sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Alguém


Nesse vídeo, a música Stand by me, de Ben. E. King, aproxima arte e sentimentos. Vale à pena vê-lo. Nesse tempo singular de Natal e Ano Novo, desejamos que você tenha sempre alguém ao seu lado, alguém com quem você possa contar... e alguém que conte com você.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Adequação

Crédito da foto: Eduardo Júlio (CCOM - MPMA)

Estava lá e foi alçado à mesa, como uma instituição de si mesmo. Nada de presidente disto ou vice daquilo ou representante de autoridade. Não se sabe se todos os seu pares teriam sido convidados ou se recebeu convite ímpar; ou se chegou como interessado nos temas inseridos, pacato curioso social, ou por diletantismo acadêmico. Eis que, na abertura do conclave, antes dos hinos enlevados pelo tenor, enquanto cada um dos listados pelo cerimonial se deslocava para o tablado, sob os insossos aplausos da formalidade, carregando um título necessário de representação institucional, ele foi anunciado apenas pelo nome, acrescido da palavra deputado. Ou teria sido mais adequada padrinho? Que nos diga, depois, o Julian Assange.

Choros

Do juiz Marcelo Semer, publicado em seu blogue "Sem Juízo, por Marcelo Semer", em 04/12/10, sob o título: "....o choro e o choro de Kátia...."

“Kátia chegou chorando.

Com as mãos algemadas, tentava em vão esconder o rosto abaixando a cabeça. Mas era impossível não vê-la nem ouvi-la aos berros.

Antes mesmo de entrar na apertada sala de audiências, já chamava a atenção de todos. O choro ininterrupto e incontrolável que vinha de fora, quando ainda conversava com a defensora na beira da sala.

As paredes têm ouvidos, mais ainda com as portas abertas. E para um choro desse tamanho, então, sobram ouvidos para todos os lados.

Vivíamos momentos de tensão, na expectativa de que ela entrasse e na certeza que traria consigo uma emoção que sempre rompe com a sisudez de uma audiência criminal.

Kátia tinha bons motivos para chorar.

Não bastasse o fato de estar presa, quando o processo ainda engatinhava, recebera contra si uma acusação de grande calibre. Quinze quilos de cocaína, armas, dinheiro, embalagens e balanças de precisão para a pesagem do entorpecente. Um estoque de drogas digno de um complexo do alemão. E Kátia, parda, pobre e triste, atônita pela acusação de ser a dona de tudo aquilo.

Ela não tinha dinheiro para contratar um advogado. Não tinha testemunhas a seu favor. Não tinha parentes ou amigos que pedissem ou zelassem por ela. E não tinha, sobretudo, cara de quem fosse responsável por aquela quantidade toda de droga.

Droga, deve ter pensado, enquanto chorava e chorava ao ouvir os policiais narrando as condições em que fora presa. Um adolescente dizia que acabara de comprar droga dela, e os PMs ouvindo a indicação de onde ela encontrara o entorpecente.

Mas não houve quem confirmasse que ela tinha droga em seu poder quando foi presa. Ou que admitira que aquela droga, escondida em um barraco duas quadras adiante, era de fato dela.

As provas foram se fragilizando a vista de todos, mas ela não entendia o suficiente para parar de chorar.

Na segunda audiência, mais choro ao adentrar à sala. Ninguém mais para ser ouvido, o adolescente não foi encontrado, pois forneceu endereço falso. Era só Kátia. Quando chegou a sua vez de falar, ela simplesmente chorou. Chorou e chorou. Um choro tão sincero e comovido que quase lhe serviu de defesa.

Não sei se o choro era de indignação ou de medo. Se era de raiva ou de abandono. Mas enquanto ela chorava e a promotora e a defensora se entreolhavam, duvidando que aquela mulher frágil fosse responsável pela droga apreendida, as peças do quebra-cabeça iam lentamente se formando. Verdade seja dita: não mostravam imagem alguma.

Ao final, ela conseguiu me dizer algumas poucas palavras desconexas que significavam mais do que pareciam: “macaca nóia, você vai segurar tudo, você vai segurar tudo, macaca. E eu estou aqui, doutor. Segurando tudo.”

Segurou tudo, menos o choro, que se rompeu com mais força depois do desabafo.

Quando as fumaças foram lentamente se dissipando, quando todos naquela sala chegavam a conclusão que considerar Kátia a dona da droga era de uma improbabilidade atroz, quando o consenso de que ela dizia algo próximo a verdade foi se criando entre nós, em meio a sussurros e olhares compartilhados, eu encarei Kátia uma vez mais, antes de ditar a sentença.

Fiz com uma ponta de culpa, por três meses de prisão sem sentido.

Fiz com uma ponta de orgulho. Vai saber o que podia acontecer a ela em outro lugar, com outra defensora, outra promotora, outro juiz.

Fiz com a sensação de um dever a ser cumprido. E com a ansiedade de dizer logo a ela que aquela história acabava por aqui.

Eu a absolvi e mandei que ela fosse solta. Nem a acusação discordou.

Mas Kátia não respondeu a meus olhares, nem fez cara de agradecimento. Não sorriu, nem conseguiu dizer palavra alguma. Ao saber que seria solta, saiu da sala chorando compulsivamente da mesma forma como nela tinha entrado.

Passados os dias, eu não me recordo mais da cara, nem da voz de Kátia. Mas não tenho como esquecer o som do seu choro.

Seu choro nos tirou uma pesada cruz das costas. Mas o silêncio que deixou atrás de si era ainda mais incômodo.

Quem é que não teve vontade de chorar depois que ela saiu?”

domingo, 12 de dezembro de 2010

647 dias

Do site do Tribunal de Justiça do Maranhão, em 12/12/10. Apelação de um acordo de alimentos não homologado...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Oportunidade

Caros colegas,

Tenho lido em alguns veículos de comunicação que o Senado aprovou o projeto do novo Código de Processo Penal. O texto segue agora para a Câmara. Acredito que estamos perdendo uma chance de ouro para fortalecermos o Ministério Público em alguns aspectos fundamentais, como, por exemplo:

1) alterar a forma de rever arquivamento de inquéritos ou peças de informação, quando o juiz discorde do MP (atual artigo 28 do CPP) para que a última palavra seja dada por órgão colegiado do MP (Conselho ou Colégio de Procuradores) e não fique nas mãos exclusivas do Procurador Geral de Justiça, a exemplo do que já ocorre no Ministério Público Federal, em que tal decisão fica a cargo das Câmaras de Coordenação e Revisão. Certamente, uma decisão colegiada tende a ser mais acertada, em que pese essa não seja uma premissa absoluta;

2) exterminar a confusão feita pelo atual Código de 1941 e que permanecerá no novo (ao que tudo indica) entre investigação criminal e inquérito policial. A denominação dada ao Título II do CPP atual é “DO INQUÉRITO POLICIAL”, quando melhor seria “DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL”, considerando que o inquérito policial não é a única forma de se realizar uma investigação criminal. Nesse contexto ficaria bem mais fácil a inclusão de previsão expressa da possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público;

3) reformular o entendimento de que o juiz pode prolatar sentença condenatória, mesmo diante de pedido de absolvição feito pelo Ministério Público. Essa regra existente em nosso atual CPP não está prevista em nenhum ordenamento jurídico de País que diga possuir um sistema acusatório de processo penal. Se o Ministério Público pede absolvição desaparece a lide (conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida). Não havendo lide, não pode haver jurisdição propriamente dita. Nestes casos, caso o juiz discordasse do pedido de absolvição feito pelo Ministério Público, deveria devolver a matéria à segunda instância do Ministério Público para que, em decisão colegiada, designasse outro colega para oferecer alegações finais, ou ratificasse o pedido de absolvição, caso em que o réu deveria ser obrigatoriamente absolvido;

4) previsão de que as ações penais originárias, contra aqueles que gozam de prerrogativa de foro, pudessem ser propostas por qualquer membro do Ministério Público de 2ª instância, ou seja, qualquer Procurador de Justiça e não apenas o Procurador-Geral de Justiça. Atualmente, no próprio Tribunal de Justiça do Maranhão o julgamento de tais autoridades é realizado por órgãos fracionários (Câmaras Criminais) e não mais pelo pleno do Tribunal como outrora. Assim, não vejo mais sentido em manter como atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça a propositura de ações penais originárias que sequer serão julgadas pelo pleno do Tribunal.

Com esforço integrado da CONAMP, ANPR, CNPG e PGR, acredito que essas modificações poderiam ser incluídas no novo Código. Estamos perdendo uma grande oportunidade.

Abraços,
Joaquim Ribeiro de Souza Junior
Prmotor de Justiça em Santa Luzia - MA

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dos colegas

O Ministério Público na Comarca de Pedreiras realiza hoje (07/12), nas cidades de Lima Campos, Trizidela do Vale e Pedreiras, algumas atividades, com a participação da comunidade, para marcar o Dia Internacional de Luta Contra a Corrupção (09/12). Felicitamos a colega Sandra Soares de Pontes pela iniciativa; e que o trabalho seja proveitoso!

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Em São Luís, a atuação dos promotores Cláudio Guimarães e Augusto Cutrim está gerando desconforto nos grupos que controlam os jogos de azar e os caça-níqueis, que, atingidos em seus lucros, estariam dispostos a promover represálias. A informação foi captada pelo serviço de inteligência da polícia civil, que fez o alerta aos colegas. Eles atuam na investigação criminal e na ordem tributária, e tem desenvolvido ações em parceria com outras instituições no combate à pirataria e aos jogos de azar. O caso foi destaque na imprensa, neste final de semana. Nossa solidariedade!

domingo, 5 de dezembro de 2010

Noites

O amigo se achega e seu relato pontuado de incertezas tenta compreender a vertigem que brota do abraço inquietante do sofrimento; diz da dor em família ao descobrir os limites da cura nos labirintos da frágil ciência, ante o temor da viagem definitiva para a sobrinha que ainda nem completou seis anos. Não há quem possa se esquivar dos calvários para os quais somos conduzidos pelos laços de sangue, pela cristalina amizade ou mesmo pelo olhar solidário. Nessas horas, o combate se dá com o joelho dobrado pela humildade, o peito aberto em chagas, a mão estendida para o alto, a boca aquecida pelas súplicas. Os nossos são tudo que nos importa. Às vezes não temos poder nenhum contra a angústia de quem sofre ao nosso lado, a não ser ouvir seu canto, estendendo os braços da compaixão, como em Cecília Meireles:

"Um pássaro pia sob a chuva noturna.
Que socorro pode ter?
São muitos os fios d'água,
muitas as folhas das árvores,
muitas as trevas da noite:
― de que lado vem a pequena voz assustada?
Talvez encontre em si mesmo o rumo certo.
Não temos poder nenhum contra a sua angústia.
Talvez haja sobre-humanas caridades
para o sofrimento das vidas inumanas.
Por que apenas os homens ousariam esperar compaixões?
E de que tamanho será uma noite como esta
para um pássaro que sofre, entre águas e trevas?"

