quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Por trás da toga

O texto abaixo é de autoria do juiz Rosivaldo Toscano Júnior, da 2ª Vara Criminal da Zona Norte, da Comarca de Natal – RN, publicado em seu blogue, em 12/01, sob o título Nosso Rol Secreto de Arrependimentos:

“Estava numa comarca do interior, no início de carreira. Deparei-me com o caso de um acusado que, juntamente com um desconhecido, ingressou numa padaria, anunciou um assalto, levou o dinheiro do caixa e, durante a fuga, tomou a moto de uma mulher, fugindo em disparada. A motocicleta foi largada um quilômetro depois.

A tese do Ministério Público era de tinha havido dois roubos – o da padaria e o da moto, o chamado concurso material de crimes. A tese da defesa era de crime continuado, em que se condena por um só crime, com um pequeno aumento pelo segundo.

Quando fui fazer a sentença, veio à cabeça uma dúvida não aventada pelas partes: se a moto foi subtraída com a intenção de apenas garantir a fuga, já que ela foi encontrada intacta e devolvida logo depois, seria justo condená-lo por isso? Não seria essa segunda pretensa subtração caso de post factum impunível e que não foi levantada pela defesa em razão do despreparo técnico do defensor dativo? Ou seria arrependimento eficaz?

Ainda inexperiente e inseguro, faltou coragem para rechaçar a pretensão do Ministério Público naquele momento, pois temia um possível apelo e a reforma da sentença pelo tribunal, que tinha uma linha muito dura nesses casos. Aí se deu meu erro: fui me aconselhar sobre a existência do post factum impunível logo com quem? Com o amigo e combativo promotor de justiça, que também chamamos de Parquet. Obviamente, como era parte na causa ele reiterou sua tese e procurou rechaçar as teses de crime continuado e de post factum impunível. Destacou que o acusado era reincidente e que também respondia por um furto cujo interrogatório já estava aprazado.

Informalmente, e sem perceber, aquele diálogo com o Parquet terminou sendo mais importante para a formação de um juízo sobre o destino da causa do que a leitura fria das razões das partes.

Um juiz deve perder tudo, menos a isenção. Por dar tratamento privilegiado ao Parquet em relação à defesa, foi exatamente isso que me aconteceu naquela tarde. Resultado: condenei o réu duas horas depois, amparando na íntegra a tese do MP de dois roubos qualificados, a uma pena de uns treze anos de reclusão.

O inconsciente, contudo, não me absolveu. Algo estava fora do lugar. Procurei, no início, racionalizar e justificar que aquele homem merecia a pena maior porque era degenerado. Mas depois passei a sentir um certo desconforto ao pensar no caso nos dias que se seguiram à assinatura da sentença. Ele foi crescendo. Até esperei um recurso da defesa, mas ela silenciou. Houve o trânsito em julgado e, assim, a decisão se tornou imutável. Não havia mais o que fazer. Logo depois me arrependi conscientemente da decisão. A angústia era sintoma de que havia cometido um grave erro: transigido com as minha próprias convicções. Senti a angústia em silêncio, na solidão da toga.

Dias depois veio o interrogatório do acusado no segundo processo que o envolvia. Era um furto cometido por ele na mesma época. Confessou tudo. Encerrada a audiência, ele pediu humildemente para falar comigo e disse, com olhos rasos d’água, exatamente o que eu não queria ouvir:

- Doutor, o senhor cometeu uma grande injustiça comigo naquele outro processo. O senhor me condenou por dois roubos, mas só peguei a moto para fugir! Eu depois a larguei com a chave na ignição.

Poderia ter me escondido por trás de uma resposta fria e ratificadora da decisão já tomada. Até me veio isso. Poderia simplesmente repetir os fundamentos do parquet. Mas não seria honesto com ele. Foi duro dizer, mas respondi:

- Você tem razão. Eu errei. Na época não avaliei bem. Analisando melhor hoje, não o condenaria pelo roubo da moto. E o pior é que não há nada a fazer em relação a esse caso. Já até estudei uma revisão criminal. Seria uma espécie de reavaliação do seu caso. Mas nem isso cabe porque embora concorde com você hoje, a tese do Promotor está juridicamente embasada e só caberia uma revisão se fosse uma coisa absurda.

