quarta-feira, 30 de março de 2011

Lei da Ficha Limpa: Como salvá-la?


Do colega Joaquim Ribeiro de Souza Júnior, promotor de justiça em Santa Luzia do Maranhão:

"Em sessão plenária realizada em 23 de março de 2011, o Supremo Tribunal Federal, contrariando o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, decidiu pela inaplicabilidade da Lei Complementar nº 135/2010, mais conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, às eleições gerais ocorridas em outubro último, por violação ao princípio da anterioridade estampado no artigo 16 da Constituição Federal, segundo o qual a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência.

Analisando-se friamente, até aí, tudo bem. Embora houvesse forte argumento no sentido de que a aludida lei teria conteúdo material e, por consequência, não violaria o processo eleitoral, era realmente difícil sustentar que essa bem vinda legislação não alterasse a dinâmica das eleições, o contexto do processo eleitoral em sentido amplo, desde a realização das convenções partidárias, até a diplomação dos eleitos.

Nesse diapasão, o que preocupa não é o fato da Lei da Ficha Limpa não ter sido aplicada nas eleições de 2010. O que preocupa é o fato de garantirmos que a mesma seja aplicada nas eleições de 2012, 2014 e assim por diante.

Embora não tenha bola de cristal, já consigo enxergar enormes contestações assinadas por jurisconsultos muito bem remunerados por políticos desonestos, sustentando que a Lei da Ficha Limpa não seria aplicável para as eleições municipais de 2012, por não poderem atingir condenações colegiadas anteriores a sua vigência.

Também já consigo enxergar esses mesmos jurisconsultos sustentando que a LC nº 135/2010 não seria aplicável às eleições de 2014 por violar o princípio constitucional da presunção de inocência. Assim caminharemos e a Lei da Ficha Limpa não seria aplicada em 2012, 2014, 2016, 2018 e etc.

O Ministério Público precisa se antecipar e abortar essa estratégia de sobrevivência dos políticos corruptos o quanto antes. É necessário tomar uma medida hoje, agora, neste momento e não aguardar as próximas eleições, onde as pressões políticas ganharão força perante os Tribunais Superiores.

Para tanto, acredito que a melhor saída seria que o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, que já manifestou entendimento pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, ingressasse perante o Supremo Tribunal Federal com ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) e obtivesse, desde logo e em sede de controle abstrato de constitucionalidade, o pronunciamento da Suprema Corte sobre estas questões acima mencionadas. Não há momento mais propício do que este por não estarmos em ano de eleições, quando a pressão política se torna bem maior. Teríamos grande chance de êxito considerando que o placar do julgamento anterior no STF (6 x 5) indica que a mencionada LC só não foi aplicada nas últimas eleições, em razão do princípio da anualidade.

Fora essa violação ao princípio da anualidade, já definida pelo STF, não há qualquer inconstitucionalidade na Lei da Ficha Limpa, pedindo vênia às opiniões em contrário.

O artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, que possui o mesmo status e hierarquia do princípio da presunção de inocência afeto à seara criminal, dispõe que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Assim, o que fez a Lei Complementar nº 135/2010 foi apenas definir o que significa vida pregressa do candidato capaz de colocar em risco a probidade e a moralidade para o exercício do mandato. Inovando, esse bem vindo diploma normativo tornou inelegível aquele que for condenado, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado do Poder Judiciário, nos casos que especifica.

Entendo que a Lei da Ficha Limpa encontra absoluto respaldo no art. 14, § 9º, da CF, pois apenas define o conceito de vida pregressa do candidato, inadmitindo aqueles que possam colocar em risco a probidade e a moralidade administrativa, em verdadeira consagração ao princípio da precaução, do Estado Democrático de Direito e da República.

Também não há que se falar em retroatividade, porque o estabelecimento de causas de inelegibilidades não podem ser confundidas com sanções, muito menos com penas de natureza criminal. Prova disto é que magistrados e promotores são inelegíveis enquanto ocuparem o cargo e assumir esses cargos não configura infração alguma.

É verdade que não precisaríamos de Lei da Ficha Limpa se o Judiciário conseguisse imprimir maior celeridade aos seus julgamentos, bem como, se não tivéssemos uma legião de excluídos socialmente em nosso País, presas fáceis dos políticos sem caráter. Porém, no estágio atual de desenvolvimento político e social do País, a referida Lei é imprescindível.

Em razão do exposto, entendo que, fora a questão da violação ao princípio da anualidade já definida pelo STF, não há qualquer outra mácula capaz de afetar a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições vindouras e, portanto, penso em minutar uma representação ao PGR para que ingresse perante o Supremo Tribunal Federal e obtenha, desde já, um posicionamento da nossa Suprema Corte sobre a questão. Tal julgamento em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade, por se tratar de controle abstrato de conformidade constitucional de normas infraconstitucionais, possuiria eficácia erga omnes, ex tunc e efeitos vinculantes em relação às demais instâncias do Poder Judiciário.

Quem topa assinar a representação a ser endereçada ao Procurador-Geral da República?"

terça-feira, 29 de março de 2011

Reflexões

Do colega José Osmar Alves, promotor de justiça de São Luís:

"A propósito da eleição de Corregedor-Geral do MPMA:

No dia 24 de março de 2011, a página da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão noticiou a eleição para a Corregedoria-geral do Ministério Público. A matéria informa que a votação ocorrerá no próximo dia 30, e que apenas a atual corregedora registrou candidatura.

Quem de fora ler a notícia, é levado a acreditar que a ausência de competidores significaria uma classe unida, ou que a candidata que pleiteia a reeleição teria feito uma administração de tal ordem exitosa que desestimulara outras candidaturas.

Infelizmente, as conclusões do nosso observador passariam distante das verdadeiras razões dessa candidatura única.

Não que a atual corregedora tenha se saído mal no desempenho de suas funções, não é isso. Mas, para quem acompanha o dia-a-dia do Ministério Público timbira, e especialmente para quem dele faz parte há pelo menos dez anos, é perfeitamente claro que a situação de desalento geral que nos cerca hoje é que é a verdadeira responsável pela ausência de concorrentes à nossa solitária candidata.

Esse desalento geral é resultado de um profundo sentimento de frustração que se abateu sobre todos nós, em razão de sucessivas administrações ministeriais – digamos - sem nenhum brilho, propensas a reproduzirem um modelo político atrasado e ineficiente, que se baseia nos favores pessoais aos partidários e na perseguição mesquinha dos adversários, tal como se dá na chamada política partidária dos grotões.

A frustração coletiva que de alguma forma alcança a todos os membros do Ministério Público nos dias atuais, transmuda-se numa espécie mais grave de enfermidade, a que denomino de depressão coletiva, que se espalha como uma epidemia, cujo principal sintoma é o desânimo geral, especialmente daqueles que poderiam tornar-se lideranças novas.

Se você é membro do Ministério Público maranhense e está achando bobagem o que lê, eu lhe faço um desafio: consulte a si mesmo, neste momento; pense na imagem que nossa instituição tem hoje no seio da sociedade; reflita sobre seus últimos contatos com a Administração Superior do Ministério Público; pense no grau de resolutibilidade do(s) problema(s) que você queria ver resolvido em sua promotoria; pense na probabilidade de seu trabalho ser reconhecido internamente e disto resultar sua promoção por merecimento; pense nas perspectivas sobre quem será o próximo procurador-geral; pense no nosso “espeto de pau”; no futuro que lhe espera dentro da instituição; na aposentadoria aos sessenta anos, sem garantia de proventos integrais; pense, finalmente, que tudo isso é resultado de administrações como as que vivenciamos nos últimos anos, replicadas Brasil afora... E veja, então, se você ainda sente aquela alegria que sentiu quando entrou a fazer parte da melhor instituição pública brasileira.