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

De José Costa

Juarez,

Ofereci, ontem (02/12), representação junto à Corregedoria Geral do Ministério Público, contra a Procuradora de Justiça Themis Pacheco e o Promotor de Justiça Cláudio Guimarães, por inobservância do dever funcional previsto no artigo 103 da Lei Complementar 013/1991 (Estatuto do Ministério Público do Estado do Maranhão), em especial o inciso II: “zelar pelo prestígio da Instituição, por suas prerrogativas, pela dignidade de suas funções, pelo respeito aos membros da Instituição, aos magistrados e advogados”. É que, como do teu conhecimento, eles me representaram, e o Corregedor Geral de Justiça arquivou, pela ausência de conduta indevida deste juiz, pois se tratava de ato judicial, e, se conduta indevida houvesse, seria do próprio Ministério Público, que requereu a extinção de um processo sem resolução do mérito, alegando litispendência, e não teria recorrido tempestivamente da decisão que acolheu esse pedido. E mais: Os representados não objetivavam a "retificação" da decisão, haja vista que, se assim quisessem, teriam se articulado com os Promotores de Justiça que atuam na Vara, para interposição de recurso. A representação deles foi protocolada na Corregedoria do Tribunal no prazo de recurso em sentido estrito, e ainda representaram contra os dois Promotores de Justiça na Corregedoria do Ministério Público.

Se possível, gostaria da divulgação desta representação.

José Costa

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A terceira

Caro Juarez,

É oficial. Segundo os dados do IBGE (aqui), referentes ao censo de 2010, São José de Ribamar é a terceira cidade mais populosa do Maranhão, com 160.775 habitantes, seguida por Caxias (154.211) e Timon (147.214). Esses números podem ser alterados em função dos domicílios fechados, contudo isso certamente não vai interferir nessa ordem, de modo que continuo a perguntar: porque a população desse Município tem que contar com um número tão diminuto de membros do Ministério Público? Nem precisa de calculadora... é 1 (um) Promotor de Justiça para 80.000 habitantes. Onde podemos encontrar uma relação pior? Bem, há lugares em que, de fato, a situação da população está pior em relação ao número de promotores que aparece por lá, mas, aí, a questão é outra e, aliás, não sou Corregedor, tampouco ouvidor ou membro do Conselho Nacional.

Um abraço,
Samaroni Maia

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Partida

O sangue fluía da mãe do corpo para as compressas e cobertas, e o brilho dos olhos cedia a alma para os anjos da morte; só pouco antes, a bem pouca voz confiara um súplice não me deixe, ao médico que, ante a visão daquele incontrolável rio vermelho, experiente, antecipara em seu íntimo o desfecho da discrasia sanguínea. O parto não fora bom e não demorou o pior desfecho. As manobras de ressuscitação haviam incluído seu recém-nascido no rol dos vivos, retirando-o das veredas do limbo. Ouviu seu choro fraco e se fez forte, até mais não poder. Mas não havia sangue, nem doadores, nem tempo, nem volta, e deixou os vivos com suas culpas, na sala cheia de silêncio e lamento, no fim do corredor. Aos vinte anos dera à luz e se apagara, pondo fogo nos olhos do médico que, de encontro ao rosto no espelho do banheiro da sala de repouso, se envergonhara de perder uma vida no hospital do sertão, sem melhor estrutura, ainda a depender da sorte para tanger aqueles anjos.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Gramática

Se havia ódio, dele não fazia tempero com as palavras que alinhava na cautela ao relatar o aborrecimento de ontem com o filho. O atrevido nem se valeu de cerimônia, para em riste tachá-lo de mentiroso, e ainda desdenhou com acinte a proposta de tratarem a querela com uma autoridade, virando-lhe as costas, com outros dizeres vãos. Por hábito ou força da idade que roçava os oitenta, tecia o caso sem pressa de ver o fim, como se dedilhasse nas mãos o invisível rosário do tempo, na ilusão de conter o futuro. Quando engasgou nos fatos sobre o passamento da esposa, foi possível intuir que o filho estava fazendo carga para receber o quinhão, em contraponto aos outros cinco que se mantinham naquela obediência filial que agradava ao velho. Era pouca terra, nem duzentos hectares, mas queria o seu e queria logo, pois, inteirados três anos, a ruindade da morte fluíra para a agonia dos vivos, na repartição dos despojos. Compreendia o direito do filho, só não aceitava aqueles substantivo, adjetivo, verbo, advérbio. Ali, sucumbia mais uma vítima da gramática, por onde começam tantas guerras diárias, familiares ou não.

domingo, 28 de novembro de 2010

Resposta (2)

Em 31/08/10, publicamos representação dos colegas promotores Themis Maria Pacheco de Carvalho e Cláudio Alberto Gabriel Guimarães em face do colega juiz José dos Santos Costa. No outro dia, em 01/09/10, publicamos a resposta do juiz. Agora, em 26/11/10, a Corregedoria do Tribunal informou que a representação que lhe foi encaminhada concluiu que não vislumbrou, no caso, qualquer desvio funcional atribuível ao representado. Veja:

"A Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) arquivou representação contra José dos Santos Costa, juiz auxiliar respondendo atualmente pela 7ª Vara Criminal de São Luís, e protocolada pelos promotores de justiça Themis Maria Pacheco de Carvalho e Cláudio Guimarães.

Os promotores requereram a apuração da conduta do magistrado quanto a sentença em que determinava a extinção de processo em tramitação na 7ª Vara Criminal, por julgar procedente a arguição de litispendência (quando se ajuíza uma nova ação que repita outra que já fora ajuizada, sendo idênticas as partes, o conteúdo e pedido formulado).

De acordo com relatório da CGJ, “não foi vislumbrado no caso qualquer desvio funcional atribuível ao representado”.

Litispendência – Ainda segundo o documento, na ocasião marcada para a audiência instrutória do processo nº 23.546/2008, em que figuram como réus Evandro de Sá Sousa e Edmundo Teixeira de Freitas, foi arguida oralmente pela defesa a litispendência da ação com o processo 23.547/2008, da 6ª Vara Criminal (que tem os mesmos réus do processo da 7ª vara), após o que o processo seguiu com vistas para o Ministério Público (MP).

A promotora com atuação na 7ª Vara Criminal Marica Moura Maia aduziu em parecer “tratarem-se de ações penais fundadas no mesmo fato criminoso”. Pela circunstância da ação na 6ª Vara ter sido ajuizada antes daquela que tramita na 7ª Vara criminal, requereu a extinção do processo dessa última.

O pedido foi acolhido pelo juiz. Com a decisão, o processo seguiu com vistas ao MP.

“Em que pese ter sido apresentado pelo MP recurso em sentido estrito fora do prazo, o juiz, observando as argumentações ali expostas, entendeu por bem utilizar-se da retratação para reformar a decisão, após o que o processo voltou a tramitar regularmente”, concluiu a CGJ.

A Corregedoria ressalta que, embora o MP seja órgão uno e indivisível, chama a atenção o fato da representação ter sido protocolada neste órgão correicional no último dia de prazo para recurso, “evidenciando que seus representantes laboram em manifestante conflito, o que não é razoável para a instituição”.

Fonte: Marta Barros - Assessoria de Comunicação da CGJ


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Professor

Naquele tempo, o que fosse de interesse, corria pelas dependências da justiça. Além dos processos criminais, querelas, registros e casamentos, boa parte do nem te conto, que movimentava as ruas da Ponte ao Brejo, nascia, morria ou ressurgia ali. O Professor não se entregava. Juiz de paz compenetrado, punha ao centro um surrado breviário, do qual pinçava admoestações bíblicas, poesias gongóricas e receitas de afeto, ― antes de colher os sins e os beijos dos nubentes ―, repetidas sem pujança, mas louvadas pelos padrinhos e convivas que, empertigados em suas roupas de ocasião, lotavam a sufocante sala de audiências do Fórum. Algumas lágrimas selavam as emoções, sempre. O estilo solene rendia bons comentários nas bodas dos mais letrados; os tansos só viam a demora do nhenhenhém. Naquela sexta-feira, não faria diferente, mesmo diante da pouca gente e do ar inquieto da escrivã. À sua frente, Luís e Luzia, ela mais jovem e ansiosa; ele, olhar longe, frio. O Professor fala de Deus e da costela de Adão, do amor que tudo suporta e supera, da beleza do lar, da alegria dos filhos, da força do sim pra toda a vida; se agita em versos, se emociona, se enleva em prece, mas não consegue trazer aquele olhar, e parte, assim, vencido, para os ritos finais: Luís, é de livre e espontânea vontade que... Não!, interrompe o noivo, e sai; ela, desaba em pranto. Na segunda, ainda era a notícia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Tempos

Talvez um medo obrigatório o tenha impelido a descortinar a amazônia, onde até Deus sentiria dificuldades de encontrar o rumo naquelas terras. Queria uma fronteira que pudesse servir de exílio, se os olhos de Vargas imitassem os do todo-poderoso, e foi se arranchar rente à Bolívia, argumentando a eventualidade dos humores do Catete. As águas do Parnaíba conheciam sua convicção comunista, pois elas o viram abandonar Floriano em prantos, quando a noite se fez mais turva, porque não podia deixar de sê-lo; antes, a morte, dizia aos mais chegados, que admiravam-lhe a coragem, mas não acreditavam no pior; consolavam-no com tudo passa, em mira de colher uma desistência que não vingou. Tinha mulher e filhos e por lá gerou outro tanto que, meticulosamente, encarregou-se de repatriar, crescidos, para a ilha do Maranhão. Quando, enfim, decidiu voltar, entraram os coturnos de 64. Ficou.

sábado, 20 de novembro de 2010

Innovare

Prezado Juarez,

Considerando que nada mais daquilo que faço em Codó está sendo noticiado no site do MP, gostaria que o nobre colega publicasse em seu prestigiado Blog que, ontem, sexta-feira (17/11), foi realizada a apreciação das práticas inscritas no Prêmio Innovare 2010, sendo que a única inscrita pelo MP/MA é o "Projeto MP nos Bairros", desenvolvido em Codó, desde o mês de outubro de 2009. A reunião da Comissão julgadora ocorreu no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, sendo integrantes da mesma, dentre outros, o ex-Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, os Ministros Gilmar Mendes, Aires Bryto, representantes da OAB, AMB, AJUFE, CONAMP, etc. A divulgação do resultado e premiação ocorrerá em cerimônia marcada para o dia 03 de dezembro de 2010, no STF. Concorremos na Categoria "Ministério Público".

