais ilustre “espeto de pau” da sociedade maranhense.

O prédio era seguro, Celso. Era seguro e não era necessário sairmos dele para serem sanadas as tais enfermidades, digo, patologias.

Eu mesmo, com essa mania que tenho de me meter nas coisas do MP, fui à época ter com o Dr. Francisco Barros. Estávamos informados de que deveríamos sair do prédio. Fui ter com ele e lá sugeri que não desocupássemos o edifício. Que aproveitássemos o final do ano (estávamos em fins de novembro de 2007) e estendêssemos o recesso de dezembro até o dia 20 de janeiro (férias coletivas de 15 dias para todos em Janeiro de 2008, em acordo com a Corregedoria de Justiça, à época dirigida pelo Dr. Jamil, licitador do prédio), para que a empresa pudesse trabalhar durante um mês inteiro, 24 horas por dia, fazendo a parte da reforma que demandasse mais espaço e barulho, e então, quando retornássemos, os trabalhos continuariam normalmente, com incômodo suportável no meio da semana e com os fins de semana livres para a construtora. Tudo bastante simples. O Banco do Brasil faz reformas e mais reformas e nunca fecha as suas agências. Argumentei que durante o mês de recesso a construtora poderia concluir as obras em um dos lados do prédio ou em todo o andar superior (tínhamos todas essas possibilidades, dadas as características da construção, uma espécie de arco horizontal). Na parte concluída acomodaríamos as promotorias especializadas, que investigam e atendem ao público, enquanto uma parte dos promotores voltaria a trabalhar em casa por um tempo, como antigamente.

Você me escutou, Celso? Também não me escutou o Dr. Francisco Barros. Saímos todos e fomos jogados num ambiente insalubre, que permaneceu durante um ano sem refrigeração. A maioria dos colegas trabalhou em casa naquele período. E o prédio... Bem, o prédio deu no que deu.

Por fim, meu caro Celso, quero lhe parabenizar pelo belo artigo. Digno dos grandes escritores maranhenses, dentre os quais figura o vosso pai. Mas a conclusão a que você chegou – de que as mazelas atuais do MP são reflexos de nossas fratricidas lutas internas pelo poder - não me parece acertada. Em verdade, penso que tudo isto seja resultado de uma incompetência patológica (termo que aqui me parece adequadamente empregado) que tem contaminado a todos aqueles a quem a direção do MP foi confiada nos últimos anos. O que nós os promotores de São Luís queremos é voltar para o nosso prédio, estrategicamente edificado ao lado do fórum. A miséria de se ter aquela obra parada há mais de três anos, com o dinheiro da reforma em caixa, é que nos indigna a todos. Iniciar a construção de um novo prédio atrás de um outro que se acha em ruínas beira à insanidade. A exposição que atualmente se faz da instituição na mídia e no Conselho Nacional são o último recurso de que dispomos para buscar uma solução para esse impasse vergonhoso.

As lutas fratricidas a que você se refere não são outra coisa senão essas críticas, agora feitas de público, e que jamais se dariam se os nossos administradores tivessem, cada um a seu tempo, cumprido suas obrigações, independentemente do número de votos que tiveram na eleição em que foram nomeados.

Sim, meu caro Celso, às vezes é preciso uma revolução sangrenta para purificar a nação, antes de Cronos regurgitar seus filhos.

Saudações fraternas.

São Luís/MA, Março de 2011.
José Osmar Alves"

7 comentários:

Haroldo Brito disse...


Juarez, boa tarde!

A circulação de nossas idéias faz emergir mais um belo diagnóstico da realidade enfrentada hoje pelo nosso querido MP.

Parabéns, meu amigo JOSÉ OSMAR!

Espero, sinceramente, que o debate, com diagnósticos corretos ou não, nos conduza a um Ministério Público melhor, sem a triste realidade que hoje vivemos.

Celso Coutinho disse...


Caro José Osmar,
Louvo suas palavras pelo contraditório que se instala. Mais uma vez recorro ao mestre Hungria, que, certa vez, dirigindo-se à Escola de Belas Artes, em Porto Alegre/RS, para proferir uma palestra, encontrou, no caminho, um amigo que, ao saber da palestra, logo perguntou: “contra quem?”. Dizia o mestre penalista que se estivesse em algum lugar onde ninguém dele discordasse, ele sentia que as suas palavras estavam sendo inúteis. Assim dizia: "a minha afinidade com os advogados vem da minha propensão para o fogo cruzado dos argumentos e contra-argumentos. Sei por experiência própria e cotidiana que, no entrechoque dos pensamentos divergentes, pode surgir o conceito exato ou a hipótese feliz, como salta a fagulha no atrito do fuzil com a pederneira". Na linha do que disse Voltaire: “posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo”.