No entanto, a ausência de outros candidatos ao cargo de Corregedor-geral não pode ser debitada apenas à depressão coletiva que se abate sobre nós, senão, também, a um fenômeno que é bem típico das nossas velhas lideranças: a acomodação natural de quem se acha na “zona de conforto” que parece dominar a todos os que passam a compor o Colégio de Procuradores; a nenhuma preocupação verdadeira com a instituição por parte daqueles que se dizem nossas lideranças; a propensão doentia à composição interesseira com o adversário; o medo de perder uma eleição, para não comprometer a própria eleição futura; o costume de só entrarem “na boa”, com a eleição garantida de véspera, afastados os riscos da disputa eleitoral.

A ausência de concorrente contra a atual corregedora impõe ainda uma outra reflexão: a urgente necessidade de abertura do colégio eleitoral que escolhe o corregedor-geral do Ministério Público, bem como a ampliação do rol dos legitimados ativos para a mencionada eleição. É preciso que a nossa lei seja reformada, para que os promotores de justiça possam votar e ser votados para os cargos de corregedor-geral e de conselheiro, pois carece de sentido lógico uma norma que permite que um promotor com dez anos de carreira possa ser ser procurador-geral e não possa ser corregedor ou membro do Conselho Superior.

Todo esse conjunto de mazelas forma um quadro institucional desalentador que, no entanto, não é capaz de esconder da classe a verdade inquietante de que a ausência da candidatura da oposição, além de ser uma violência contra a Democracia, também se presta, às vezes, a afiançar desastres administrativos medonhos.

Colegas do Ministério Público maranhense! Já está mais do que na hora das novas lideranças se apresentarem! Não deixemos que a acomodação dos bons salários se sobreponha aos interesses do povo a quem nos cabe a defesa! (Nem só de pão vive o homem). Falo para todos os membros da instituição, e especialmente para os da Comarca de São Luís! Todos os que se acham angustiados com essa situação vexatória olham para nós, de São Luís, com alguma expectativa! Não permitam que este que vos escreve continue a falar sozinho pelos corredores do “supermercado” onde nos jogaram! Juntemo-nos para salvar – sim, esta a palavra, salvar! – o Ministério Público, que não é nosso, como sabemos, é desse pobre povo maranhense, desapartado da sorte que, a despeito de sua coragem, decantada nos versos do seu hino, vê-se condenado a morrer vergado sob o peso imenso de uma classe dirigente que nunca lhe teve na devida conta.

Isto me lembra a poesia de um piauiense, crítico mordaz do sistema autoritário brasileiro, que faleceu na década de setenta. Disse ele, certa vez:

POEMA DO AVISO FINAL
(Torquato Neto)

"É preciso que alguma coisa atraia
a vida ou a morte
ou tudo será posto de lado
e na procura da vida
a morte virá na frente e abrirá caminho

É preciso que haja alguma coisa
alimentando meu povo
uma vontade
uma certeza...
Uma qualquer esperança!

É preciso que haja algum respeito
ao menos um esboço:
ou a dignidade humana se firmará
a machadadas.”

Com um abraço fraterno,
José Osmar Alves"

quarta-feira, 23 de março de 2011

Palavra sindical

Recebemos a seguinte "Nota de resposta do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado do Maranhão - SINDSEMP/MA":

"O SINDSEMP vem à sociedade esclarecer e prestar informações sobre a matéria publicada no Jornal Pequeno, datada de 19 de março de 2011, sob o título “Ministério Público destaca conquistas salariais e garante diálogo com servidores”:

1.  Desde que protocolou a pauta da reivindicação em 27 de setembro de 2010, em nenhum momento o sindicato dos servidores do Ministério Público do Estado do Maranhão (SINDSEMP) foi recebido ou chamado para dialogar por iniciativa da instituição.

2. A Secretaria de Assuntos Institucionais afirma que o SINDSEMP não procurou a instituição para dialogar, entretanto, o sindicato protocolou 03 ofícios datados de 27 de setembro e 09 de novembro de 2010 e outro em 11 de janeiro de 2011, respectivamente autuados como Processos Administrativos de números 7288AD/2010, 8504AD/2010 e 183AD/2011, solicitando audiência para discutir a pauta de reivindicações salariais e revisão do Plano de Cargos, pedidos que se encontram estacionados no gabinete da Procuradoria Geral de Justiça desde janeiro deste ano.

3. Dia 21 de outubro de 2010, a direção do sindicato, em reunião com o Diretor-Geral da PGJ e o Secretário de Assuntos Institucionais, reunião essa solicitada pelo SINDSEMP, recebeu a informação de que havia uma comissão de trabalho, integrada exclusivamente por servidores indicados pela Administração Superior, cuja atribuição era a coleta de informações, sugestões, análises e elaboração de uma proposta de revisão do plano de cargos, carreiras e salários (PCCS) para os servidores do Ministério Público. Plano de cargos este que até o presente momento não foi apresentado aos servidores.

4. Sobre a afirmação de conquistas salariais, esta se constitui em um falseamento da verdade. Até o momento o que ocorreu, desde 2008, portanto, na gestão da atual Procuradora Geral, foram reposições inflacionárias. Ou seja, todos os anos o IBGE divulga o índice de inflação, de modo que se reponham as perdas salariais, porém, estas reposições não foram feitas em alguns anos, obrigando a categoria a recorrer à justiça para assegurá-las. Assim foi com os 11,98% em que, após a justiça ter reconhecido o direito à reposição das perdas, anos após o percentual ter sido garantido aos membros, a Procuradora, administrativamente, implantou o percentual, que, posteriormente, foi fixado em Lei. Já os 12%, 4,31% e os 5,20% são reposições de perdas inflacionárias acumuladas de 2006 a 2010, cumprindo resolução do CNMP.

5. Sobre as mobilizações, o sindicato tentou diversas vezes o diálogo com a Administração Superior. A última audiência solicitada pelo SINDSEMP foi para o dia 05 de fevereiro deste ano e mais uma vez ficamos sem resposta. Após esse período tentamos contato com o gabinete por telefone e também não fomos atendidos. Esperamos por uma resposta por mais de 150 dias e nada de concreto foi apresentado aos servidores. Todos os ofícios anteriormente citados, autuados como processos administrativos, estão parados no gabinete da Procuradora-Geral de Justiça, contrariando a própria determinação da instituição que diz que todos os setores se manifestarão em autos de processos em prazo não superior a 15 dias.

6. O SINDSEMP reafirma a necessidade da revisão do atual plano de cargos, criando condições dignas de trabalho. A revisão inclui a implantação de um novo padrão remuneratório, o concurso de remoção, uma CIPA (Comissão de prevenção de acidentes de trabalho), o auxílio saúde, o auxílio transporte, entre outros pontos.

7. A intenção da mobilização é sensibilizar a Administração Superior, chamando a atenção da sociedade para a situação da categoria, pois ao se criar um novo plano de cargos e salários, busca-se melhores condições de trabalho para que o servidor possa atender melhor as pessoas que demandam os serviços do Ministério Público. Com o servidor valorizado a sociedade ganha na qualidade de atendimento.

8. O Secretário Institucional esqueceu-se de reafirmar na matéria as palavras da Procuradora Geral em 27 agosto de 2009, quando da aprovação das reposições inflacionárias, em que Fátima Travassos afirma que “mesmo com a aprovação do reajuste, os vencimentos dos servidores do MPMA ficarão bem abaixo do que recebem categorias de instituições que prestam serviços afins, como o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas do Estado”.

9. Por fim, sobre as 667 progressões funcionais, essas são conquistas dos seus contemplados, os servidores, garantidas no estatuto do servidor e não conquistas concedidas pela da Administração Superior.

O SINDSEMP pergunta à Procuradora Geral de Justiça Fátima Travassos: a remuneração dos servidores do MPE já é semelhante à do TJ e do TCE?

A matéria mostra que agora não existe mais o argumento falacioso da falta de dinheiro, mas sim de que os servidores já obtiveram suas conquistas. Lá em 2008, não tinha dinheiro porque se faria o concurso para 25 promotores; agora já forma 58 nomeações e ainda temos um saldo de R$ 12.919.656,97. Recurso não falta e sim vontade por parte da Procuradora-Geral.

Reiterando, o SINDSEMP espera que como divulgado na matéria acima referida, a Administração Superior do Ministério Público nos receba para negociar, mas enquanto isso não acontece, as mobilizações continuarão.