Obrigado pela atenção.
Gilberto Câmara

Obs.: ainda acredito no MP feito por nós

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Caçula


Poderia escrever os mais tristes versos, como o fez Neruda naquela noite; ou cantarolar as cordas do violão do vô: “saudade, palavra triste quando se perde um grande amor”.

Não há ontologia deontológica imprópria do positivismo reverso, ou seja, mestrado, que equacione a ausência da sua voz e a conversa de varanda que serena nossa noite do olho d'água. Da próxima, prefiro ser filha, pois meu coração agora é rasgo, sem possibilidade psicanalítica de reparação.

Para quem tem um pai como o meu, a saudade, mais que simples ausência, é como vício, um dia de cada vez.

No ritual, não olho o calendário, nem pergunto que dia é hoje, na ilusão sensorial de se fazer 2011, em São Luís, ao seu lado, outra vez. Espero que o tempo compreenda e desafie o próprio tempo, pois não há Paris – ou mundo - perto do seu encanto.

Fazer o que, nasci caçula.

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E eu, hein, o que vou dizer?
A cumplicidade que me permites contigo me faz viver outra vida.Tenho fugido de me encontrar com a saudade porque conheço sua dor. O que me alegra demais é saber que estamos juntos sempre. E sempre é logo ali.

Que sorte: nasci teu pai!
Mil novecentos e sessenta e dez beijos.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Espetada!

Publicado no Blog do Itevaldo:

Foto de arquivo: "Espeto de Pau", em 26-09-09

“Custando 5,6 vezes mais do que o valor licitado em 2007, a obra e reforma do “espeto de pau” ou prédio sede das Promotorias da Capital sairá do papel. No próximo dia 25, a Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) abrirá os envelopes da licitação do majestoso prédio.

Distante do R$ 1.367.456,98 que deu a vitória a construtora Castelo Branco Serviços de Engenharia e Construtora Ltda, os serviços “de obra de conclusão da recuperação e reforma geral” custará R$ 7.473.075,73 milhões às burras da PGJ.

De 16 de janeiro de 2008 até hoje muito papel sobre o “espeto de pau” se produziu no Ministério Público (releia aqui). Foram produzidas Notas de Empenho, Notas Fiscais – tudo atestado pela seção de Obras, Engenharia, Arquitetura – sindicância e processos administrativos na PGJ, mas o silêncio domina a cena.

O Ministério Público torrou R$ 567.219,36 na não-obra do “espeto de pau”. Desse montante, R$ 215.210,70 foram pagos por serviços extras e outros R$ 17.063,92 liquidaram serviços não executados (releia aqui). E ninguém por lá se atreveu a dizer qualquer coisa.

Mas, às 10h, da próxima quinta-feira (dia 25), será aberto o envelope “nº 1” com a habilitação e o envelope “nº 2” com as propostas de preços das empreiteiras concorrentes. O prazo para a execução da conclusão da recuperação & reforma será de 360 dias a contar do recebimento da Ordem de Serviço.

A direção da Associação do Ministério Público do Maranhão (Ampem) instalou próxima à sede das Promotorias da Capital uma placa exigindo a conclusão da obra parada há 884 dias.

A placa tem os seguintes dizeres: “Sede das Promotorias de Justiça da Capital serviços parados há mais de 884 dias. Exigimos a conclusão desta obra. Ampem”.

E o que ficou para trás nesses últimos dois anos, será empurrado para debaixo dos escombros? Envergonha-se quem tem vergonha.”

Acesse o original aqui.

Livro

A colega Maria de Jesus Rodrigues Araújo Heilmann é autora do livro “Globalização e o novo direito administrativo”, a ser lançado nesta quinta-feira (18/11), às 19 h, no Palácio Cristo Rei, como resultado de sua dissertação de mestrado pela Universidade de Lisboa, publicado pela Editora Juruá. Ingressou no Ministério Público do Maranhão em 1992. É doutoranda da Universidade de Barcelona, com Diploma de Estudos Avançados (DEA) na área de Direito Administrativo (2007); Mestra em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na área de Ciências Jurídico-Políticas (2008); Especialista em Direito, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, em parceria com a Escola Superior do Ministério Público do Maranhão e Associação dos Membros do Ministério Público do Maranhão (1998/1999).

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mais

Mais um blogueiro. Marcelo Silva Moreira é Juiz de Direito no Maranhão. Professor de Direito Civil, já lecionou em cursos de graduação, pós-graduação e na Escola Superior da Magistratura do Maranhão - ESMAM. Autor do livro "Eleições e Abuso de Poder" (Aide Ed.). Acesse o blog marcelosilvamoreira.com.br

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Muros

À noite, uma brisa fria abandona os braços do mar e invade as ruas do Tambaú rumo à Lagoa, em busca de aconchego. Intercalando as inevitáveis construções verticais, diversas casas se destacam por um detalhe: muros baixos; ― em João Pessoa, o olhar do viajante não dispensa observá-los ―, um pouco acima da cintura ou quase à altura dos ombros ou da cabeça, por sobre os quais se divisa o jardim, o terraço, o interior da morada. Quem assim os fez não queria privar os olhos, da rua, dos transeuntes, do bulício. Ali, felizmente, ao que parece, a indústria de gente-com-medo-de-gente ainda não se impôs completa. Neste final de semana, a cidade recebeu quase oitocentos atletas para a nona edição nacional do torneio de futebol do Ministério Público. O Maranhão teve participação pífia. Pudera! Para impedi-la, muros de intolerância e humilhação foram erguidos sob a chancela do medo. Muros deveras altos. Para o mesmo fim, a soberba e a prepotência usurparam a capa do poder e se fundiram na alcova da vaidade, que nem os apelos do procurador-geral anfitrião puderam despertar. Ele, também, chuteira e suor, à saída do gramado, fez-se solidário com nosso infortúnio. Quiçá tenha sido a última participação dos maranhenses em torneios, pelo menos enquanto nossa potestade não resolver sua paixão pelo espelho. Cedo ou tarde, muros são derrubados. Um empurrãozinho.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ao bispo

O Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado do Maranhão – SINDSEMP-MA, vem a público denunciar ataques à liberdade de organização sindical perpetrados pela Procuradora Geral de Justiça do Estado do Maranhão, Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro, que, mesmo após a publicação do Registro Sindical nº. 46223.007132/2008-12, concedido ao SINDSEMP-MA, nega-se a assegurar a implantação de desconto em folha das contribuições mensais dos sindicalizados, bem como o afastamento do dirigente sindical para o cumprimento do mandato sindical classista.

Em 2008, alegando a ausência de Registro Sindical do SINDSEMP, a Procuradora Geral negou a implantação de desconto em folha das contribuições mensais dos sindicalizados, bem como negou o afastamento do dirigente sindical para o cumprimento do mandato sindical classista.

Após quase 02 anos, o SINDSEMP-MA obteve o Registro Sindical, publicado no Diário Oficial da União, pág. 78, dia 21/09/2010, e imediatamente, dia 23/09/2010, protocolou Ofício solicitando juntada do Registro aos Processos Administrativos sobrestados, aguardando a conclusão administrativa depois de juntada do documento do Ministério do Trabalho.

Passados mais de 40 dias, desde 23/09/10, não houve qualquer manifestação da Administração Superior nos Processos Administrativos, ou atendimento dos pedidos iniciais.

Repetimos aqui a fundamentação dos pedidos. O Estatuto do Servidor, Lei nº 6.107 de 27 de julho de 1994, diz que:

“Art.282. Ao servidor público civil são garantidos o direito à livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes:

d) de descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o valor das mensalidades e contribuições definidas em assembléia geral da categoria.”

E afirma a Constituição Estadual, art. 19, § 8º:

“A Administração Pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(...) § 8º - O servidor público eleito para o cargo de direção de órgão de representação profissional da categoria será automaticamente afastado de suas funções, na forma da lei, com direito à percepção de sua remuneração.”.

Os atos da Procuradora Geral ferem o princípio da legalidade e caracterizam uma perseguição ao Sindicato e um ataque ao direito de organização e liberdade sindical, algo descabido para o órgão que é o Fiscal da Lei e guardião dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.

São Luis, 10 de novembro de 2010
SINDSEMP-MA

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Por engano


Nervoso, bastante, pedia conselhos. Uns diziam sim, poderia ser preso; outros, coisa pior. Numas encenações secretas, treinava abordagens. Várias vezes, iria, mas faltavam pernas e palavras. Na hora agá, o intestino não segurava. Vivia no chá de boldo. Dormia na maracujina. “Vais mofar na cadeia! Ha-ha-ha-ha!”, era a voz, em seus pesadelos. Tremia e temia, embora certo. Pensara em terceirizar a cobrança, mas não achava o artista que tivesse topete para emplacar o texto: “Excelência, vim buscar o televisor que, por engano, o senhor trouxe da pousada do Aristides”. Precisava acreditar que fora por isso. No íntimo, nenhuma dúvida. Começava o dia, empolgava-se: “É hoje!”; depois, suspirava: “Amanhã!”. Sem lembrar como, de repente, estava naquele gabinete, diante de deus. Esfregou as mãos em busca de forças, que logo se esvaíram, ao divisar sobre a mesa o dorso reluzente de um Código de Processo Penal. Amarelou. E foi “sim, excelência”, "pois não, excelência", “certo, excelência”, até a exaustão. Televisor, necas.

domingo, 7 de novembro de 2010

Homem e mulher


Partirá, com certeza, mas não demonstra pressa. As dores, os pigarros e os queixumes miúdos, parece, ainda, não lhe fazerem companhia. Ao contrário, precede-a o riso fácil, a palavra animada, o bom humor, tão cheia de apetites, como se a eternidade pudesse ser tapeada. Gente ao tempo dos bolcheviques; na certidão o ano é 1915. Comparece para ajudar a vencer algumas dúvidas sobre datas e nomes da família. A boa memória põe tudo em ordem, e empolga-se de satisfação ao responder sobre o marido: “Está morando debaixo do chão!”. Ri que ri, agregando espanto ao derredor: “Seu Doutor, preguiça não se cobiça!”. E, com ar mais severo, justifica seu suspiro de vingança sem remorso, num arremate: “Era preguiçoso; um grande preguiçoso, isso era!”. Sem deixar órfã a curiosidade, relembra que o de cujus a abandonara muito nova, com uma penca de filhos, porque ele não queria mais botar roça. Para criá-los, teve de se haver como o homem e a mulher da casa, quebrando muito coco pra tirar azeite. Por esse orgulho de sobreviver aos tempos dilatados da agonia, lentamente, exibe as mãos: “Com essas, não perdi nenhum.”