O artigo tem, sim, o sentido de defender a instituição. Contudo, tens toda a liberdade de ver o texto como quiser, até a de estigmatizá-lo com a obsessão de enxergar o vício em tudo que está à frente. Altavilla trata disso em seu livro “Psicologia Judiciária” - Ed Almedina, inclusive com uma passagem específica sobre o Ministério Público. Aliás, essa é uma das críticas que faço no artigo. Mas o uso do texto é livre. As nossas palavras são rebentas sem cilha. Quando as pronunciamos, passam a pertencer ao mundo. Gosto de recorrer aos clássicos e, por isso, valho-me, nessa hora, de Fernando Pessoa: “Da mais alta janela da minha casa/ Com um lenço branco digo adeus/ Aos meus versos que partem para a Humanidade”./ [...] Rio, o destino da minha água era não ficar em mim./ [...] Ide, ide de mim!”.

Precisaria de outro artigo para rebater mais pormenorizadamente os seus questionamentos. Mas não vou cansar com isso, pois acho que já deixei bem expresso o meu pensamento. Vou me ater de forma breve.

Como disse em meu artigo, do interlocutor somente podemos exigir que seja sincero. Infelizmente, colega Osmar, você não o foi quando escreveu: “A segunda mancada da presidente da AMPEM, notada pelo articulista, teria sido a observação feita por ela, na mesma entrevista, de que, mesmo com o relatório do TCE assegurando que não havia risco de desabamento, os promotores foram obrigados a sair do prédio (grifado).”

Onde está escrito, no artigo “A Fome de Cronos”, que, me referindo à Presidente da AMPEM, esta afirma que não havia risco de desabamento e que os promotores foram obrigados a desalojar o prédio? O que tem no texto, todos podem checar, é que a colega Doracy afirmou que o relatório do TCE é muito claro ao dizer que “não existia risco de desabamento iminente quando os promotores foram desalojados” (grifado).

Se tivesses elaborado o teu pensamento em cima do que efetivamente eu disse, nem replicaria. Mas se enxertarem o artigo com o que eu não disse, estou obrigado moralmente a responder.

Você, Osmar, é quem está dizendo que não havia risco de desabamento algum, que o prédio era seguro e que não precisavam ser os promotores realocados para outro lugar. Não sei qual o seu conhecimento sobre engenharia, mas respeito sua opinião, que é, frise-se, só uma opinião em matéria que requer conhecimentos específicos. Eu não disse isso, nem atribuo essa afirmação à nossa colega Doracy. A perícia a que você se refere, também não diz isso. O que está dito, efetivamente, é que não havia risco de desabamento iminente. Insisto, assim, na ponderação de que afirmar que “não existia risco de desabamento iminente” não é o mesmo que afirmar que “não existia risco de desabamento”, persistindo, assim, a necessidade de se indagar se algum risco havia, ainda que não fosse iminente, já naquele tempo. E, sobre isso, ainda não foi você quem me esclareceu de qual é a razão da urgência da correção das patologias sem a iminência de desabamento? Mas você viu aí uma “’ratada’ homérica”. Dizer o que?

(Continua...)

Celso Coutinho disse...

(... continua)

Você diz que, empiricamente, o que confirma que não havia risco de desabamento é que “a estrutura do prédio se acha há mais de três anos totalmente exposta ao sol, ao vento e à chuva, e eis que lá continua firme, com seu espectro medonho, aquele que já foi a maior conquista dos promotores da Capital, e que hoje é candidato imbatível a entrar para a história como o mais ilustre “espeto de pau” da sociedade maranhense”. Respeito, novamente, sua opinião. Ocorre que, mais uma vez, é só uma opinião sobre um assunto que requer conhecimento específico. Na avaliação do risco de desabamento deve ser levado em conta não apenas o prédio nu, mas o tempo que nele ainda estavam agregados outros tipos de estrutura, como, por exemplo, telhado e forro. Mas isso, também, é só uma opinião minha. Da mesma forma que você, creio, eu não sou engenheiro, portanto não me arrisco a sair fazendo conclusões como essas.