A Direção do SINDSEMP-MA"

domingo, 20 de março de 2011

Do sermão de Vieira

Recebemos da Ampem, a seguinte Nota de Esclarecimento:

"A Associação do Ministério Público do Maranhão (AMPEM), entidade que congrega Procuradores e Promotores de Justiça, representada por sua presidente, Doracy Moreira Reis Santos, Promotora de Justiça, vem em razão do artigo publicado no site oficial da Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão, em 10 de março de 2011, intitulado “A fome de Cronos”, de autoria do Excelentíssimo Senhor Dr. Celso Coutinho Filho, no qual o ilustre Promotor de Justiça - titular da comarca de São Bento e atualmente assessor especial da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão -, imputa à Associação do Ministério Público do Maranhão de realizar uma “oposição desabrida e objurgatória” em face da Administração Superior do Ministério Público, expor os esclarecimentos necessários quanto aos fatos.

No texto aludido, há comparação do papel da AMPEM à figura mitológica grega de Cronos. É oportuno reprisar que este era o senhor do universo e devorava os seus filhos à medida que nasciam para evitar que se cumprisse uma predição de um oráculo de que seria destronado por um deles. Reia, considerada a “Mãe dos Deuses”, quando do nascimento de Zeus, seu filho com Cronos, escondeu-o e deu ao marido uma pedra, que ele, iludido, devorou. Posteriormente, o filho ofereceu-lhe uma droga que o fez vomitar os irmãos e, ao fim de dez anos de combate, Zeus finalmente derrotou o pai e assumiu o trono.

A AMPEM jamais se entregou ao papel de Cronos. A sua proposta é exatamente combater o que está devorando o Ministério Público, a exemplo da indefinida reforma do prédio das Promotorias de Justiça da Capital, que tem gerado graves consequências, as quais são de conhecimento de todos os membros da Instituição Timbira e da sociedade maranhense. A associação tem procurado resolvê-la através de ações e cobranças adstritas à legalidade e ao respeito.

A fome da AMPEM é de luta em prol da classe ministerial no sentido de que os seus legítimos propósitos sejam compreendidos e aceitos, notadamente por quem também tem o dever de erigir a Instituição. Lutas e aspirações em ter todas as Procuradorias e Promotorias de Justiça do Estado em condições dignas de trabalho; ver a Administração Superior promover ações institucionais articuladas em todo o Estado do Maranhão, visando engrandecer a Instituição em prol da sociedade, a exemplo dos Programas Contas na Mão” e “Toda Criança na Escola”; ter de volta o Fórum Permanente de Debates; não ver a Corte de Contas do Estado apontando irregularidades graves ao fiscal da lei; ver isonomia de tratamento nos pleitos dos membros do Ministério Público, entre outras. Lembremos que Cronos somente foi derrotado pela ação de Reia e Zeus, não pela omissão ou pelo silêncio destes. As bonanças somente vêm após as tempestades. Deveria a AMPEM fugir ao bom combate gonçalvino em prol da causa ministerial?

Valendo-se de entrevista dada pela presidente da AMPEM veiculada no jornal “O Imparcial”, interpretou o articulista que a Associação do Ministério Público vem precipitando-se e centralizando sua atuação em uma ação fratricida contra a atual Administração Superior, não questionando as eventuais irregularidades de gestões anteriores referentes ao prédio das Promotorias de Justiça da Capital. Tal fato estaria culminando em uma oposição classista eleitoreira e moralista que não compreende de forma globalizada todo o processo que envolve a reforma do prédio.

Tais afirmações não poderiam estar mais distantes do real objetivo desta entidade, cujas ações visam defender os interesses gerais dos membros Ministério Público Estadual em busca de melhores condições para a classe, ainda que para isto seja necessário apontar erros e equívocos porventura cometidos. De fato, representa obrigação estatutária da AMPEM exigir condições dignas de trabalho aos seus associados, que se encontram atualmente alojados em uma sede improvisada, sem estrutura e segurança mínima. E desta obrigação a diretoria da AMPEM não se furtará.

Não há pior pecado para uma entidade dedicada à defesa dos direitos dos membros do parquet do que a omissão. A AMPEM jamais poderia se omitir, muito embora tenha enfrentado tentativas de obstar sua atuação e constantes ausências de respostas e dados requeridos à Procuradoria Geral de Justiça que, culminaram, para surpresa dos presentes na Audiência Pública realizada em fevereiro de 2011, na informação do desaparecimento do Projeto Estrutural da reforma do prédio-sede das Promotorias de Justiça da Capital, sem que qualquer providência em tempo hábil fosse adotada pela Administração.

Da mesma forma que se encontra sem resposta plausível a denúncia quando do debate entre os candidatos ao cargo de Procurador-Geral de Justiça, realizado em abril/2010, no auditório da Procuradoria Geral de Justiça, em que a senhora Procuradora-Geral, Dra. Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro denunciou a contratação de “empresas fantasmas” no Ministério Público.

Nesse diapasão, deveras proveitosa é a lição do Padre Antônio Vieira: "Sabei, cristãos, sabei, príncipes, sabei, ministros, que se vos há de pedir estreita conta do que fizestes; mas muito mais estreita do que deixastes de fazer. Pelo que fizeram se hão de condenar muitos, pelo que não fizeram, todos." (Sermão da Primeira Dominga do Advento).

Enquanto persistir a indefinição da reforma do prédio sede das Promotorias da capital, compete à AMPEM cobrar da Administração Superior a sua conclusão e questioná-la para que sejam averiguadas e corrigidas todas as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas Estadual. A propósito, cumpre esclarecer que a Associação do Ministério Público pugna pela apuração de todas as responsabilidades, como já dito em entrevista, portanto palavras não poderiam ser retiradas de seu contexto como galhos arrancados de árvores para dar conotação divorciada de seu conteúdo global. Eis o que foi dito:“Eu não questiono administrações anteriores. A obra esteve parada dentro da atual gestão. Se porventura existem irregularidades anteriores, que se apure”.“O TCE aponta irregularidades em relação a obra. Esperamos que cada responsável responda por seu papel e o problema seja sanado.”.(O Imparcial, em 06/03/2011)

Vale dizer que o que foi dito na entrevista é que as irregularidades porventura detectadas sejam apuradas e responsabilizados os autores.

A AMPEM não aponta culpados, tampouco absolve. Dessa maneira, em nenhum momento esta entidade, em suas ações, realiza uma oposição à atual gestão do Ministério Público, mas é dever estatutário cobrar da atual administração superior esclarecimentos e obter informações quanto às medidas adotadas para solução de um imbróglio que se arrasta há 3 (três) anos.

As medidas na esfera de competência desta entidade foram formalmente adotadas, tanto que foram encaminhados documentos, ofícios e pedidos de providências, direcionados a todas as instâncias competentes de controle administrativo no âmbito do Ministério Público, para apurar eventuais irregularidades quanto ao prédio-sede das Promotorias de Justiça da capital, a saber: Conselho Nacional do Ministério Público, Corregedoria Nacional do Ministério Público, Colégio de Procuradores do Ministério Público do Maranhão, Centro de Apoio Operacional da Probidade Administrativa e Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa, todos disponibilizados no site da Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão.

Vale acrescer que o pedido endereçado ao Conselho Nacional do Ministério Público é no sentido de serem apurados “todos os contratos, atos administrativos apontados no relatório do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO - MA, bem como na apuração do contrato nº 100/2007, que envolve o prédio das promotorias de justiça da Capital relacionadas como irregulares no relatório do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO - MA, examinando-se os contratos de licitação desde a construção do referido edifício até os dias de hoje”.

De fato, apuração e correção das irregularidades apontadas pelo Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas do Estado são de responsabilidade daqueles que possuíam e possuem o dever de agir enquanto gestor maior do Órgão, mas tal como Narciso, que rejeita palavras amigas entorpecido pela própria imagem, a atual administração olvida as obrigações com os outros e com a sociedade.

