sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O valente



Por Celso Coutinho, filho – Titular da Promotoria de Justiça da Comarca de São Bento-MA

Nelson Marquezelli. É o nome do valente. Atualmente, exerce o cargo de Deputado Federal pelo Estado de São Paulo. O colossal parlamentar pertence ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB/SP). Pois é. O intrépido apresentou, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 4.048/2012, com o fim de alterar o art. 30-A da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Quer o gigante que a Lei, no seu artigo antes citado, disponha, expressamente, que apenas os partidos políticos e as coligações são os legitimados para requisitar, à Justiça Eleitoral, abertura de investigação judicial com o fim de apurar condutas em desacordo com as normas da referida Lei. Se não houve reparo de sua agremiação partidária, podemos concluir que o Partido Trabalhista Brasileiro endossa a ideia de seu filiado. Quem mais?

O perspícuo diz, na justificação do projeto de sua autoria, que a mudança legislativa proposta “reforça a missão republicana dos partidos políticos e de suas coligações no que diz respeito à permissão popular para fazer as leis e fiscalizar a República”. É isso mesmo. Fiscalizar a República, para o nosso cônego, é coisa de partido político e ninguém tasca. Não é um portento?

O que não seja partido político na fiscalização da República é chamado pelo fenômeno de intrometido. É isso que se pode notar quando, na referida justificação, o aureolado afirma textualmente: “Qualquer intromissão externa nesse processo compromete sobremaneira a composição das Casas Parlamentares”. Ói, te mete!

Nem quis saber o garboso que, também por permissão popular, inscrita no art. 127 da Constituição da República, ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Mas qual. O que tem a ver mesmo regime democrático com eleições? O guru dá de ombros pra essa bobagem. Afinal, o que é uma Constituição diante do nosso sobranceiro ideólogo político?

Perceberam o busílis, o xis da questão? O que o lustroso pretende, na verdade, é retirar a legitimidade do Ministério Público de requisitar abertura de investigação judicial eleitoral. Na prática, o generoso pretende impedir que o Ministério Público fiscalize o processo eleitoral. Em suma, quer o preclaro que o Ministério Público não defenda o regime democrático. No final das contas mesmo, o maioral não quer é ser investigado pelo Ministério Público e pronto. Por que será? Será por quê?

Nem se pode dizer que o nobilíssimo já não conta, talvez até sem saber, com a ajuda dos meritíssimos. Todos, claro, excelentíssimos. Ou quem ainda não é sabedor da inclassificável decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Maranhão, escorada no Tribunal Superior Eleitoral, em não remunerar os promotores eleitorais auxiliares no pleito de 2012, a despeito dessa remuneração estar garantida aos juízes? Com isso, dezenas de municípios maranhenses ficaram sem fiscalização direta do Ministério Público Eleitoral na fase de votação.

Havia dito que o enviesado discrímen do TRE/MA era só a ponta do rabo que ficou para fora desse mostrengo doido para devorar o Ministério Público. Entanto, o Projeto de Lei do nosso magnânimo arrasta o bicho mais pra fora e deixa o rabo todo à vista. Não deixou a pança ainda à mostra. Tem mais coisa por aí.

O Ministério Público Eleitoral foi submetido a uma humilhação ao longo de todo o processo eleitoral, não só na fase de votação das eleições. O que se repete a cada pleito. Na organização de todo o processo eleitoral, o Ministério Público é, solenemente, excluído de todo o planejamento, exceto as famosas reuniões, de modo que nem a mais ínfima condição nos é dada para fiscalizar um processo eleitoral. Nem um velocípede, nem um apontador de lápis, nem um clipe. Funcionário? Hã? Há quem diga que parece ser de propósito. Só parece? Atuamos na base da superação, da vontade, do compromisso pessoal e do improviso total. Mas, ainda assim, incomodamos. O Projeto de Lei nº 4.048/2012 é a prova cabal disso. Por que não escancarar de vez?

Lutamos contra inimigos ocultos, muito poderosos, que não têm interesse que o Ministério Público atue e, principalmente, atue dotado de condições estruturais dignas de atuar, o que entra em rota de colisão com compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil, por meio de tratados internacionais, inclusive, de combate às práticas deletérias da gestão pública e do Estado.

Pelo menos, o nosso honorável saiu detrás da moita, onde ainda tem um bom bocado de cócoras. O Projeto de Lei será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal e, se aprovado, segue para votação em Plenário. É hora de a onça beber água. É hora de saber quem quer ou não o Ministério Público na defesa do que lhe incumbe a Constituição. É hora de saber quem está a favor da República, de quem está a favor do Brasil.



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A ponta do rabo



Por Celso Coutinho, filho. – titular da Promotoria de Justiça da Comarca de São Bento-MA.

"Endosso a contrariedade em relação à inclassificável decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Maranhão, escorada no Tribunal Superior Eleitoral, em não remunerar os promotores eleitorais auxiliares no pleito de 2012, a despeito dessa remuneração estar garantida aos juízes. Têm o meu apoio todos os colegas que disseram não a essa indignidade. O brado da colega Camila Gaspar pode estar deflagrando, positivamente, um novo momento do Ministério Público.

Coloco-me, desde já, à disposição para a luta, que não pode deixar de ser lutada com veemência e, sobretudo, inteligência. Garantias, prerrogativas e direitos não costumam ser retirados de um só golpe. É, portanto, preciso reagir de forma enérgica com habilidade e sagacidade, sob pena de nos amesquinharmos não somente no processo eleitoral, mas no todo institucional.