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Travessura

Imaginava que seria o caso de alguma diligência a ser cumprida à ultima hora, quando o recado chegou à porta do fórum, que sua excelência precisava falar-lhe, que fosse à sala de audiências, sem demora. Não seria bem isso, mas, talvez, fosse. Pelo sim, pelo não, melhor ir logo, pois “deus” era meio difícil, que até o parquet se esquivava de suas idiossincrasias, guardando silêncio ou fingindo cegueira, para não borrar a caderneta do bom relacionamento entre as altas figuras da comarca, quanto mais ele que há pouco chegara ao posto de meirinho, graças a uns arranjos que nem precisam ser anotados, ou podem ficar para outra oportunidade. Ou nada disso! É que saíra de casa preocupado com o filho que estava febril, depois de uns banhos escondidos no Mearim. Despistando a última baforada, entrou na sala e nem precisou se aproximar tanto para receber o encargo. Sua excelência foi enfático, irônico e cínico: “Ô, Josué, diz lá pro teu prefeito que ele só esqueceu de comprar os travesseiros!” Cravou-se o indispensável sorriso amarelo no oficial, para fingir que esse encargo lhe pertencia.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Negativa


― Não.

― Não é verdade que a página do Ministério Publico do Maranhão na internet esteja violando o princípio da impessoalidade e se transformando num blog de promoção pessoal.

― Não?


[Crédito da foto: Gilson Camargo. Atrizes Chiris Gomes, Maureen Miranda e Chiristiane Macedo, em cena de “Os Justos”, de Albert Camus, dirigida por Octávio Camargo. Cenário e figurino: Marcelo Scalzo.]

Um juiz

Era assim que funcionava. Uma boa lista prévia de fregueses garantia o suplício do boi. Sem esse boletim, a carne poderia ficar empatada sobre o cepo, para as moscas fecundarem prejuízos difíceis de suportar, naqueles anos de inflação sem cabresto. Faltava gado, minguavam consumidores e, no velho mercado, os magarefes driblavam a concorrência, se ajustando num rodízio para garantir o pão necessário. Chico da Engrácia iria matar um garrote na madrugada de quinta. Ciente, sua excelência apalavrou uns tantos quilos, pois era metade do preço da capital. O filé-mignon seria um mimo para aplacar certa ira da patroa, envenenada com a quase fama de suas peripécias sexuais na comarca. Contava com isso. O meirinho rasgou o que ainda era breu da noite em sua bicicleta até o matadouro, para conferir a pesada. Em vão. A conversa já se espalhara na espera do mercado: que Chico vendera o boi para um marchante de Colinas. Negócio bom danado. Boi em pé, dinheiro no ato. Os clientes sobreviviam a essas eventualidades. Sem gosto, mas sem aporrinhação, tentavam uma posta na lista de outro boi; pela sobra. Aí, sua excelência não quis entender. Sujando a boca com uma dúzia de adjetivos negativos que envolviam a mãe do magarefe, vaticinou-lhe a penetração forçada no orifício distal do intestino e asseverou-lhe o brotamento de protuberâncias córneas na fronte, imputando conduta desonrosa à esposa. No mesmo tom, reclamou a imediata presença do sargento Santana, que se fez a postos, com a cara ainda remelada e a roupa dormida, para dar cumprimento à sentença: que fosse à casa recolher o dito cujo. Feito, sua excelência aboletou-se na picape e levantou poeira das ruas de Mirador. Enquanto a manhã acordava, a fila do mercado subia curiosa até a delegacia; a cidade vomitava a sanha pelas esquinas. Dona Engrácia, à porta do xadrez, quase ao meio-dia, ainda pranto, arrumava a marmita do filho, com os olhos cerrados de indignação.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

sábado, 30 de outubro de 2010

Nomes

 George Washington, 1º presidente dos EUA, em 1789.

Antes de falar, procurou no saco plástico um papelzinho amarrotado. A moça do cartório não se animara a aceitar o nome para o registro da criança. Mas era gosto do pai, e desconhecia todas as razões dele, que recorrera aos cuidados linguísticos da cunhada. A estudante anotara como lhe apetecera, escondendo a própria hesitação. Não era de novela recente, com certeza. Do estrangeiro, sim; inglês, provavelmente. Mesmo redito, a primeira dúvida, o nome não vencia: sexo. Afirmou menino; e tinha meses. A moça agourou a tormenta do garoto para o resto da vida: soletrar. Para prová-lo, sugeriu um teste. Nenhum circunstante, à simples pronúncia, conseguiu grafá-lo como estava no recorte: Clouzy. Recomendou uma conversa em família, e voltasse com um nome mais fácil. No outro dia, a serventuária esteve no coro dos amargurados com os dois a um da Holanda sobre o Brasil, mas logo recuperou o riso com a ruína da Argentina, sob os tentos de Miroslav Klose. Ah!, então era isso, o polaco Klose. Na segunda-feira, a mulher retornou com outro papelzinho: Uósto.

Crianças

― Vamos brincar de presidente?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Aviso aos navegantes!

De Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro - Juíza de Direito, em São Luís-MA:

"De uns tempos para cá, tenho sido alertada por amigos que posso ser vítima de calúnia, injúria e difamação por parte de uns poucos, insatisfeitos pela forma com que me conduzo na vida profissional.

Noutro dia, um advogado amigo veio me avisar que ouviu bochichos de que estes poucos estariam tramando formas de me atingir.

Agradeci o aviso e o carinho demonstrado com a preocupação, mas de pronto afirmei que este podia ficar tranqüilo, pois, a despeito de ter muitos pecados como qualquer ser humano, nada existia em minha vida profissional e pessoal que causasse desabono, já que nunca cometera qualquer crime ou conduta inadequada. Enfim, nunca vendi sentenças, atendi pedidos, usei meu cargo para ganhos pessoais ou para benefício de terceiros.

Recentemente, porém, tomei conhecimento que esses delinqüentes estariam de posse de uma série de documentos que comprovariam a minha participação como cotista de empresas privadas e participação na direção de uma cooperativa de crédito. Seus intentos seriam de plantar tais documentos na imprensa, para repercussão jornalística, e ingressar, concomitantemente, com representação contra minha pessoa junto ao CNJ.

Primeiro, respondendo a quem interessar possa, sou de fato há muitos anos, mais precisamente 28 anos (mesmo tempo que tenho de casada), sócia cotista das empresas do meu marido. Ou seja, 07 anos antes até de ser juíza, já era sócia cotista das empresas então formadas e me mantive em outras depois constituídas. Tal conduta em nenhum momento afronta as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria.

Nesse sentido, em diversos julgados (vide PP nº 18, da relatoria do Conselheiro Claudio Godoy; PP nº 775/06, da relatoria do Conselheiro Marcus Faver; PCA nº 2008.10.00.000569-6, da relatoria do Conselheiro Técio Lins e Silva), o CNJ tem reiterado que não há qualquer vedação ao magistrado ser cotista ou acionista de empresas privadas. A única proibição é quanto ao exercício do cargo de direção, conforme se extrai dos artigos 95, parágrafo único, I da Constituição; art. 36, I e II da LOMAN; e art. 38 do Código de Ética da Magistratura.

No meu caso, comprovadamente pelos documentos constitutivos das empresas, que me colocam tão somente na condição de cotista, resta claro que não exerço qualquer função de direção. Ao longo desses anos, nunca assinei sequer um cheque das empresas, pois não tinha e nem tenho poderes para tal. É só pesquisar.

No tocante à cooperativa, quero dizer “aos navegantes” que se trata, também, de um mau caminho, nessa tentativa desesperada de impor-me mácula e colocar-me na mesma vala comum (ou seria pocilga?) em que habitam.

A cooperativa de crédito da Magistratura (estadual, trabalhista e federal), do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Procuradores do Estado do Maranhão foi fundada durante minha gestão enquanto presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão – AMMA, com o imprescindível esforço de colegas de cada uma dessas classes, sem os quais não teria sido possível criar a COOMAMP.

Percebemos a importância de criar uma cooperativa de crédito, que possibilitasse aos colegas crédito mais barato, pois o que se pagava ao mercado financeiro era (e é) um verdadeiro confisco, posto que os juros praticados são extorsivos. Isso, além de ajudar os colegas a equilibrar as finanças, permitia (e permite) maior tranqüilidade e independência, tão importantes no mister que exercemos.

Dito isso, passo a explicar o porquê da má opção de ataque feita pelos meus detratores, nesse segundo quesito.

No PCA nº 2008.10.00.000569-6, da relatoria do Conselheiro Técio Lins e Silva, acima citado, a despeito de a decisão deixar claro que, de fato, há incompatibilidade no exercício da magistratura com a direção de uma cooperativa, ao final resta claro que os atuais mandatos ficam preservados, não podendo, contudo, serem renovados.

Em suma, o CNJ ao tempo em que afasta a possibilidade de haver novos mandatos, a contar da decisão, permitiu que aqueles que estivessem com mandatos em curso (como é meu caso) continuassem a exercê-los até o final:

Acolho, entretanto, as ponderações feitas, durante o debate, no sentido de assegurar ao requerente a faculdade de permanecer no exercício do cargo até o encerramento do mandato. Publique-se. Comunique-se ao Requerente, à AMB, ao Presidente e ao Corregedor do TJRS.

Para o relator, a presidência de cooperativa, apesar de não resultar em nenhum ganho pecuniário ao magistrado, é vedada pela Constituição e pela LOMAN e fere o princípio da dedicação exclusiva imposta aos magistrados. Além disso, entende que a exceção prevista só se aplica à presidência de associação de classe.