Por outro lado, não é papel da Associação do Ministério Público realizar uma “caça às bruxas”, como exposto pelo articulista. Isto porque a AMPEM está no seu lídimo direito e dever estatutário de cobrar da Administração Superior uma atuação pautada na moralidade, legalidade, publicidade e eficiência, princípios basilares a serem observados por força do art. 37, da Constituição da República.

É esse o cerne da atuação da AMPEM, porquanto em nenhum momento as providências adotadas por esta Associação objetivam manifestar, ainda que indiretamente, o descontentamento com o presente procedimento de escolha do Procurador-Geral de Justiça, que vem se consolidando no sentido de nomeação pelo Chefe do Executivo Estadual de nome diverso da escolha da maioria dos membros do Ministério Público.

Os membros do Ministério Público brasileiro possuem uma luta histórica através de suas entidades de classe para que seja conduzido ao cargo de Procurador-Geral de Justiça o membro ministerial mais votado. Tal ação contou, inclusive, como militante a atual Procuradora-Geral de Justiça, a Excelentíssima Senhora Dra. Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro, muito embora ambas as vezes em que foi nomeada não figurou na lista tríplice como a mais votada pelos membros do Órgão Ministerial.

Apesar de claro posicionamento quanto às eleições para cargo de Procurador-Geral de Justiça, a AMPEM repudia o entendimento que a contrariedade de seu posicionamento na última eleição venha pautando sua atuação ou que tenha por fim a formação de um grupo opositor à atual administração. Vale lembrar a tônica do discurso proferido por esta signatária na posse da Senhora Procuradora-Geral de Justiça, no qual se ressaltou a importância da união institucional, mesmo contando com a resistência da senhora Procuradora-Geral de Justiça em assegurar à Entidade de Classe o direito de falar.

Em seu papel institucional a AMPEM anseia incessante pelo progresso do Ministério Público e pelo fortalecimento da classe ministerial, tendo sempre, e principalmente, efetivadas e abalizadas suas realizações através da participação democrática de seus membros e associados, debatendo a ideia de um Órgão Ministerial mais forte e envolvente, o qual somente poderá ser concretizado através do diálogo.

A palavra “diálogo” significa, basicamente, fala na qual se verifica a interação entre dois ou mais indivíduos. Na música, o diálogo é uma composição em que se dá a alternância das vozes ou dos instrumentos. Não é possível diálogo, quando há uma única voz a se impor. A AMPEM sempre procurou o diálogo junto à Administração Superior, por entender que uma aproximação entre as partes é essencial para o fortalecimento do Ministério Público. Com este intuito, insiste em construir alianças, debates e realizar eventos nos espaços e auditórios da Procuradoria Geral de Justiça.

Ressalte-se ainda, que a atual Administração é a única na história do Ministério Público que reiteradamente vem negando a utilização desses espaços e, ultimamente, sequer a AMPEM é convidada para participar das solenidades de posse dos novos membros do Ministério Público e demais eventos oficiais.

Dessa maneira, as medidas adotadas pela AMPEM têm o escopo de zelar pelos seus associados, pela imagem do Ministério Público, de opor-se ao estado inerte das obras de reforma do prédio-sede das Promotorias de Justiça da Capital, sendo este verdadeiro fato que vem causando considerável prejuízo no exercício das atividades do Órgão Ministerial perante a sociedade civil e maculando o papel constitucional do Ministério Público.

São Luís - MA, 19 de março de 2011.
Doracy Moreira Reis Santos
Presidente da AMPEM"

terça-feira, 15 de março de 2011

Cronos regurgita seus filhos

Do colega José Osmar Alves, promotor de justiça de São Luís:

"A propósito do artigo do colega Celso Coutinho, sobre o atual estado de coisas que atormentam o Ministério Público timbira, embora advertido pelo notável articulista de que a única defesa que patrocinava era a da Instituição, não pude deixar de vê-lo – ao artigo – como aquilo para o qual foi usado: a defesa da atual Administração.

O mote para o scriptum, segundo declara o próprio escritor, foram as infelizes declarações da presidente da AMPEM a jornal maranhense, em que nossa representante aparentemente absolve as administrações anteriores, sob as quais o prédio das promotorias da Capital foi construído, inaugurado e desocupado para reforma.

De fato, feita como feita, a afirmação de Doracy tem conotação pessoal, dirigida especificamente à atual gestora do MP, desafeta declarada da declarante, com o perdão da aliteração e da cacofonia. E isto desqualifica o debate, empurrando a discussão para o nível das brigas de comadres, coisas a serem resolvidas nos balcões dos juizados especiais.

Ponto para o artigo do Celso.

A segunda mancada da presidente da AMPEM, notada pelo articulista, teria sido a observação feita por ela, na mesma entrevista, de que, mesmo com o relatório do TCE assegurando que não havia risco de desabamento, os promotores foram obrigados a sair do prédio.

Pondera Celso Coutinho que a reclamação da entrevistada é incongruente, pois se não havia risco de desabamento iminente, então porque o TCE recomendara, no mesmo parecer, que “as patologias verificadas” no prédio fossem “corrigidas imediatamente”?

Aqui, porém, o nosso Celso dá “ratada” homérica.

É claro que não havia risco de desabamento. A perícia realizada na época deu esse diagnóstico. As fundações do edifício eram seguras. E isto se provou empiricamente: a estrutura do prédio se acha há mais de três anos totalmente exposta ao sol, ao vento e à chuva, e eis que lá continua firme, com seu espectro medonho, aquele que já foi a maior conquista dos promotores da Capital, e que hoje é candidato imbatível a entrar para a história como o mais ilustre “espeto de pau” da sociedade maranhense.

O prédio era seguro, Celso. Era seguro e não era necessário sairmos dele para serem sanadas as tais enfermidades, digo, patologias.

Eu mesmo, com essa mania que tenho de me meter nas coisas do MP, fui à época ter com o Dr. Francisco Barros. Estávamos informados de que deveríamos sair do prédio. Fui ter com ele e lá sugeri que não desocupássemos o edifício. Que aproveitássemos o final do ano (estávamos em fins de novembro de 2007) e estendêssemos o recesso de dezembro até o dia 20 de janeiro (férias coletivas de 15 dias para todos em Janeiro de 2008, em acordo com a Corregedoria de Justiça, à época dirigida pelo Dr. Jamil, licitador do prédio), para que a empresa pudesse trabalhar durante um mês inteiro, 24 horas por dia, fazendo a parte da reforma que demandasse mais espaço e barulho, e então, quando retornássemos, os trabalhos continuariam normalmente, com incômodo suportável no meio da semana e com os fins de semana livres para a construtora. Tudo bastante simples. O Banco do Brasil faz reformas e mais reformas e nunca fecha as suas agências. Argumentei que durante o mês de recesso a construtora poderia concluir as obras em um dos lados do prédio ou em todo o andar superior (tínhamos todas essas possibilidades, dadas as características da construção, uma espécie de arco horizontal). Na parte concluída acomodaríamos as promotorias especializadas, que investigam e atendem ao público, enquanto uma parte dos promotores voltaria a trabalhar em casa por um tempo, como antigamente.

Você me escutou, Celso? Também não me escutou o Dr. Francisco Barros. Saímos todos e fomos jogados num ambiente insalubre, que permaneceu durante um ano sem refrigeração. A maioria dos colegas trabalhou em casa naquele período. E o prédio... Bem, o prédio deu no que deu.

Por fim, meu caro Celso, quero lhe parabenizar pelo belo artigo. Digno dos grandes escritores maranhenses, dentre os quais figura o vosso pai. Mas a conclusão a que você chegou – de que as mazelas atuais do MP são reflexos de nossas fratricidas lutas internas pelo poder - não me parece acertada. Em verdade, penso que tudo isto seja resultado de uma incompetência patológica (termo que aqui me parece adequadamente empregado) que tem contaminado a todos aqueles a quem a direção do MP foi confiada nos últimos anos. O que nós os promotores de São Luís queremos é voltar para o nosso prédio, estrategicamente edificado ao lado do fórum. A miséria de se ter aquela obra parada há mais de três anos, com o dinheiro da reforma em caixa, é que nos indigna a todos. Iniciar a construção de um novo prédio atrás de um outro que se acha em ruínas beira à insanidade. A exposição que atualmente se faz da instituição na mídia e no Conselho Nacional são o último recurso de que dispomos para buscar uma solução para esse impasse vergonhoso.

