terça-feira, 9 de agosto de 2011

Eu te amo (1)

Não buscava socorro para os olhos com a maquilagem púrpura dos socos e bofetes; sim para a menorreia intermitente, a incomodar mais que as carnes doloridas. Como tantas, precedia, por desculpa, “um acidente”. Prescritos os medicamentos para regular a cura do corpo, inclinava-se a não gastar o latim com outra dessas vítimas, mas pressentia que a mão do covarde e sua boca de gritos insultuosos haviam-se aferrado à alma da pobre mulher, tanto que pareciam infestar todo o consultório, e não arrancá-las beiraria a cumplicidade. O que ela disse, o jovem médico gravou no cordel das lembranças mais doloridas. Sem os pais, vivera na rua, dos sete aos treze, quando ele a recolheu, estuprou e tomou para si. Desde então, onze anos de surras, reclusão e falsos cuidados. Sem letras, parentes, amigos ou vizinhos, não queria ouvir a tentação da liberdade. Fugir pressupunha um destino, que não o tinha. Sobrava-lhe solidão. Uma sem ninguém, amada por seu tratador e algoz. Dias depois, morta.

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