A despeito de não concordar com a conclusão do CNJ, findo o meu mandato, no começo de 2011, me despeço do cargo. Entretanto, muito antes eu já tinha informado aos membros do Conselho de Administração que não mais aceitaria disputar o cargo.

Fiz isto não só em obediência à decisão comentada, mas também porque, confesso, após três anos ininterruptos sem tirar férias encontro-me, de certa forma, precisando abrir mão de algumas obrigações.

Mas se os prezados navegantes não pensam em desistir, forneço por mera liberalidade linhas de investigação sobre minha pessoa.

Visitem cada comarca em que trabalhei. Apesar de nunca ter vendido sentenças, atendido pedidos, usado meu cargo para ganhos pessoais ou para benefício de terceiros, quem sabe vocês não encontram pessoas iguais a vocês, dessas que são “amigas do alheio”, e que me detestam?

A Penitenciária de Pedrinhas também é uma boa dica. Lá estão (ou estiveram) alguns que, presos em face de sentenças que proferi, não gostam de mim.

Tenho consciência de que não sou perfeita. No ato de julgar, por certo, devo ter cometido algumas (ou muitas) injustiças. Graças ao bom Deus existem os tribunais, para corrigi-las em grau de recurso. Contudo, reafirmo, nunca errei de forma intencional, pois nunca vendi sentenças, atendi pedidos, usei meu cargo para ganhos pessoais ou para benefício de terceiros.

Para aqueles cujas condutas são pautadas na delinqüência, sei que é inconcebível entender que a conduta normal entre os homens e mulheres que exercem um múnus público é a de integridade profissional, sendo talvez por isso que se esforcem sobremaneira para manchar a reputação dos que procuram se conduzir na vida de forma correta.

Eu não mudarei meus valores e minha maneira de ser, pensar e agir. Todas as vezes que o exercício do meu mister exigir a apuração do que quer que seja, se chegar à conclusão da procedência, sempre – vou repetir – sempre farei o que dita a norma e a minha consciência. Não recuo. Não temo.

Não discutirei em qualquer espaço com os comentaristas anônimos e sob o manto de falsos nomes, que a mando dos delinqüentes descontentes comigo – e até por terem usufruído dos atos de delinqüência praticados – tentarão desconstituir meu discurso com ataques rasteiros. A estes a minha compreensão, afinal também perderam o ganha pão, mas nunca terão minha atenção.

Senhores navegantes, lhes darei um conselho final e de graça – apesar de não pedido: preocupem-se em viver suas vidas com o resto de dignidade que, acredito, todo homem tem, ainda que alguns a tenham em porção bem reduzida. Os tempos mudaram!

Sejam felizes, dentro dos seus valores, mas não tentem impor-me estes. Sigam em paz, e boa sorte."

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Regras



Na terça-feira (19/10), a presidente da AMPEM, Doracy Reis, protocolou no Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, pedido de providências com o objetivo de que sejam fixadas normas para as eleições de Procurador Geral de Justiça do Ministério Público Estadual, em todo o Brasil.

A AMPEM reclama da falta de disciplina quanto aos atos que não podem ser praticados pelos candidatos ao cargo, especialmente pelos que concorrem à recondução.

A não identificação de condutas vedadas representa fragilidade no processo eleitoral, possibilitando atos eleitoreiros, como nomeações que, as vésperas do pleito, alteram o colégio eleitoral.

A AMPEM sugeriu a criação de uma comissão para ouvir os interessados. E apresentou algumas propostas:

Proibição do uso de veículos de comunicação externa para fins de propaganda eleitoral. Disciplinamento dos espaços de comunicação interna, para garantir tratamento igualitário. Proibição da entrega de pen drives, notebooks, aparelhos de telefonia móvel, botons, camisetas, adesivos, e bens móveis aos membros do Ministério Público, que possam, eventualmente, caracterizar formas de cooptação eleitoral.

Proibição do uso de qualquer estrutura oficial, por ocupantes de cargos comissionados ou Procurador Geral de Justiça, se candidato, no período de 45 dias anteriores ao pleito, exceto com a autorização da comissão eleitoral e extensivo aos demais postulantes.

Desincompatibilização do Procurador Geral de Justiça que pretenda concorrer à recondução, 45 dias antes do pleito, para que os processos de remoção, promoção e os demais atos regulares da administração não sofram a pecha de favorecimento. Proibição de inauguração de obras, de nomeação de novos membros e de pessoal dos setores administrativos, efetivos e ou comissionados, e de exoneração, nos 45 dias anteriores ao pleito.

Fonte: Ampem

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Vício


Em 10/08/07, publicamos a postagem fecho éclair. O texto abaixo é sua reprodução integral. Agora, aqui e ali, felizmente, estamos ouvindo colegas que desejam acender esse debate: a questão das permutas dentro do Ministério Público. Mais alguém topa?

"Faz tempo, as questões relativas às permutas entre promotores caíram em terreno desagradável.

No início, o rigor não as recomendava antes de promoções por merecimento. Depois, “adivinhando”, ou tentando adivinhar, quem seria o promovido, foram, gradualmente, adquirindo a flexibilidade de um zíper, um fecho éclair.

Hoje, nada impede que alguém salpique permutas com vários colegas, numa mesma sessão do Conselho, desde que, entre uma e outra, formule pedido de dissolução da permuta. Não parece certo. E não o é.

Há promotores que literalmente lidam com os ossos do ofício: cidades isoladas, de difícil acesso, com pouca estrutura urbana; outros, nem tanto.

As promotorias têm titulares; donos, não. Um regramento mais consistente faria bem à Instituição e distribuiria com mais justiça ônus e bônus.

Recolhi exemplos de disciplina, em outros Estados:

No Rio de Janeiro, artigo 76, § 3.º, da LC 106/03:
§ 3º - É vedada a permuta entre membros do Ministério Público:
I - quando um dos permutantes estiver habilitado à promoção por antigüidade em razão da existência de vaga na classe superior;
II - no período de 1 (um) ano antes do limite de idade para a aposentadoria compulsória de qualquer dos permutantes.

Em Goiás, artigo 169, § 2º e 4º, da LC 25/98:
§ 2º - A remoção por permuta impede, pelo período de 1 (um) ano, a promoção por antigüidade.
§ 4º - Não será permitida a remoção por permuta quando um dos interessados contar com mais de 69 anos de idade ou tiver os requisitos necessários para aposentadoria voluntária.

Na Paraíba, artigo 106, § 3º, da LC 19/94:
§ 3º - É proibida a permuta, quando um dos interessados for o mais antigo na entrância ou tenha de atingir, dentro de um ano, a aposentadoria compulsória.

No Paraná, artigo 116, § 2º, da LC 85/99:
§ 2º. Não será deferida a remoção, se qualquer dos interessados figurar na primeira quinta parte da lista de antigüidade.

Em Rondônia, artigo 77, p. único, da LC 93/93:
Parágrafo único - Não podem requerer permuta os membros do Ministério Público que figurem, e ou, tenham figurado na última lista de promoção, por merecimento, e nem nos 03 (três) primeiros lugares do quadro de antigüidade.

Se o tema interessa, vamos à reflexão, ao debate!"

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Os três porquinhos

Aos 17 dias do mês de agosto do ano de 2010, em cumprimento ao Mandado de Penhora do MM. Juiz de Direito da Comarca, extraído dos autos do Processo nº 269/09, dirigi-me ao endereço nele constante, e ali sendo, após as formalidades legais, procedi à penhora de 03 (três) porquinhos, sendo um branco, um preto e um castanho, como garantia da execução de título judicial avaliado em R$100,00 (cem reais) e, em seguida, foi nomeado como fiel depositário [...]

domingo, 17 de outubro de 2010

Ne me quitte pas

“Francês!”, ele dizia, tentando convencê-la que o estudasse ao tempo do mestrado. Vezes, fechava os olhos para ouvir palavras que ela bem pronunciava com esmero: Toulouse-Lautrec, Jean-Paul Sartre, Brigitte Bardot, Claude Monet, Jean-Luc Godard. Para seu outono, sonhava que as filhas o mimassem com leituras em francês, ― sua predileta ceia de sabores sonoros, ― que, estimulando o espírito, poderiam, quem sabe, conter a temida caduquice, ou confortá-lo numa eventual tragédia incapacitante. Seu plano preventivo: são, anunciar desejo que, talvez, não pudesse expressar depois. Sentou-se à porta do futuro. O que viria?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Escola

Quanto à legalidade, nenhuma dúvida (LC 13/91, 37, § 6º). Quanto à conveniência particular, perfeita. Quanto ao interesse público substancial, pode-se (deve-se) discutir. Afinal, não se justifica que três membros do Ministério Público sejam afastados de suas nobres e indelegáveis funções para dirigirem a mais que modesta Escola Superior. Um seria bastante. As funções auxiliares na Escola podem muito bem ser exercidas por pessoas que não sejam membros. Ou não?

domingo, 10 de outubro de 2010

Trocas

Torradas à parte, votos eram o motivo do chá. O compadre arquitetara o ágape em que fluiria o acerto ao estilo é dando que se recebe. Nem de longe rondou a auréola dos comensais macular sua afetada dignidade com a pecha de troca de votos, aquele câncer que corrói o espírito do populacho, com dinheiro e suas infinitas crias. Noutro nível, permuta, promoção e assessoria em troca de votos, ao contrário, são entendimentos sobre conjugação de esforços em busca do equilíbrio de interesses legítimos entre eleitor e candidato, com a finalidade de ultrapassar com astúcia e ousadia o esforço de adversários que têm menos a ofertar. Um casal de votos compensa mais que um solteiro. Dito e feito. Escoado o pleito, falta quitar apenas a promoção.