As lutas fratricidas a que você se refere não são outra coisa senão essas críticas, agora feitas de público, e que jamais se dariam se os nossos administradores tivessem, cada um a seu tempo, cumprido suas obrigações, independentemente do número de votos que tiveram na eleição em que foram nomeados.

Sim, meu caro Celso, às vezes é preciso uma revolução sangrenta para purificar a nação, antes de Cronos regurgitar seus filhos.

Saudações fraternas.

São Luís/MA, Março de 2011.
José Osmar Alves"

quinta-feira, 10 de março de 2011

A fome de cronos


Do colega Celso Coutinho, filho, promotor de justiça de São Bento:


Cronos devorando um filho, de Goya (recorte). Museu do Prado.


"Na mitologia grega, Reia é a mãe de Zeus e de todos os demais deuses do Olimpo, sendo, por isso, conhecida como a “mãe dos deuses’. Antes de Zeus, Reia teve todos os seus filhos devorados por Cronos, de quem era esposa e irmã. Cronos devorava os seus filhos vivos a fim de que não fosse, um dia, destronado por algum deles. Quando Zeus nasceu, Reia enganou Cronos, dando-lhe uma pedra para que comesse pensando ser o filho. Zeus, ao se tornar adulto, acabou por destronar Cronos, seu pai, e o forçou a regurgitar os seus irmãos.

A imagem de Cronos (Saturno, na mitologia romana) devorando um de seus filhos, foi retratada em um afresco de Francisco de Goya, depois transposto para uma tela, hoje exposta no Museu do Prado, na Espanha. A cena, com efeito, é de impressionar, mas muito tem a dizer.

A oposição desabrida e objurgatória que a Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão (AMPEM) faz à Administração Superior do Ministério Público deste Estado, dada a forma como vem sendo feita, escandida mais adiante, subssume-se ao que se vê na tela de Saturno canibalizando o próprio filho.

Não tem este texto o sentido de defender, individualmente, ninguém das acusações lançadas. As defesas específicas serão exercidas pessoalmente pelos atingidos e nas instâncias que se fizerem necessárias, bem assim a busca pela reparação por injustiças que, eventualmente, ocorrerem. O propósito, aqui, é outro e tem em vista tratar do fogo cerrado que cai sobre a instituição, atingindo a todos os seus membros, de uma maneira ou de outra.

Por isso não vou me referir aos casos específicos que estão sendo postos em discussão. Contudo, sem poder deixar de fazer alusão a um, talvez o mais palpitante, é intrigante que a AMPEM não estenda suas dúvidas, insatisfações e questionamentos sobre todo o histórico do prédio das Promotorias de Justiça da Capital.

Isso não é uma conclusão minha. Na entrevista que concedeu, em 06/03/2011, ao Jornal O Imparcial, a Presidente da AMPEM, Doracy Reis, por quem tenho muita estima, indagada sobre culpas pelo atraso nas obras do prédio das Promotorias de Justiça da Capital, respondeu o seguinte: Eu não questiono administrações anteriores. A obra esteve parada dentro do mandato da atual gestão. Se porventura existem irregularidades anteriores que se apurem” (grifado).

Deixa ver se entendi! Se existirem irregularidades anteriores que se apurem; mas questionar, a AMPEM só questiona a atual administração? É isso? Afinal, por que esse reducionismo? É a indevida aplicação da Lex Parsimoniae. Lançou mão da “Navalha de Ockham” e deixou, claramente, entendido que nada tem a ver com o que aconteceu nas outras administrações, o seu negócio é com a que está ai. Espero que tenha sido só um engano da nossa Presidente.

Na mesma entrevista supra reportada, a Presidente da AMPEM afirmou, também, o seguinte: “O relatório do TCE é muito claro. Este diz que não existia risco de desabamento iminente quando os promotores foram desalojados. O relatório também diz que as patologias verificadas deveriam ser corrigidas imediatamente.” (grifado).

Primeiro, é incongruente dizer que não existia risco de desabamento iminente e, logo em seguida, asseverar que as patologias tinham que ser corrigidas imediatamente. Sem a iminência de desabamento, qual é a razão da urgência da correção das patologias? Com a palavra a perícia. Segundo, afirmar que não existia risco de desabamento iminente não significa que não existia risco de desabamento, persistindo, assim, a necessidade de se indagar se algum risco havia, ainda que não fosse iminente, já naquele tempo

É sabido que os problemas com o prédio das Promotorias de Justiça da Capital não começaram agora, nesta Administração. Injuntivo, pois, questionar sobre as razões de um prédio novíssimo, recém construído e inaugurado, passar a apresentar problemas após um curtíssimo período de funcionamento, ao ponto de ter que ser interditado para reforma. Incompreensível, portanto, que a AMPEM somente questione a atual Administração.

Uma bomba com o pavio aceso, passando de mão em mão, por uma década. Tinha que explodir nas mãos de um. E, depois da explosão, somente se questiona sobre os destroços e a quem teve o infortúnio de estar segurando a bomba no instante do estouro? Retiram-se todos de cena, como a dizer “não tenho nada com isso”, e deixa-se um só na cena a dar explicações? Nenhum questionamento, v.g., sobre o fabrico do artefato e a força que inflamou o rastilho? Isso não é aquela brincadeira dos nossos tempos de criança em que se cantarolava “lá vai a bola girar na roda, bem depressa e sem demora, e, no fim desta canção, você que estiver com a bola na mão, depressa, pule e fora”. O infortunado que ficava com a bola, ao fim da canção, era retirado da brincadeira. A coisa é totalmente diferente quando estamos tratando sobre administração pública e sobre a dignidade de pessoas, requerendo o tratamento sério e devido à luz do ordenamento jurídico próprio.

Os membros do Ministério Público deste Estado e, sobretudo, a sociedade não se darão por satisfeitos apenas com questionamentos sobre a reforma. Esclarecer em toda a sua completude esse imbróglio, além de uma questão de interesse público, é, também, uma questão de honra para todos os Promotores e Procuradores de Justiça do Estado do Maranhão. Esclarecimento cabal sem o direcionamento prévio para um culpado. Isso não é uma caça às bruxas.

Não se pode tomar o estado atual do prédio e extraí-lo do todo. Afinal não nos é possível conhecer o todo, à vista apequenada de uma parte estanque, nem mesmo fragmentando-o em partes sem se preocupar em uni-las, ao final, deixando que permaneçam como compartimentos que não se interpenetram e não se influenciam.

FRITJOF CAPRA - em sua obra “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”, São Paulo, Cultrix, 1996. - define o método sistêmico que compreende as partes como enfeixadas em um todo integral e indissociável. Trata-se de um pensamento de base holística, adaptado à psicologia humana, na Alemanha, onde foi elaborado o entendimento de que as coisas para serem corretamente entendidas não podem ser vistas em suas partes estanques, mas, sim, organizadas em um todo sistematizado.

Mais recente ainda, KAREL KOSIK ­– in “Dialética do Concreto”, São Paulo: Paz e Terra, 1995. - aperfeiçoou o método sistêmico, preocupando-se não simplesmente com o todo integral, mas com um todo estruturado, que se ponha de pé. Aqui, as partes precisam ser conhecidas, todavia devem estar agregadas a um todo de forma a constituírem uma concreção. É necessário, na atividade dialética, propõe KOSIK, que se faça a relação das partes com o todo, e que se perceba as influências daquelas neste último.

Deveria, pois, a AMPEM, sem alaridos, inteirar-se de todo o processo que envolve o prédio das Promotorias de Justiça da Capital, de modo estruturado, desde a licitação para a construção, passando pela adjudicação, execução das obras de construção, conclusão e entrega da obra, inauguração, tempo de funcionamento, interdição, reforma, chegando até o presente. Por todo esse período, cumpre dizer, tivemos 5 (cinco) Procuradores-Gerais de Justiça. Feito isso, conhecedora a fundo de toda demarche, sabedora da influência de cada uma das partes no todo, deveria, então, elaborar seus questionamentos ou, mesmo, conclusões.