Ainda assim, ao meu sentir o problema é bem maior, constituindo o enviesado discrímen do TRE/MA apenas a ponta do rabo que ficou para fora desse mostrengo doido para nos devorar. Essa decisão do TRE/MA é, afinal, o coroamento da humilhação a que o Ministério Público vem sendo submetido ao longo de todo o processo eleitoral, não só nessa fase de votação das eleições que se avizinham. O que se repete a cada pleito.

Creio, então, que a nossa insurgência não deva se resumir tanto, ficando centrada apenas na questão remuneratória dos promotores eleitorais auxiliares, mas, também, deva alcançar a situação estrutural do Ministério Público Eleitoral.

Não existem Promotorias Eleitorais no Estado do Maranhão. Existem, na verdade, esforçados e combatentes promotores eleitorais. Sim, porque ao promotor não é dado um clipe sequer para o desempenho de seu trabalho na área eleitoral. Enquanto o juiz eleitoral atua rodeado de servidores, munidos dos mais modernos equipamentos de informática e outros, além de uma estrutura física que inclui, em alguns casos, até Fórum específico da Justiça Eleitoral, o promotor eleitoral assemelha-se a um pedinte no exercício de seu múnus. Nada de errado em relação ao juiz eleitoral, ao contrário. No entanto, o problema é que a situação do promotor eleitoral é, escandalosamente, inversa.

Escrevo este texto na manhã de sábado (06/10/2012), véspera do dia da votação. Vou ter que dar uma pausa no que estou escrevendo para atender ao telefone da Promotoria, pois não tem servidor com função eleitoral. [...] Retornei. Era uma denúncia de compra de votos. E agora? O que faço? EU vou telefonar à Polícia para averiguar. EU vou atrás do telefone da Polícia. EU vou fazer a ligação. EU vou fazer um Ofício à Polícia para formalizar o pedido de averiguação. EU mesmo vou levar o Ofício à Polícia. Que mais EU vou fazer?

Antes disso tinha feito uma representação ao Juiz eleitoral solicitando a notificação dos Comandos da Polícia Militar nos quatro Municípios que integram a 38ª Zona Eleitoral para uma atuação preventiva, logo que encerrado o prazo das 22:00 horas de hoje (06/10/2012), para coibir a propaganda eleitoral e a compra de votos durante a madrugada que se segue e o dia da votação. Preparada a representação, EU peguei o meu carro e fui até ao Fórum Eleitoral protocolar a representação, onde tentei falar com o Juiz.

A representação foi protocolada. EU aguardei em frente ao balcão a efetivação desse protocolo, peguei a segunda via e, ao retornar à “Promotoria”, EU, mesmo, a arquivei na pasta própria. Porém, falar com o Juiz não me foi possível, pois o Juiz em companhia de sua colega Juíza, que também trabalhará nessa Zona Eleitoral durante essas eleições, devidamente remunerada, estavam em pleno voo de helicóptero, fazendo um reconhecimento de área. E ao Promotor, nem um velocípede é posto à sua disposição. Nenhuma reparação aos Juízes. A eles tem que ser dada toda a estrutura para o exercício do seu múnus. Mas, ao membro do Ministério Público, nem um apontador de lápis?
Ah, sim! O telefone, o computador em que fiz a representação, a impressora, a folha de papel em que foi impressa, a pasta de arquivo, tudo é fornecido pela Procuradoria Geral de Justiça, nada é do Ministério Público Eleitoral, que, simplesmente, toma emprestado para nunca devolver. Aliás, aqui cabe uma indagação, não só moral, mas, também, jurídica, sobre a regularidade de o Ministério Público do Estado do Maranhão levar nas costas o Ministério Público Eleitoral, que é federal.

Não estou a dizer que as Promotorias de Justiça estão às mil maravilhas. Longe disso. Mais uma vez comparando com o Poder Judiciário, nesse caso com a Justiça Comum, a situação é de muita precariedade. Contudo, nesse caso, percebe-se, ao longo dos anos, a Administração Superior do Ministério Público tentando melhorar essa situação. Hoje, por exemplo, não estou mais em uma sala de fórum, embora ainda tenham colegas que estejam, o que, creio, encontra-se em vias de acabar. Mesmo assim, é preciso mais, muito mais. No caso das Promotorias Eleitorais, inversamente, o que se notou, até aqui, é uma visível acomodação de todos, da qual não me excluo. Não basta apenas se sentir incomodado. É necessário exteriorizar esse sentimento e a recusa da colega Camila Gaspar seja, talvez, o marco histórico dessa irresignação.

Amanhã, domingo (07/10/2012), dia da votação, um dos servidores da Promotoria de Justiça, colocou-se à disposição e virá prestar-me auxílio nas funções do eleitoral. Nenhuma obrigação tem de vir. É, unicamente, compromisso pessoal. A situação dos servidores é ainda mais penosa que a do promotor eleitoral. Não dá para se lhes exigir esse voluntarismo. Estamos no exercício de uma profissão. Devemos, portanto, ser profissionais.

Sou recorrente em dizer que, enquanto não assumirmos, definitivamente, a nossa missão constitucional, a estrutura que temos dá para ir levando. Já que improvisamos em nossas atribuições, improvisamos também nas condições de trabalho.

Tenho absoluta certeza que o depoimento que faço não é meu apenas, mas, seguramente, pode ser dado por todos os promotores eleitorais deste Estado. Trabalhamos na base da vontade, da superação, do compromisso pessoal e do improviso. Contudo, ainda há de aparecer um CNMP para nos cobrar porque deixamos de fazer isso ou aquilo. Enquanto assim for, seremos tratados daí para pior. Não há o que não possa piorar. Mas o pior, mesmo, é que se não reagirmos, nós merecemos tudo isso."