sábado, 9 de outubro de 2010

Dupla

BR-135, Km 33, Campo de Perizes 

“Eu e Deus”, disse, sem ânimo, o calejado policial de meia-idade, sob a penumbra dos alinhados eucaliptos, em frente ao posto rodoviário de Pedrinhas, ― cuja reforma não acaba nunca, ― já vencido o primeiro quarto de noite da última quinta-feira. Nem se levantou da cadeira de macarrão, ao balbuciar o nome, para receber a notícia de que havia fogo no capim alto e seco no Campo de Perizes, espalhando densa fumaça que invadia a estrada por uns trezentos metros e impunha aos motoristas que entravam e saíam da ilha o mergulho numa tenebrosa roleta russa. Ao supor que sua omissão pudesse se refletir em lamentáveis óbitos e lutos, o comunicante estacara sua viagem para alertar os policiais, e repetiu tudo umas três vezes, para enfatizar a gravidade da travessia a que se submetera fazia pouco, e o quanto temia pelos desavisados. Quando se avança num fumaceiro, perde-se, imediatamente, a noção do rumo, não se vê a um palmo, o perigo é real, imediato. Tolamente, ao vencer a fumaça, muitos se gabam de sorte ou experiência, sem se dar conta de que, talvez, a morte estivesse cobrando pedágio em outra freguesia. “Só eu e Deus”, suspirou com menos ânimo ainda o policial, evocando para si mesmo a gravidade trazida pela lembrança do que ocorrera dois anos antes com aquele protético. “Vou ver se chamo os bombeiros”, completou, ― como se admitisse que não adiantaria muita coisa, ― para aliviar a alma do aflito, que, ao deixar o local, cabisbaixo, pensava consigo: “Tomara que esse Deus seja um cara mais disposto!” Dia seguinte, nenhuma tragédia nos jornais. Deve ter sido graças a... a dupla.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Negócio

No Médio Mearim, sol a pino, no vigor de outubro, não se podia abandonar o chapéu, ainda mais com a urgência dos pequenos comícios do segundo turno, que revogavam qualquer privilégio quanto à escolha de horário ou local. Em frente ao Banco ainda se aglomeravam idosos vindos do interior para sacar a aposentadoria. Do outro lado, junto às tendas de alguns ambulantes de roupas, sapatos e farta bugiganga, onde se gastava algum dinheiro, fazia-se outra aglomeração, sob o fom-fom-fom arreliante dos carros de linha gritando por seus passageiros. Pelas bancas de comida, os fregueses justificavam a fama dos espetinhos de carne que, recendendo sobre as brasas dos fogareiros, defumavam o caminho com um cheiro gorduroso, quase irresistível. Na beira da calçada mais alta, com a pressa indispensável, primeiro, usaria a palavra um dos deputados mais bem votados na região, que ficara fora da lista por conta do quociente eleitoral. Baixo, queixo miúdo, cabelo arrumado com gel, camisa colada no corpo com a força do suor, olhos semicerrados pela claridade que caminhava para o meio-dia, iniciou a fala, e logo alguém à frente do povo estendeu-lhe um copo de alumínio com água fria para saciar-lhe a sede evidente. Como quem conta uma notícia sem interesse, não como um militante de boas refregas políticas, passou a agradecer a votação que recebera na cidade, e declinou até os nomes de alguns apoiadores locais, que meneavam a cabeça com discrição. Desprovido dos brilhos da oratória, seu palavreado chocho não empolgava, não cheirava e não fedia, contudo ia ajeitando seu lamento pelos votos que não haviam sido generosos em outras praças, razão de sua sentida infelicidade, até que, por esta senda, deixou escapulir a frase que o lançaria para a História: “Tenho uns amigos prefeitos, e fiz negócio com uns votos, mas não deu certo”. Relembrou seu passado vitorioso, suspirou pelo futuro, repetiu os agradecimentos do início e calou. Quem entendeu, fingiu que não. O orador seguinte, mais que depressa, buscou outro tom.

Luzeiros


Colegas: 300.
Subordinados: 150.
Espontaneidade: não tem preço.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Do acaso

Danada, numa dessas, engravidou. Casal de gêmeos. Mas continuou na fidelidade ao seu prazer. Um apreciador astuto, de meia-idade, viúvo, declarou os assentos, mesmo com o mexerico solto na rua, sobre outro suposto pai, talvez para manter acesso privilegiado à fonte. Estilo cada um na sua casa: cobertura semanal, por despesas infantis pagas. Mutualismo. Desgastando-se a relação, o dito cujo assumiu a suspeita de que não poderiam ser seus, pois nem pareciam. Exame negativo, lógico. Ela sabia quem a fecundara; a cidade sabia. Eram a cara! Agora, estranha que o tal se esquive e não partilhe entusiasmo em perfilhar seus rebentos. Pudera. Não tinha um, passar a dois, num piscar de olhos. Nome, família, sustento; revirar tudo. Há cinco anos, no final daquela festa no Alegre, para ambos, só interessava a libido. Por esse prazer, uns nascem bem, outros são vítimas, muitos serão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mosquito

Futuros eleitores na porta da seção do Mosquito, 03.10.2010

Brancos, sim, pelo menos as patinhas. Ela dizia, sem cara de nojo ou enfado. Nem era reclamação, mas um relato amistoso do que constatara no distante Mosquito, com suas casas de chão batido, sem banheiro, ou sentina, ou energia elétrica, onde, à noite, aquietadas as lamparinas, pequenos ratos faziam festa e corrida, entre os caibros, a coberta de palha, os fios de estender roupa e os surrados punhos das redes. Chegara no breu da noite, sem ao menos avisar e, ali, jamais estivera. Moradas esparsas, gente acolhedora e muito pobre. Conferindo os sons que, vindos da boca da mata, arranhavam o forte silêncio, custou a conciliar o sono, memorando os encargos do dia chegante. Manhã cedo, antes de instalar a única sessão eleitoral, teve de encarar a água gelada do riacho, num banho de Iracema. No desjejum, ao salivar o frito com um pouco de café preto e forte, pensou estar usurpando o que talvez fosse o almoço e o jantar daquela família de seis; recusar, porém, seria ofender, mostrar desprezo pelo oferecido. Poderia deixar como imagem seu sorriso largo e generoso, não um amuo de menina de cidade, manhosa e fresca. Às sete, ajuntados os ingredientes da mesa eleitoral, aguardava, à porta, com discreta ansiedade, os primeiros votantes. A maioria analfabetos ou quase, vindos da Travessia, outros com dificuldades na vista; votos demorados, incompletos, impossíveis. Uma paciência para perguntar quantos quadrinhos na tela, e encomendar a digitação de cinco, ou quatro, ou três ou dois números e um toque no botão verde, para aplaudir, ao final, o voto, heroicamente, rematado. O dia longo e quente resolveu consumir parte da noite, numa fila sem pressa. Foi a última urna a chegar à sede, mas sem cabedal suficiente para criar um segundo turno. Depois, partilhados a aventura e os risos, assentiu, convencida, que eram cinzas com patinhas "brancas", aqueles ratos. Menos reimosos que certos políticos.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Defesa

Audiência 1:

Audiência de instrução. Crime: furto em concurso de pessoas. Casal denunciado. Terceira testemunha de Defesa. Antes de iniciar o depoimento, a magistrada indaga:

- A senhora é parente de algum dos acusados?

- Desses aí? Deus me livre!

A Defesa não fez perguntas.


Audiência 2:

Audiência de instrução. Crime: tráfico de drogas. Após a oitiva de duas testemunhas da Defesa, a magistrada pergunta ao advogado se tem interesse em ouvir a terceira.

- Sim, claro!

A testemunha afirma que não sabe nada sobre o fato.

Ao ser perguntada se tinha conhecimento de que o acusado era traficante, diz:

- Uns dizem que ele é traficante, outros não.

O advogado abaixa a cabeça.


Audiência 3:

Audiência de instrução. Crime: furto em concurso de pessoas. Casal com vários processos em diversas Comarcas. Terceira testemunha de Defesa.

O Advogado: - Como a senhora considera o comportamento do casal na Cidade onde vocês moram?

- Muito bom. São pessoas boas, não mexem com ninguém. Ajudam os vizinhos.

O Promotor: - A senhora sabe se eles respondem a outros processos na Cidade onde a senhora mora?

- É, respondem a uns três, mas comigo são pessoas boas!

O Advogado pede licença para ir ao banheiro.

(Colaboração do colega Sandro Lobato)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Liberdade

É sua profissão. Nos últimos nove anos participou de pelo menos seis roubos a banco: Fortuna, Buriticupu, Mirador, Tasso Fragoso, Lago da Pedra e Dom Eliseu. Talvez de outros mais. Tiros a torto e a direito, cidades em polvorosa, reféns em agonia e fugas espetaculares. Calmo, magro, de média estatura e voz mansa, quase calado, seu rosto não denuncia o profissional devotado que é. Porque os humanistas insistem que a liberdade é um direito, vez por outra, constrangem-no a abraçá-la. Com efeito, recebe-a não para cultivá-la e preservá-la, como se iludem aqueles; tão-somente para, em conluio com a dita, aprimorar sua performance, de sorte que a liberdade não seja um fim, uma meta, só um instrumento necessário ao seu tabalho de roubar. Avizinha-se o próximo habeas corpus. Deve saber que a agência em Santa Rita ainda não foi. Ops!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Oficial

Deprecada a prisão do devedor de alimentos, a carta é devolvida, pela segunda vez, com certidão do seguinte teor:

"Certifico que em posse do r. mandado supra de Carta Precatória oriunda da Comarca de […], Processo nº […], fiz entrega do mandado na Delegacia de Polícia desta cidade para seu efetivo cumprimento, em razão de não existir carro à disposição deste Juízo para cumprir esse tipo de ato judicial. O referido é verdade. Dou fé. […], 21 de setembro de 2010. […] Oficiala de Justiça."

A precatória foi cumprida? [Devolvida por ofício “de ordem”, presume-se que o juiz deprecado não tenha lido a certidão.]

A propósito, vale lembrar que, nesta terça (28/09), o Conselho Nacional de Justiça, por unanimidade, revogou a Resolução 48, que exigia curso superior para o cargo de oficial de justiça.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A permuta

Mesmo que não fosse por amizade, esperava respeito à palavra empenhada. Não cogitava ver o humano pelo avesso. O fuxico, ainda quente, fremia ao telefone, alcançando a primeira onda de choro, antes da convulsão. A casa alugada, o ninho planejado, as emoções em dia, a carreira em ordem; logo deixaria a promotoria da região tocantina. Mas, tudo isso acabava de fenecer, ante a notícia de que a permuta pactuada estava rompida para atender desejo ordem superior. Aí, as regras da moralidade, sob os auspícios do vale-tudo, desciam a ladeira das explicações toscas. No colégio eleitoral restrito, a candidata precisava converter um voto rebelde, e para isso servira o mimo da permuta usurpada. Difícil conhecer todos os cães que habitam a alma. Vítima de alguns, além do choro copioso, sofreu dias desassossegados, para sentir suores sempre que ouve alguém dizer que a palavra garante um trato.

domingo, 26 de setembro de 2010

Apelo

Recebi de um amigo o seguinte apelo:

"Meu Amigo Juarez,

Sei que "O Parquet" é seu blog, de modo que você publica o que quer, mas esse negócio de só reproduzir documentos, postar contos e causos, para mim, não parece com um espaço de idéias. Você sabe muito bem o que acontece com quem deixa a cabeça enterrada no buraco. Vamos lá, pule desse muro! Onde está a faca que você constumava por entre os dentes em alguns momentos de nossa instituição, sobretudo quando esta não estava sob a batuta da atual PGJ? Com tanto farto material... vamos falar das flores? Se é assim, que tal mudar o nome do blog para "Carolina"?