Não sou um caçador de mentiras. Confio nas pessoas, que se mostram dignas de confiança. Por isso acredito no que dizes quanto ao diálogo que tiveste com o então Procurador-Geral de Justiça, Francisco Barros. Você pergunta se escutei. Soou com tanta empolgação que, de alguma forma sim, escutei. Não o diálogo, mas o que você disse no texto. Formidável! Era a solução para todos os problemas. Mas somente o Dr. Francisco Barros pode te contestar ou, mesmo, confirmar. Como venho dizendo, não tenho pretensão de fazer defesas individuais. Contudo, não consigo deixar de imaginar a aflição do então Procurador-Geral de Justiça Francisco Barros diante de tuas palavras e da responsabilidade que tinha, como Chefe da instituição, com a integridade física dos promotores de justiça, dos servidores e do público que ali transitavam. A mais remota possibilidade de desmoronamento tinha que ser levada em consideração. Não só de desmoronamento, mas de qualquer possibilidade de acidente com algum dos citados. Cotejar o caso com o Banco do Brasil, que faria reformas e mais reformas, não é adequado, exatamente porque existem reformas e reformas. Desconheço se o Banco do Brasil tem algum prédio com a evolução histórica do referido prédio do MPMA. Não é tarefa simples e não podemos achar que as nossas escolhas são sempre melhores que as escolhas dos outros. Estar sentado na cadeira de procurador-geral de justiça é bem mais complexo que sentar na cadeira de promotor de justiça. As responsabilidades de ambas são grandiosas, mas bem distintas.

Ao tempo que torno manifesta a satisfação de debater com o valoroso colega, encerro com a minha discordância a respeito da necessidade, no âmbito do Ministério Público como de qualquer outra instituição, de uma “revolução sangrenta para purificar a nação”. Menos, meu colega; menos. O processo de autofagia que querem nos impor será o exício do Ministério Público. No lugar de Cronos regurgitar seus filhos, eu queria, mesmo, é que ele não devorasse qualquer deles. Eu, pelo menos, não sou boa iguaria e, não só forço a regurgitação imediata, como a disenteria é certa.

Celso Coutinho, filho. São Luís (MA), 15/03/2011.

Haroldo Brito disse...


Juarez, bom dia!

Ainda sobre o texto do colega CELSO, seria um bom sinal de respeito verdadeiro à democracia, à coisa pública, se a Administração Superior do Ministério Público der o mesmo destaque ao texto do colega JOSÉ OSMAR na sua página oficial.

Um abraço!

Maria Flor disse...

Finalmente novos ventos começam a soprar e o Ministério Público maranhense parece que caminha para o entendimento de que precisa passar por um processo sob pena de continuar no desfragmentar frenético que se instalou a partir da desventurada escolha de 2008 ratificada em 2010: um processo de aprendizagem de humildade. Quando se admitir que até agora "não se fez a coisa certa", aí começará a humildade e um lampejo de esperança poderá ser vislumbrado. Humildade não é um conceito, é uma conduta... e requer atitudes.
Mesmo nos corações mais sequiosos por uma revolução institucional haverá que florescer um voto de confiança em quem agora segura a caneta, pois não há outra saída.
O tempo não retrocede e a racionalidade há muito convida a uma reflexão e tomada de atitude igualmente rápidas, pois todos estão no mesmo barco. Os prejuízos são incalculáveis e não existe seguro que faça retornar a pax perdida, mas o uso da "reserva prudencial" de bom senso poderá apaziguar, ainda que na superfície, as ondas que agigantam tornar-se tsunamis se nada for feito.
"Tudo posso naquele..., até mesmo renunciar, renunciar ao ódio, à perseguição e à vaidade". Faça-o.

sandro bíscaro disse...

Concordo plenamente com o colega Haroldo. Inclusive, foi pensando nessas decorrências que entendi ser inadequada a publicação do texto do colega Coutinho na página oficial da instituição. Do contrário, o texto perde muito de sua legitimidade, passado-se a forte impressão de que foi, na verdade, uma defesa e, pior, de que o site oficial do MP é utilizado como um blog de promoção pessoal. E não podemos, jamais, fazer em nossa casa aquilo que combatemos em alguns dos Prefeitos deste Maranhão a fora, que fazem das Prefeituras extensões dos quintais de suas casas.
Por isso, creio que a Administração Superior providenciará a publicação do escrito do colega Zé Osmar.

Unknown disse...

Olá, colegas!
Meu comentário é um "metacomentário" ao acima do colega Celso Coutinho na parte em que este se referiu a questões de engenharia.
Caro Celso Coutinho,
Antes de me formar em Direito, graduei-me em Engenharia Civil, profissão que exerci por vinte anos!
Parabéns pela lógica a um tempo brilhante e férrea do teu raciocínio.
Aplaudo como jurista e como engenheiro.
E ainda, como cidadão com mediana percepção de prudência, não ficaria sob uma estrutura que tivesse probabilidade (ainda que mínima) de ruir, esperando pra ver se caía mesmo...
Abraço,
José Leitão"