Sem embargo do dito acima, deveria, sobretudo, reunir esses Procuradores-Gerais, ou, pelo menos, aqueles que se dispusessem, e concitá-los a dar as mãos para juntos defenderem o Ministério Público do Estado do Maranhão, esclarecendo à sociedade toda e qualquer dúvida que adeje sobre o caso, sem descurar da cobrança das responsabilidades devidas.

No lugar disso, a AMPEM precipitou-se centrando todas as suas altercações, referente ao prédio das Promotorias de Justiça da Capital, sobre a atual Administração Superior, olvidando adrede ser impossível, como vimos acima, tratar da reforma do mencionado prédio apartando-se da sua construção e das demais fases de seu histórico, máxime quando sabemos todos que esse mesmo prédio passou a apresentar problemas com pouquíssimo tempo de funcionamento. Fazer o contrário significaria aumentar o foco e diluir o alvo. Resultado: o chumbo estilhaçou-se e zune sem controle.

Não sou um nefelibata, nem um estúpido, para imaginar que toda a ação da instituição classista em menção possui um escopo moralizante, objetivando fazer a assepsia do Ministério Público do Estado do Maranhão e alforriá-lo de um grupo de membros maus que só pensa em delinquir. Está, sim, mesmo que inconscientemente, travando a luta do bem contra o mal, querendo nos fazer pensar que a proveta da moral é sua e ninguém tasca. Se recorrermos à crônica dos povos, veremos exemplos desse tipo de peleja, todos com um trágico resultado comum ao final.

No fundo de toda essa ação fratricida, está latente o inconformismo inflado pela cólera com o ato da Governadora do Estado, Roseana Sarney, que nomeou a Procuradora de Justiça, Fátima Travassos, para o cargo de Procuradora-Geral de Justiça. Ato legítimo e, inteiramente, respaldado na lei e na Constituição.

A AMPEM tem todo o direito de manifestar a sua opinião em defesa da escolha do mais votado. Tem o inexpunável direito de lutar, na instância própria, que é o Parlamento, pela modificação do sistema de lista tríplice, no que tem, inclusive, meu apoio. Mas, daí, partir para uma cruzada contra o membro do Ministério Público escolhido pelo critério atual para a Chefia da Instituição excede o que lhe era um direito.

O próprio mais votado na última eleição (2010), o Procurador de Justiça Raimundo Nonato, com três mandatos de Procurador-Geral de Justiça, já chefiou o Ministério Público do Estado do Maranhão, sendo o escolhido pelo Chefe do Executivo Estadual de então, após compor a lista triplice como o terceiro mais votado. Fico, sempre, à vontade para falar sobre isso, porquanto, na época, defendi o direito do Procurador de Justiça, Raimundo Nonato, de assumir a chefia do Ministério Público e tive, ao meu lado, muitos do que bradam na atualidade contra a escolha da Governadora. O Procurador de Justiça Raimundo Nonato assumiu e administrou com brios sem ter que enfrentar as manifestas antipatia e repulsa que hoje existem.

Alhures, tive a honra de me reportar ao colega Marco Antonio Santos Amorim, valoroso membro do Ministério Público do Estado do Maranhão, num debate respeitoso, desses que ajudam a instituição avançar, opondo-me a um entendimento seu sobre legislação e ética, bem como sobre democracia e vontade da maioria, expresso num contexto maior que era exatamente a escolha do Chefe do Ministério Público por meio do sistema de lista tríplice.

Ponderei, naquela oportunidade, que a vontade da maioria não é um valor absoluto em um Estado Democrático de Direito. Absoluto é o respeito à Constituição, elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita pelo povo. Tudo que advir da Carta Magna é ético e legítimo. Pensar o contrário é pôr em risco os esteios estruturantes do Estado brasileiro.

Os juízes, por exemplo, são membros de um poder constituído, e não recebem um voto sequer. No entanto estão legitimados por um concurso público, conforme previsto na Constituição da República. A mesma que veda, por exemplo, a pena de morte, ainda que a vontade da maioria seja a favor.

Também é a Constituição da República que legitima a escolha discricionária do Chefe do Ministério Público pelo Chefe do Poder Executivo. Trata-se, pois, de uma investidura ética posto que decorrente do ordenamento jurídico posto. A lei não tem força para, invariavelmente, emprestar moral a uma conduta. Non omne quod licet, honestum est. Foi com essa proposição que os romanos intuíram a diferença entre direito e moral. No entanto, é preciso lembrar que a ética não se expressa apenas pela moral, mas, também, pelo direito (incluindo-se o direito posto), pela religião e pelas regras de trato social.

O “direito livre”, a livre pesquisa, a jurisprudência de interesses, a jurisprudência sociológica, a interpretação segundo o logos humano, todas são teses que fascinam, sendo encantadoras em seus postulados teóricos. Entretanto, felizmente e a tempo, dei-me conta do perigo que representam. São vias escancaradas para o totalitarismo jurídico. Temos toda liberdade de valorar a lei antes de aplicá-la em busca do valor do justo. É, até, uma obrigação fazê-la. Contudo, esta valoração não pode ser pretextada para a desfiguração da lei. A ninguém é dado o poder de escolher se se aplica ou não a lei. Em regra, é o Poder Legislativo que detém a força de retirar a validade de uma lei, através de sua revogação expressa ou tácita, tornando-a inaplicável. Excepcionalmente, o Poder Judiciário pode fazê-lo em sede de controle de constitucionalidade. O certo é que, enquanto for válida, somos obrigados a dar-lhe efetividade jurídica e social, não podendo ficar ao sabor da corrente ideológica a que se filie ou simpatize. E isso tem plena guarida na ética. Quando passamos a escolher se uma norma legal deve ser aplicada ou não o Estado Democrático de Direito alui em seu pedestal.

Retornando ao contexto da defesa da instituição ministerial, a supra referida oposição classista está desbordando dos lindes institucionais e recaindo no plano do moralismo e do eleitoralismo. Mais uma vez recorrendo à alegoria de Goya, em que Cronos devora o seu próprio filho, não é demais dizer que aquele que luta pelo poder, achando-se dono da moral e, ipso facto, o único capaz de exercer o poder, primeiro abate os que considera seus adversários e, feito isto, passa a eliminar, seletivamente, os seus próprios aliados. Não é uma categoria de pensamento. É, sim, a história que está aí a nos mostrar isso como fato.

Não estou dizendo que criticar ou questionar a atual Administração Superior do Ministério Público deste Estado seja algo inaceitável e que qualquer exposição de divergência deva ser considerada oposição temerária. Somos todos passíveis de críticas e questionamentos. A oposição é tão essencial para a democracia quanto o governo. Apenas se estima que seja desprendida do fel do rancor, do ressentimento, da ofensa à honra e despida do partidarismo que insiste em tomar conta da instituição, dividindo os seus membros e servidores entre bons e maus. Que se façam as críticas, que se exijam providências, mas não se pode admitir que seja tentado passar para a sociedade e, mesmo, para membros e servidores desavisados que a Administração Superior do Ministério Público do Estado do Maranhão foi tomada por uma quadrilha de malfeitores, ávida por dilapidar a instituição. Isso é desrespeitoso e já desembainha o sentimento do agastamento nas relações entre os seus membros.

Se o fim da crítica é tumultuar, desconstruir e ofender, o crítico despe-se de seu direito e, despencando do seu altar, passa a merecer o que altercou Álvares de Azevedo: “A crítica é uma bela desgraçada, que nada cria, nem jamais criará”.

O Ministério Público não pode se partidarizar, com a formação de grupos que se engalfinhem em torno do poder, sobretudo quando um desses grupos se jactar de baluarte onde se entrincheiram os combatentes virginais e imaculados de pecado. Os nossos debates devem buscar o contraditório da proficiência, desenvolvendo-se com propostas positivas que tenham por vocação o aperfeiçoamento contínuo da instituição, sem bazófias e bravatas, cientes todos nós da condição de seres humanos que somos, sem deificações, nem demonizações.