Um abraço."

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Nomes

Raquel. Um nome bem diferente da pessoa. Falava sorrindo, fazendo olho chinês. Pronunciava as sílabas com esmero, realçando as palavras e uma inquieta prótese, ainda não acostumada a se conter na cavidade, há muito órfã de molares e pré, caninos e incisivos. Herdara o nome da mãe. E não era conhecido por outro. Raquel. Na verdade, antes, fora Luís de Raquel. Com o tempo, todos, até os filhos, só Raquel. Se a conversa era nomes e apelidos bem colocados, o dele não escapava ao pódio. Porém, quando se avizinhou uma ida aos campos do Brito Mutá, alertou, exultante: Vais conhecer o apelido mais bem posto dessa baixada: Azia! Horas depois, rompendo a correnteza do Turiaçu, o enfadonho tef-tef do motor inibia qualquer conversa prolongada e impunha uma teimosa sonolência, a ser entregue numa rede de fio, antes do escurecer. À noite, degustada a traíra no leite de coco, e vencida a animada reunião com a comunidade, apagadas as lamparinas, fazia-se hora de esperar maré. A lua empurrava o serpentear do caminho até o porto, como um trilho prateado. De tudo se ouvia; grito, riso, assovio, gargalhada e silêncios, quando começou a sobressair uma voz quase ao fim da fila indiana. Meio nasalizada, meio rouca, meio infantil, meio anciã, meio prosa, meio verso, meio canto, meio lamento, acima do tom, importunando todos os assuntos. Não precisava perguntar: o Azia!

Proximidade

"Senhora Procuradora Regional Eleitoral,

Cumprimentando-a, sirvo-me do presente para levar ao conhecimento formal de Vossa Excelência as irregularidades verificadas quando da indicação dos Promotores de Justiça para exercerem função eleitoral no pleito que se avizinha.

Como anteriormente relatado, a lista elaborada por indicação da senhora Procuradora-Geral de Justiça, não obedeceu aos parâmetros estabelecidos pela Resolução 30, de 30 de maio de 2008, do Conselho Nacional do Ministério Público que dispõe:

Considerando a necessidade, em face da mesma hipótese (art. 79, parágrafo único da LOMPU), de estabelecimento de parâmetros uniformes e objetivos mínimos a serem observados no Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, na indicação ao Procurador Regional Eleitoral dos Promotores de Justiça que atuarão na primeira instância da Justiça Eleitoral, em consonância com os princípios da impessoalidade, da eficiência e da continuidade dos serviços eleitorais;

II – a indicação feita pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado recairá sobre o membro lotado em localidade integrante de zona eleitoral que por último houver exercido a função eleitoral;

§ 2° Em caso de ausência, impedimento ou recusa justificada, terá preferência, para efeito de indicação e designação, o membro do Ministério Público que, sucessivamente, exercer suas funções:
I – na sede da respectiva zona eleitoral;
II–em município que integra a respectiva zona eleitoral;
III- em comarca contígua à sede da zona eleitoral.

Como presenciado por Vossa Excelência durante a reunião ocorrida nesta data, no auditório da Procuradoria Geral de Justiça, a senhora Procuradora-Geral de Justiça respondeu que o critério adotado para indicação dos Promotores de Justiça que atuarão nas eleições 2010, foi “o da proximidade”.

No entanto Excelência podemos comprovar que esse critério da “proximidade”, não corresponde à verdade, a exemplo da indicação do Promotor de Justiça que atuará na 24ª. Zona Eleitoral, eis que sendo titular da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ribamar, foi indicado para o termo judiciário de Anapurus, da Comarca de Brejo/MA, distante da zona eleitoral que sempre atuou mais de 350km e do Promotor de Justiça da entrância final, que foi indicado para atuar na 17ª Zona Eleitoral, São Domingos do Azeitão, afora outras indicações flagrantemente expostas na lista elaborada, para tanto, basta solicitar as informações necessárias.

A senhora Procuradora-Geral afirmou que usou de toda transparência e democracia, o que também não corresponde à verdade, eis que fez indicações violando não apenas a norma supra, mas os dispositivos seguintes:

§1° - Não poderá ser indicado para exercer a função eleitoral o membro do Ministério Público:
I - lotado em localidade não abrangida pela zona eleitoral perante a qual este deverá oficiar, salvo em caso de ausência, impedimento ou recusa justificada, e quando ali não existir outro membro desimpedido;
II - que se encontrar afastado do exercício do ofício do qual é titular, inclusive quando estiver exercendo cargo ou função de confiança na administração superior da Instituição.

Portanto, afora não atentar para o princípio da impessoalidade, igualmente, ignorou a legislação disciplinadora da matéria.

Assim é o presente para solicitar as devidas providências de Vossa Excelência, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n° 75, de 1993.

Cordialmente,

Doracy Moreira Reis Santos
Presidenta AMPEM"

(Ofício nº 389/10, de 22/09/10, dirigido à Procuradora Regional Eleitoral, Carolina da Hora Mesquita Höhn)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sina


Nem tanto quanto parece. A saúde fustigada roubou-lhe mais vida que o tempo. Bengala, na urbe; no interior é cacete. Apoia-se em um. O andar trôpego, escorando-se nas paredes, denuncia as fragilidades do ancião. Por isso que a dúzia de olhos, na apertada sala de espera, assume, em sincronia, a apreensão da queda iminente, evitada pelo socorro de um samaritano. Sob amparos, ingressa no gabinete. A voz atrevida, o queixo empinado, a vontade decidida: Quero o divórcio! Ela, pouco mais nova, resmunga os códigos de alguns segredos que, previsível, atiçam a esgrima verbal das frases bilaterais do desamor. Não adianta esperar que esgotem os verbos, esse alimento os envenena há anos, pondo fim ao respeito, à consideração. A filha hesita em intervir, para cobrar civilidade. Ele, resoluto, ríspido, quanto ao divórcio e ao valor de sua parte na casa! Ela faz que não escuta ou é por causa das pílulas que toma pros nervos, pro coração e pra outra doença mais grave. Usa os alfinetes de sempre, para se revoltar com a ideia de que ele vai gastar o dinheiro com a outra. Encobre-se de humilhação porque a tal nem é nova, mas tão velha e doente quanto. Não vendo, e não assino! Pronto. Volteia a rosca sem fim do bafafá. Só no outro dia, um acordo se costura em oitivas separadas. (Não se veem, não se falam, não incomodam.) Seis mil em duas parcelas de três. Vários filhos moram fora e serão consultados para assumir esse pagamento. Ele resmunga, revida, repreende, queria tudo logo; aceita. Em cinco dias, a resposta é positiva. No sexto, ela despacha a filha com um recado: Divórcio? Nem morta!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Pessoas


Relações interpessoais. Para muitos, a verdadeira corda bamba. Amizades se solidificam ou esmaecem. Inimizades se tornam viscerais. O outro quase nunca tem razão. É ótica aplicada. Terreno para prolíficas tricas e futricas. Ainda mais no ambiente de trabalho, sob a escadaria do poder, com pouca ou muita hierarquia, há de tudo: jogos infantis (ficar de mal), jogos adultos (vais ver), assédio sexual (o cargo, se), assédio moral (lá, caladinho), cumplicidade (lava a outra), enquadrilhamento (nosso percentual) etc.

Apesar da ciência administrativa, poucas instituições se aparelham para prevenir conflitos internos, ou podar suas más consequências, seja no modesto Colégio de Procuradores ou no insigne pleno do STF, no setor de cirurgia torácica do Hospital Geral de Minas ou no Posto Médico de Arerengaua. É um deixa rolar que sempre arrebenta do lado do mais fraco. Depois, os bombeiros lamentam o que deveria ter sido feito.

O SINDSEMP (Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado do Maranhão) protocolou (17/09) na Procuradoria Geral de Justiça o Pedido de Providências 7044AD/2010, em que solicita a instauração de procedimento para apurar eventuais atos de assédio moral que teriam sido praticados pelo colega Ossian Bezerra Pinho Filho em relação à servidora Magda Kelly Lima Queiroz, da Promotoria de Carutapera. O texto integral da representação foi publicado no Blog do Itevaldo. Sobre assédio moral, veja cartilha.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O cargo

Disse que era dos orelhas longas e, talvez, ali, pelo Balsas, tivesse parentes orelhas curtas, da família Coelho. Aposentado, achou aberta a porta da política. Candidatou-se. Para forçar uns poucos aplausos, o experiente locutor se esmerava na apresentação pontuada: “E, agora... o nosso candidato... a su-plen-te-de-se-na-dor... é ele... o doutor... Coelho de Tal”. Se muito, umas duas palmas protocolares. Pouco ligava. Encantava-se com o palanque. Via-se importante, útil, não interessava mesmo o cargo. Manipulava uma dúzia de frases similares à dos orelhas longas, e saía de cena. Nem encontrava tom ou jeito para pedir votos. Mas foi num domingo, em final de tarde, na carroçaria de um caminhão, lá pras bandas do São Benedito do Rio Preto, instado a alongar o discurso para gastar tempo enquanto o povo ajuntava, que superou qualquer expectativa. Esgotado o típico repertório frasal, e depois de bisá-lo por inteiro, resolveu enveredar num relato autobiográfico laudatório, até que pelas palavras tantas, na falta  de um desfecho, quase ofegante, arrematou, com ênfase: “E, por isso, sou o vice-cônsul do Maranhão, em Brasília, à disposição de todos vocês”. O locutor bem acentuou o título diplomático e pediu mais palmas. Os outros evitaram entreolhar-se para não atiçar nenhum riso inconveniente. Encerrado o comício, impossível não ir às boas risadas, sempre que estavam a distância respeitosa do vice-cônsul. Até hoje.

domingo, 19 de setembro de 2010

Perguntas ou respostas

As duas matérias abaixo, de autoria do jornalista Itevaldo Júnior, foram publicadas na edição deste domingo (19/09), no jornal O Estado do Maranhão:

Investigação a juiz gera crise entre o MP e o Judiciário

O Grupo de Investigação e Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público do Maranhão (Gecoc-MA) investigou, por sete meses, o juiz Armindo Nascimento Reis Neto, da 2ª Vara da Comarca de Porto Franco (710 Km de São Luís), sem que o magistrado nem o comando do Judiciário maranhense soubessem. O magistrado acusa o Gecoc de ferir determinações da Lei Orgânica da Magistratura e do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), que prevêem que, quando numa investigação houver indícios de prática de crime pelo magistrado, os autos devem ser encaminhados ao Tribunal. 

