domingo, 2 de dezembro de 2012

A pensão

Não queira saber. É prudente não ler tudo. Há coisas que se contam por verdadeiras, outras nem tanto. Tanto faz. Não leia. Ele cuspiu sem respeito, fazendo ver que a visita era incômoda, e indagou que utilidade lhe teria aquela mulher sem uma perna: pois não autorizava a cirurgia. Ele também fedia, o casebre fedia, a ferida pútrida, acima do tornozelo dela, atraía moscas e suas larvas. Dia sim, dia não, era envolta em uma nuvem de farinha, especialidade de um nunca visto macumbeiro de Codó, que trocava rezas por cobres da previdência. Sob a vistosa cegueira do espírito, enquanto o câncer e a sujeira a consumiam, ela protestava sentir melhoras. Vez por outra, a aragem levantava aquele odor nauseabundo, que percorria a vizinhança colhendo protestos. Cosendo muitos esforços, a assistente fez conduzi-la ao hospital, debalde. Negou-se ao tratamento. A clausura da ignorância esposava a avidez da morte, que a requestava todos os dias, elevando a podridão e o asco que a todos repelia. Então, findou: sem velório, sem lágrimas, sem súplicas, órfã das últimas caridades. Não demorou, e na rua segredam que ele já esbanja a pensão, meada com o macumbeiro. É para o que serve uma mulher sem vida.

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