Pela pertinência, vale transcrever as lúcidas palavras de FÉLIX SOIBELMAN, in Revista Consultor Jurídico, edição de 17 de julho de 2003: “A indignação e a ideologia muitas vezes apartam a necessária serenidade, bem como a visão clara da realidade dos fatos e do direito pelo julgador, que deve estar sempre ciente do relativismo da sua própria moralidade, para justamente não aplicá-la como se tivesse o poder de julgar as almas e toda sentença sua fosse um raio do Juízo Final. - Resta ainda comentar que os juízes não perceberiam tanta mentira nos réus se eles não estivessem predispostos a isto, guardando os resquícios dos Tribunais Inquisitoriais onde o juiz se via na condição de salvador de uma alma possuída pelo diabo, sendo que a maior estratégia usada pelo diabo era a prova da inocência. […] Há juízes hoje em dia que, inobstante qualquer coisa, intimamente hierarquizam as causas de absolvição colocando a falta de provas contra o réu acima da prova de inocência que este realize. A inocência para eles é um crime à parte dentro do próprio processo.”

A forma como as objeções da AMPEM exteriorizam-se quer nos fazer crer que a atual Administração Superior do Ministério Público do Estado do Maranhão está prenhe de pessoas moralmente inidôneas, formadoras de uma súcia que deve ser apeada e jogada num limbo ou coisa pior; mas que não nos preocupemos porque teríamos um oráculo dentre nós pronto para assumir nossos destinos, salvar nossas almas e encaminhar-nos rumo à redenção.

Rejeitarei, sempre, com toda força, a ideia de que um membro ou um grupo de membros da instituição almeje o posto de nosso redentor, à semelhança da representação da figura épica de Enéias, e tome as nossas mãos para nos guiar, como se fossemos todos uns parvos, fazendo-nos mirar no tempo futuro da salvação e encaminhando-nos rumo à luz, numa epopeia digna da Eneida virgiliana.

Venho dizendo já há algum tempo, que a mim se afigura o descortino de tempos melancólicos no Ministério Publico do Estado do Maranhão, tendo como ponto fulcral o poder. Preciso atalaiar-se desse processo de deterioração do espírito de que falou São Gregório Magno: “Pois esta é a lei das quedas do espírito: primeiro ele perde o bem que possui, mas ao menos se lembra de o ter perdido; depois, quando avança mais longe, acaba esquecendo o próprio bem que perdeu, e, finalmente, não vê mais, nem de memória, o que antes possuía por experiência”.

Desconheço se essa autofagia institucional vem ocorrendo em outros Estados. Se o tiver, explica, em parte, a debilitação da nossa categoria junto ao Congresso Nacional, se comparada ao competente trabalho outrora desenvolvido no sentido do fortalecimento institucional do Ministério Público com vista ao desenvolvimento eficiente de sua missão constitucional. Parece, mesmo, que deixamos de nos preocupar com o fortalecimento da instituição e passou a ser mais importante atuar para o fortalecimento de grupos dentro da instituição. Enquanto um grupo busca seu fortalecimento como um fim em si mesmo e, a todo custo, tenta estabelecer-se como o nosso guia, a instituição se despedaça.

Espero que a AMPEM receba as minhas palavras com o real sentido que as impregna, sem qualquer objetivo de hostilidade e, sim, colimando dar esmero ao debate, fazer o contra ponto de sua atuação, tendo à lembrança a lição de Santo Agostinho: “Ouve a crítica. É uma forma de te ajudar. Tem cuidado com o elogio, pois pode ser uma bajulação”. Creio ter exercido a crítica e divergido com decência, altivez e respeito. Onde demonstrarem que me excedi, aceitarei a censura e, desde já, peço desculpas. Não tenho o objetivo de me sobrepor a ninguém, mas somente ajudar em estabelecer um debate que colabore para impulsionar a instituição do Ministério Público. Tenho, sim, é a paz e o conforto de ter exposto o meu pensamento com sinceridade, o que é o máximo que se pode exigir de um interlocutor.

Por fim, dirijo-me a todos os membros do Ministério Público brasileiro, exortando que façamos uma reflexão tranquila sobre o que disse acima e passemos aos debates. A busca pela unanimidade é uma quimera, além de extremamente danosa. É inevitável divergir e, mais que isso, é necessário divergir para encontrarmos a hipótese feliz, no dizer do mestre Hungria. Façamos os debates, expondo as divergências e, também, as concordâncias. O que não podemos é nos ter como adversários e, pior ainda, nos tratar como inimigos. Não deixemos que a política institucional seja maculada pelos vícios da política tradicional, que tanto combatemos. A fome de Cronos por seus filhos era em decorrência do poder. A disputa sectária que divide a classe entre bons e maus, que privilegia a busca obsessiva do poder no lugar do avanço da instituição, coloca-nos todos na condição potencial de filhos a serem devorados.

São Luís (MA), 09 de março de 2011.
Celso Coutinho, filho."

terça-feira, 8 de março de 2011

Elas

Ela rabiscou, entre aqui e Lisboa, o que converto em homenagem às mulheres do tempo de minha vida:

"Escrevo, porque mais sabido que eu é o tempo.
Traz mais, menos ou mais e menos, na saia rodada da vida.
A vida é do mundo, não minha.

Espero, porque mais sabido que eu é o tempo.
Sou a minha casa e dentro de mim estou só, da condição de quem vive.
Estar só é também estar com o outro, na solidão do coração de cada homem.

Reflito, porque mais sabido que eu é o tempo. Então vivo.
Vivo para ser com vocês a qualquer tempo,
porque mais sabido que o tempo sou eu." 

(Flávia G. Medeiros)

sábado, 5 de março de 2011

O vício da servidão


A servidão voluntária, por Fábio Konder Comparato. Publicado em 25/02/11, em Conversa Afiada:

"As rebeliões populares que sacodem atualmente o mundo árabe têm, entre outros méritos, o de derrubar, não só vários regimes políticos ditatoriais em cadeia, mas também um mito político há muito assentado. Refiro-me à convicção, partilhada por todos os soi-disant cientistas políticos, de que um povo sem organização prévia e não enquadrado por uma liderança partidária ou pessoal efetiva, é totalmente incapaz de se opor a governos mantidos por corporações militares bem treinadas e equipadas, com o apoio do poder econômico e financeiro do capitalismo internacional.

Pois bem, há quatro séculos e meio um pensador francês teve a ousadia de sustentar o contrário. Refiro-me a Étienne de La Boétie, o grande amigo de Montaigne. No Discurso da Servidão Voluntária, publicado após a sua morte em 1563, ele pronunciou um dos mais vigorosos requisitórios contra os regimes políticos e governos opressores da liberdade, de todos os tempos.

Seu raciocínio parte do sentimento de espanto e perplexidade diante de um fato que, embora difundido no mundo todo, nem por isso deixa de ofender a própria natureza e o bom-senso mais elementar. O fato de que um número infinito de homens, diante do soberano político, não apenas consintam em obedecer, mas se ponham a rastejar; não só sejam governados, mas tiranizados, não tendo para si nem bens, nem parentes, nem filhos, nem a própria vida.

Seria isso covardia? Impossível, pois a razão não pode admitir que milhões de pessoas e milhares de cidades, no mundo inteiro, se acovardem diante de um só homem, em geral medíocre e vicioso, que os trata como uma multidão de servos.

Então, “que monstruoso vício é esse, que a palavra covardia não exprime, para o qual falta a expressão adequada, que a natureza desmente e a língua se recusa a nomear?”

Esse vício nada mais é do que a falta de vontade. Os súditos não precisam combater os tiranos nem mesmo defender-se diante dele. Basta que se recusem a servi-lo, para que ele seja naturalmente vencido. Uma nação pode não fazer esforço algum para alcançar a felicidade. Para obtê-la, basta que ela própria não trabalhe contra si mesma. “São os povos que se deixam garrotear, ou melhor, que se garroteiam a si mesmos, pois bastaria apenas que eles se recusassem a servir, para que os seus grilhões fossem rompidos”.