O caso engendrado pelo Gecoc desencadeou um combate silencioso nos bastidores do Ministério Público e do Poder Judiciário Estadual. O Estado obteve com exclusividade cerca de 500 páginas de documentos que revelam a ação do Gecoc, de duas promotoras e as reações do juiz Armindo Reis Neto.

O juiz Armindo Reis Neto, filho do desembargador aposentado Mário Lima Reis, representou na Corregedoria Geral do Ministério Público e, em seguida, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra os promotores Agamenon Batista de Almeida Júnior, ex-integrante do Gecoc, Marco Aurélio Cordeiro Rodrigues, do Gecoc; e as promotoras Dailma Maria de Melo Brito, da Comarca de Montes Altos, e Raquel Chaves Duarte Sales, de Imperatriz, esta última somente no CNMP.

Além dos quatro integrantes do Ministério Público, o juiz Armindo Reis Neto representou contra a magistrada Ana Lucrécia Bezerra Sodré Reis, da Comarca de Montes Altos, na Corregedoria Geral de Justiça do TJ-MA.

Sigilo - Nos sete meses em que foi investigado, Armindo Reis Neto atribui ao Gecoc a quebra dos seus sigilos telefônico, fiscal e bancário. Segundo ele, a promotora Dailma Brito teria comunicado a duas pessoas – não identificadas – que os seus sigilos haviam sido afastados. O MP nega as suspeitas de quebra dos sigilos do juiz.

Armindo Reis Neto disse que protocolou na Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) um pedido de certidão, no qual solicitou informações sobre a investigação do Gecoc e quebra de seus sigilos. “Quanto aos questionamentos sobre a quebra dos meus sigilos fiscal, bancário e telefônico, obtive o silêncio do MP como resposta”, afirmou.

Os promotores do Gecoc e a promotora Dailma Brito começaram a investigar o juiz em setembro de 2009, após denúncias de que o juiz Armindo Reis Neto e Fabrício Ferraz, secretário judicial da Comarca de Porto Franco, “vendiam sentenças”.

Em caráter confidencial, a promotora Dailma Brito solicitou à procuradora Maria de Fátima Travassos, em setembro de 2009, o auxílio do Gecoc para apurar o assassinato do prefeito Hilter Alves, do município de Ribamar Fiquene – morto em julho de 2007, com o caso jamais solucionado. E também no processo nº 155/2008 (o juiz Armindo Neto diz que é um inquérito policial) que trata do assassinato do fazendeiro Marcos Alves de Sousa, morto em maio de 2008. O juiz Armindo Neto atuou no caso em que se apura o assassinato do agropecuarista, que teria sido assassinado a mando do seu filho Marcos Alves de Sousa Júnior.

Sobre os dois crimes, os promotores Marco Aurélio Rodrigues, Agamenon Batista Júnior, do Gecoc, e a promotora Dailma Brito interrogariam a testemunha Silvino Aires Araújo, que, em seu depoimento – O Estado tem uma cópia –, não faz nenhuma referência ao caso de Hilter Alves e acusa o juiz Armindo Reis Neto de ter recebido R$ 300 mil, para pôr em liberdade Marcos Alves de Sousa Júnior, preso como suspeito de ser o mandante do assassinato de seu próprio pai.

Foi com base no depoimento de Silvino Aires Araújo que os promotores Marco Aurélio Rodrigues e Agamenon Batista Júnior, do Gecoc, e Dailma Brito instaurariam o procedimento administrativo para apurar a “venda de sentença” pelo juiz da Comarca de Porto Franco e por seu secretário judicial.

Seis meses depois, em 8 de março de 2010, Silvino Aires Araújo seria novamente ouvido pelos três promotores na sede da Procuradoria Geral de Justiça, na presença da procuradora Maria de Fátima Travassos. A testemunha reafirmaria o depoimento anterior e acrescentaria que Armindo Reis Neto teria recebido mais R$ 100 mil de Marcos Alves Júnior.

Depois desse interrogatório, o processo administrativo ainda ficaria cerca de 40 dias no Ministério Público. “O processo só foi encaminhado ao Tribunal de Justiça em 26 de abril de 2010, 13 dias após eu pedir a certidão. E, até hoje, Silvino Reis sequer foi arrolado como testemunha nos processos que apuram a morte do prefeito Hilter Alves ou do fazendeiro Marcos Alves ”, disse Reis.

Corregedora decide arquivar ações contra promotores

A Corregedora-geral do Ministério Público Estadual, procuradora Selene Coelho de Lacerda, determinou o arquivamento das representações contra os promotores Agamenon Batista de Almeida Júnior, ex-integrante do Gecoc, Marco Aurélio Cordeiro Rodrigues, do Gecoc, e a promotora Dailma Maria de Melo Brito, da Comarca de Montes Altos, formuladas pelo juiz Armindo Reis Neto.

A Corregedora Selene Lacerda afirmou que os três promotores não realizaram nenhuma investigação sobre o magistrado Armindo Reis Neto e que, portanto, não há nada que configure erro em suas condutas ou falta funcional.

Os relatórios que apuraram as condutas dos três promotores foram produzidos pelo promotor de Justiça corregedor José Coelho Neto. Agamenon Batista Júnior, Marco Aurélio Rodrigues e Dailma Brito afirmaram que, em nenhum momento, eles praticaram qualquer ato de investigação do juiz Armindo Reis.

Segundo os três promotores, o procedimento administrativo instaurado por eles teve o único objetivo de investigar o assassinato do fazendeiro Marcos Alves Sousa.

Os promotores Agamenon Batista Júnior, Marco Aurélio Rodrigues e Dailma Brito contaram no MP que os documentos em que figurava o nome do juiz da 2ª Vara de Porto Franco, ocorreu pelo fato de Armindo Reis Neto ter sido juiz da Comarca de Montes Altos por muito tempo. A promotora Dailma Brito chegou a indagar: “Como se poderia xerocopiar os autos dos processos sem que aparecesse o nome do magistrado, pois era ele o processante dos feitos?”

Os promotores do Gecoc Marco Aurélio Rodrigues e Agamenon Batista – não mais atua no Gecoc – negaram que não tenham dado resposta ao pedido de certidão do magistrado. “O pedido de certidão foi deferido pela procuradora-geral de Justiça e respondido em 19 de abril e encaminhado ao juiz em 29 de março de 2010”, disseram os promotores.

Sobre o fato de Silvino Aires Araújo não ter sido arrolado como testemunha nos processos do prefeito Hilter Alves e do fazendeiro Marcos Alves de Souza, os promotores afirmaram que eles têm independência funcional para decidir.

“Deve-se considerar que arrolar ou não testemunha em um processo judicial é uma providência que diz respeito ao juízo de convencimento do Promotor de Justiça, o qual tem independência para decidir o que é, ou deixa de ser conveniente ao ônus de provar a acusação”, afirmaram os promotores. (I.J.)

Mais

Em sua resposta, os promotores afirmaram que todas as diligências realizadas pelo MP foram para recolher provas acerca do homicídio do fazendeiro e não da conduta do juiz Armindo Reis Neto.
Suspensão de ato causa embate de juízes

O juiz Armindo Reis Neto, da 2ª vara da Comarca de Porto Franco, representou contra a juíza Ana Lucrécia Bezerra Sodré Reis, na Corregedoria Geral de Justiça do TJ-MA, por ela ter suspendido uma decisão sua de reintegração de posse em favor da família do fazendeiro Marcos Alves de Souza, morto supostamente a mando do filho.

Um mês antes de representar contra a juíza na corregedoria, Ana Lucrécia oficiou à CGJ do Tribunal afirmando que o juiz Armindo Reis Neto mantinha na sua residência e na casa do seu assessor processos da Comarca de Montes Altos. “Isso acarretou por diversas vezes queixas oriundas de partes, advogados e até do Ministério Público”, escreveu a magistrada no ofício 256/2010. Na representação encaminhada à CGJ do Tribunal, Reis sustenta: “A juíza Ana Lucrécia Sodré Reis agiu sozinha e de maneira precipitada, impedindo o prosseguimento da decisão judicial, sem que as partes sequer tivessem interposto recurso”.

Em ofício encaminhado ao desembargador-corregedor Antonio Guerreiro Júnior, a magistrada justificou a sua decisão, “alegando suspeitar de uma decisão proferida por juiz totalmente incompetente”. Reis afirmou que a atitude da magistrada “não colocou em risco apenas a sua credibilidade como julgador, expôs também o Poder Judiciário. “Não creio que podemos resumir seu comportamento em um simples mal-entendido”, assegurou o juiz.

A decisão pela reintegração de posse envolvia fazenda localizada em dois municípios, Sítio Novo (termo da comarca de Montes Altos) e São João do Paraíso (termo da Comarca de Porto Franco), mas, segundo Reis, as partes envolvidas no processo elegeram a comarca de Porto Franco como o juízo competente para julgar a questão.

A reintegração de posse seria efetivada em 1º de fevereiro de 2010, com o apoio de 20 policiais militares, mas, segundo o oficial de Justiça Everino da Silva, a juíza Ana Lucrécia Sodré Reis informou aos PMs que auxiliavam na desocupação da área, que o “cumprimento da decisão judicial dependia de uma autorização sua, pois ali era a sua jurisdição”.

Segundo relato de três oficiais da PM ao juiz Armindo Reis Neto, a magistrada teria “telefonado para o Comando de Polícia em Estreito e questionou a legalidade da desocupação da fazenda”. Reis afirmou que a sua decisão seria cumprida apenas na tarde do dia 2 de fevereiro, depois que a juíza esteve em Estreito no Comando de Polícia, para verificar a decisão judicial.

“A magistrada não se dignou a me telefonar, ou mesmo para o Fórum, onde os seus questionamentos seriam respondidos. Ainda que, no meu entender, tal interferência seja inadmissível”, declarou o magistrado. (I.J.)