Eu sabia que quando respondesse à primeira pergunta, seria fatalmente feita uma segunda. E já sabia até seu teor:

- Dá pra dar um jeito em relação a essa acusação de agora? Sei que vou ser condenado de novo.

- Saiba que se fosse possível, o faria, mas infelizmente não é possível compensar as penas. Cada caso é um caso. Saiba também que irei carregar comigo essa culpa.

O leigo não percebe, mas a função de julgar é, muitas vezes, indigna. Um ser repleto de imperfeições julgando o outro...

Foi duro, na posição de juiz, admitir o erro para o próprio acusado, mas acho que ele merecia essa consideração. Foi uma medida de respeito à sua individualidade. E essa abertura para com o outro me permitiu tirar uma lição a partir desse caso: o juiz deve sempre dar paridade de armas às partes.

Acho que essa experiência também me fez um juiz muito mais reflexivo, isento e atencioso com as partes e com as causas, respeitando as regras do jogo. A isonomia de tratamento das partes e a cautela para evitar prejulgamentos são as bases que que alicerçam uma decisão justa.

Agindo assim, diminuí, acredito, a probabilidade de novos erros. Mas não há como evitá-los de maneira absoluta: os tropeços fazem parte até mesmo das melhores trajetórias de vida. Saibam: somente os juízes absolutamente inexperientes não tem seu rol secreto de arrependimentos. E para alguns, inconfessáveis até para si próprios.

É como digo na chamada do blog: “Por trás da magnificência de uma toga há, na essência, sempre, um homem, igual a qualquer outro, repleto de anseios, angústias, esperanças e sonhos.”

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Mano!

Você lê uma sentença no Diário da Justiça e fica completamente perdido? Acha a linguagem forense de outro planeta?

Então, mano, seus pobrema acabaro! Vai aí uma tradução dos importante dialeto jurídico para a língua dos mano…

1- Princípio da iniciativa das partes – ‘faz a sua que eu faço a minha’..

2 – Princípio da fungibilidade – ‘só tem tu, vai tu mesmo’ (parte da doutrina e da jurisprudência entende como sendo ‘quem não tem cão caça com gato’).

3 – Sucumbência – ‘a casa caiu!’, ‘o tambor girou pro seu lado’

4 – Legítima defesa – ‘tomou, levou’.

5 – Legítima defesa de terceiro – ‘deu no mano, leva na oreia’.

6 – Legítima defesa putativa – ‘foi mal’.

7 – Oposição – ‘sai batido que o barato é meu’.

8 – Nomeação à autoria – ‘vou cagoetar todo mundo’.

9 – Chamamento ao processo – ‘o maluco ali também deve’.

10 – Assistência – ‘então brother, é nóis.’

11 – Direito de apelar em liberdade – ‘fui!’ (parte da doutrina entende como ‘só se for agora’).

12 – Princípio do contraditório – ‘agora é eu’.

13 – Revelia, preclusão, perempção, prescrição e decadência – ‘camarão que dorme a onda leva’.

14 – Honorários advocatícios – ‘cada um com seus pobremas’.

15 – Co-autoria, e litisconsórcio passivo – ‘passarinho que acompanha morcego dá de cara com muro’,

16 – Reconvenção – ‘tá louco, mermão. A culpa é sua’.

17 – Comoriência – ‘um pipoco pra dois’ ou ‘dois coelhos com uma paulada só’.

18 – Preparo – ‘então…, deixa uma merrequinha aí.’

19 – Deserção – ‘deixa quieto’.

20 – Recurso adesivo – ‘vou no vácuo’.

21 – Sigilo profissional – ‘na miúda, só entre a gente’.

22 – Estelionato – ‘malandro é malandro, e mané é mané’..

23 – Falso testemunho – ‘X nove…’.

24 – Reincidência – ‘porra mermão, de novo?’.

25 – Investigação de paternidade – ‘toma que o filho é teu’.

26 – Execução de alimentos – ‘quem não chora não mama’.

27 – Res nullius – ‘achado não é roubado’.

28 – De cujus – ‘presunto’.

29 – Despejo coercitivo – ‘sai batido’.

