sábado, 11 de junho de 2011

Sozinhos

"Quando entrei para a Universidade, em 1985, eu sabia que o curso de Direito, naquele tempo, duraria quatro anos. Ao fazer a matrícula me disseram que deveria marcar no formulário as disciplinas que desejava cursar. Fiquei sem entender direito o que significava “escolher as disciplinas”, pois na minha cabeça eu estava iniciando o primeiro ano do curso e as disciplinas seriam as do primeiro ano daquele curso.

Foi só então que me explicaram que eu poderia escolher disciplinas que normalmente só seriam estudadas em anos posteriores, mas que não era garantido cursar aquelas que eu escolhesse, pois dependeria das vagas; aconselharam-me a optar pelo “bloco” de disciplinas do primeiro período, pois isso me possibilitaria cursar aquelas que eram “pré-requisitos” para disciplinas posteriores, permitindo-me concluir o curso no tempo programado de quatro anos. Optei pelo “bloco”.

Tempo depois me disseram que o sistema de períodos, em lugar da anualidade, seria uma manobra adrede pensada pelos militares para evitar que dentro das universidades se formassem grupos, o que poderia ser perigoso para o regime. Não sei se aquilo de fato fora uma ideia dos golpistas, tampouco se deu para eles o resultado esperado. Eu, porém, conclui o curso dentro do prazo e ainda conservo bons amigos daqueles tempos. Felizmente as coisas mudaram e agora já se podem formar grupos em todo o País, nos estados, nas cidades, nos bairros, nas universidades e até nos quartéis.

No Ministério Público do Maranhão, porém, a formação de grupos continua quase impossível, pois as pessoas não se encontram, não se falam, parece mesmo que se evitam. No meio da semana, é cada um na sua. Nos finais de semana, desligam-se os telefones e cada um se fecha em casa, para emergir na segunda-feira, no aguardo da sexta, quando nova imersão se opera.

Todos somos sócios da AMPEM, mas as festas dessa entidade são uma tristeza: nunca contei mais de 10% dos associados. Se a Procuradoria faz um evento, lá estarão outros 10%. De modo que é quase impossível nos encontrarmos. E se não nos encontrarmos, não se criarão laços e sem laços não nos fortaleceremos para o combate. O combate de quê? O combate da mesmice, da inoperância administrativa, das práticas atrasadas, de uma cultura provinciana que não faz justiça à evolução do povo.

É a assimilação perfeita da ideologia da ditadura, a ideologia do eu sozinho, da separação das pessoas, para que não se falem e, não se falando, não se conheçam e, não se conhecendo, não confiem umas nas outras e, sem confiança, permaneçam no comando os de sempre, os que conhecemos muito bem, os que nos acalmam com as migalhas da mesa, numa repetição ignominiosa desse lamentável estado de coisas que parece não ter fim.

Até que apareça um Dom Sebastião, um rei menino, um herói qualquer para nos salvar, nada de novo deverá surgir. É só aguardar as próximas eleições para Procurador-Geral de Justiça e se verão os velhos candidatos de sempre (ou alguns novos de cabeças antigas) nos quais votaremos tranquilos, na certeza de que não nos atrasarão os salários. Enquanto isso... Bom, enquanto isso, envelhecemos, gordos e guapos, a falar mal de uma certa família, como sapos a arfar no monturo, num lamentável consenso de meros espectadores da história."

Com um abraço fraterno.
José Osmar Alves, promotor de justiça em São Luís

2 comentários:

Ellen Siqueira disse...

Parabéns ao Dr. José Alves. Texto claro, leve, objetivo e com um excelente desenvolvimento de idéias. Grata surpresa neste blog de doutores do direito. O rococó ficou pro século XVIII.

Haroldo Brito disse...


Zé, mais uma vez você mandou bem!

Texto límpido, claro, objetivo!

O seu diagnóstico incomoda, aperta o coração, mas nos conduz à triste realidade que vivemos, isolados, sem sentimento de coletividade.

O nosso MP merece mais, nós todos merecemos mais!

Parabéns e um abraço!

HAROLDO PAIVA DE BRITO