30 – Usucapião – ‘tá dominado, tá tudo dominado’.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Boas

Enquanto uns e outros se envolvem em situações embaraçosas, comprometendo a reputação de suas instituições, um grande número, quiçá a maioria, exerce o encargo com zelo eficiente. Durante sete meses do ano passado, fomos testemunhas de um trabalho dedicado, alinhado a um nível de compromisso ímpar, da juíza substituta Gisa Fernanda Nery Mendonça de Sousa.

Aqui e ali, pescamos notícias empolgantes da atuação de colegas promotores e juízes, apontando para o norte da eficiência, com a busca de soluções criativas, e alcançando notável inserção social.

Ontem (20/01), o sítio da Corregedoria do Tribunal de Justiça publicou matéria destacando o trabalho na 1a. Vara da Comarca de Viana, comemorando os resultados das atividades em 2010. Durante o ano, 752 novos processos deram entrada na secretaria da vara. O juiz Mário Márcio de Almeida Sousa, proferiu 285 sentenças cíveis, 74 sentenças criminais e 605 sentenças no Juizado Cível, alcançando 964 feitos. Os números significam média mensal de 80,33 sentenças. A 1ª Vara realizou 727 audiências, envolvendo 1.612 pessoas. Foram proferidos 3.676 despachos e 1.101 decisões. O juiz presidiu 11 (onze) sessões do Tribunal do Júri. “Tivemos operosidade bastante significativa”, destaca o magistrado. (A matéria completa, leia aqui).

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Audição

Noutro dia foi A Hora e Vez de Augusto Matraga. Em duas viagens, entre a Ilha e o Mirador, os passageiros da Vup se deliciaram com a obra de João Guimarães Rosa, na voz do ator Sérgio Fonta. Na última semana, Nietzsche, ou melhor, Quando Nietzsche Chorou, de Irvin D. Yalon, na voz do ator José Wilker, em três viagens. Excelentes! Audiolivros, audiobooks, ― os livros falados, em mp3, vão ocupando espaço no pen drive. Um motivo a mais para sentar ao volante e pegar a estrada: literatura. Experimente.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Transparência

Diz que foi em um pulo à Europa, ali, pelo mês de novembro, sem dar satisfação ou coisa que o valha. Foi, simplesmente. E não era a primeira vez que apeava de seu posto na Rua Grande para aportar no velho continente. Querendo esclarecer se era fato ou fofoca, escarafunchou o sítio da transparência à procura de alguma portaria de férias ou licença, mas, depois de centenas de cliques em vão, irritou-se com o absurdamente opaco sistema de pesquisa. Desistiu e indagou. Sabes? ― Não, não ouvi.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sessenta e quatro

Um Promotor de Justiça assumirá o cargo de Procurador-Geral de Justiça, dia 13/01, em Pernambuco. Dia 03/01, Aguinaldo Fenelon de Barros foi o mais votado, com 174 votos (17%). Integraram a lista tríplice: Waldemir Tavares de Albuquerque Filho, com 151 votos (14%), e Clóvis Ramos Sodré da Motta, com 129 votos (12%).

A Lei Orgânica do Ministério Público de Pernambuco foi alterada na Assembleia Legislativa, recentemente, em 03/12/09, através do Projeto de Lei 1305/09, para assegurar que todos os membros do Ministério Público com idade mínima de 35 anos e mais de 10 anos na carreira pudessem ser votados, a não ser que tomassem a iniciativa de declarar o contrário. Por essa razão, sessenta e quatro “candidatos” receberam votos. (Confira a relação, aqui). Compareceram 352 eleitores.

O escolhido exerceu diversos cargos na gestão do atual Procurador-Geral Paulo Bartolomeu Varejão.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Importâncias


Retornando... O ano novo parece ter pressa. Foram-se 10 dias. Foram-se os parentes, os amigos, as festas. Ficam as alegrias, as expectativas, as partilhas, os desafios, as certezas e suas necessárias dúvidas, e muitos planos rumo ao imponderável. Do que se vê e se ouve, aqui, ali e, mesmo, acolá, melhor riqueza tem e terá quem investiu na família. O amor não sai de moda. Pais e filhos não se inventam. Construir um ninho leva tempo e entrega. Tudo o mais perece antes. Vale à pena.