No entanto – coisa pasmosa e inacreditável! –, é o próprio povo que, podendo escolher entre ser escravo ou ser livre, rejeita a liberdade e toma sobre si o jugo. “Se para possuir a liberdade basta desejá-la, se é suficiente para tanto unicamente o querer, encontrar-se-á uma nação no mundo que acredite ser difícil adquirir a liberdade, pela simples manifestação desse desejo?”

O que La Boétie certamente não podia imaginar é que, durante os primeiros séculos do Brasil colonial, foi muito difundida a prática da servidão voluntária de indígenas maiores de 21 anos. Encontrando-se eles em situação de extrema necessidade, a legislação portuguesa da época permitia que se vendessem a si mesmos, celebrando um contrato de escravidão perante um notário público.

De qualquer modo, prossegue o nosso autor, a aspiração a uma vida feliz, que existe em todo coração humano, faz com que as pessoas, em geral, desejem obter todos os bens capazes de lhes propiciar esse resultado. Há um só desses bens que elas, não se sabe por quê, não chegam nem mesmo a desejar: é a liberdade. Será que isto ocorre tão-só porque ela pode ser facilmente obtida?

Afinal, de onde o governante, em todos os países, tira a força necessária para manter os súditos em estado de permanente servidão? Deles próprios, responde La Boétie.

“De onde provêm os incontáveis espiões que vos seguem, senão do vosso próprio meio? De que maneira dispõe ele [o tirano] de tantas mãos para vos espancar, se não as toma emprestadas a vós mesmos? E os pés que esmagam as vossas cidades, não são vossos? Tem ele, enfim, algum poder sobre vós, senão por vosso próprio intermédio?”

A conclusão é lógica: para derrubar os tiranos, os povos não precisam guerreá-los. “Tomai a decisão de não mais servir, e sereis livres”. Aí está, avant la lettre, toda a teoria da desobediência civil, que veio a ser desenvolvida muito depois que aquelas linhas foram escritas.

É de completa evidência, prossegue o autor, que somos todos igualmente livres, pela nossa própria natureza; e que o liame que sujeita uns à dominação dos outros é algo de puramente artificial. Mas então, como explicar que esse artifício seja considerado normal e a igualdade entre os homens não exista praticamente em lugar nenhum?

Para explicar esse absurdo da servidão voluntária, La Boétie aponta algumas causas: o costume tradicional, a degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder, o interesse.

Foi por força do hábito, diz ele, que desde tempos imemoriais os homens contraíram o vício de viver como servos dos governantes. E esse vício foi, ao depois, apresentado como lei divina.

É também verdade que alguns governantes decidiram tornar mais amena a condição de escravo, imposta aos súditos, criando um sistema oficial de prazeres públicos; como, por exemplo, os espetáculos de “pão e circo”, organizados pelos imperadores romanos.

Outro fator a concorrer para o mesmo efeito foi o ritual mistificador que os poderosos sempre mantiveram em torno de suas pessoas, oferecidas à devoção popular. O grotesco ditador Kadafi, com seus trejeitos de mau ator de opereta, nada mais fez do que reproduzir, mediocremente, vários tiranos do passado. “Antes de cometerem os seus crimes, mesmo os mais revoltantes”, lembrou La Boétie, “eles os fazem preceder de belos discursos sobre o bem geral, a ordem pública e o consolo a ser dado aos infelizes”.

Por fim, a última causa geradora do regime de servidão voluntária, aquela que La Boétie considera “o segredo e a mola mestra da dominação, o apoio e fundamento de toda tirania”, é a rede de interesses pessoais, formada entre os serviçais do regime. Em degraus descendentes, a partir do tirano, são corrompidas camadas cada vez mais extensas de agentes da dominação, mediante o atrativo da riqueza e das vantagens materiais.

No Egito de Mubarak, por exemplo, oficiais graduados das forças armadas ocupavam cargos de direção, muito bem remunerados, nas principais empresas do país, privadas ou públicas. Algo não muito diverso ocorreu entre nós durante o vintenário regime militar, com a tácita aprovação dos meios de comunicação de massa, a serviço do poder econômico capitalista.

Pois bem, se voltarmos agora os olhos para este “florão da América”, veremos um espetáculo bem diverso daquele que nos fascina, hoje, no Oriente Médio. Aqui, o povo não tem a menor consciência de ser explorado e consumido. As nossas classes dirigentes, perfeitamente instruídas na escola do capitalismo, nunca mostram suas fuças na televisão. Deixam essa tarefa para seus aliados no mundo político. Elas são anônimas, como a sociedade por ações. E o jugo que exercem é insinuante e atraente como um anúncio publicitário.

Por estas bandas o povão vive tranquilo e feliz, na podridão e na miséria."

Nota o blog: Discurso sobre a servidão voluntária (1549). Título original: Discours de la servitude volontaire. Étienne de La Boétie (1530-1563).

quinta-feira, 3 de março de 2011

A menos que

Basquiat. Self-portrait

Será impossível ultrapassarmos esta década sem que se opere uma reforma considerável na atuação do Ministério Público de segundo grau. Há bom tempo se fala sobre o desbotamento das atribuições destinadas aos nossos colegas procuradores de justiça. Se ultrapassar a década, vencerá o século? Como será em 2100? O tema recebeu um lampejo no Conselho Nacional (22/02), pela relatoria do conselheiro Cláudio Barros (Processo 915/2007-08). Disse:

De fato, é incompreensível para qualquer cidadão, com sua visão externa, e muito mais para os membros do Ministério Público, envolvidos diretamente com o exercício de sua missão constitucional e legal, que, ao atingirem o último grau da carreira, quando, em tese, pela idade e pela experiência na vida institucional, estão prontos para todas as ações da Instituição, venham a perder mais da metade de suas atribuições. Neste momento de sua vida institucional, pelo acesso ao último grau da carreira, passam a atuar, de forma burocrática, em processos já instruídos, quando, por sua qualificação e conhecimento, poderiam prestar à sociedade serviços com efetivos resultados sociais. Não se quer, com isto, dizer que deva o Ministério Público deixar de intervir em processos, mas, sem dúvida, deve ser aprofundado o exame e o estudo sobre a necessidade da manifestação em feitos que não tenham a mínima repercussão social.” (Leia a íntegra do voto, aqui)

E então?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Inversão do ônus da prova


Do colega Joaquim Ribeiro de Souza Junior, promotor de justiça em Santa Luzia do Maranhão:

"Sempre que me deparo com alguma questão atinente à defesa de interesses coletivos lato sensu, enfrento um problema que imagino não ser exclusivo da Promotoria da qual sou titular, qual seja: a dificuldade em se produzir provas técnicas.

Questões como dano ao meio ambiente, consumidor, superfaturamento em obras públicas, dentre tantas outras, exigem a elaboração de inspeções e perícias multidisciplinares, as quais o nosso querido Ministério Público ainda não possui estrutura técnica para realizar na grande maioria das Promotorias do interior do Estado e quiçá na capital.

Também não se pode contar muito com o auxílio de órgãos estaduais e federais no interior do Estado. São raras as inspeções e perícias realizadas por órgãos como IBAMA, Vigilância Sanitária, dentre outros, mesmo a pedido do Ministério Público.

No entanto colho do site do Superior Tribunal de Justiça uma notícia acerca de julgado alentador, no sentido de que cabe inversão do ônus da prova em ACP pró-sociedade movida pelo Ministério Público. A 4ª Turma do STJ considerou válida a decisão de um desembargador do TJ/RS que determinou a inversão do ônus da prova em uma ação proposta pelo Ministério Público em benefício de consumidores. A Turma, seguindo o voto do ministro relator Luís Felipe Salomão, entendeu que as ações coletivas devem ser facilitadas, de modo a oferecer a máxima aplicação do direito.

Parece que está se consolidando entendimento jurisprudencial neste sentido. O mesmo STJ já decidiu pela possibilidade de inversão do ônus da prova em uma ação civil pública que tratava de danos ambientais (Resp 1.049.822). Naquele julgamento, ocorrido em abril de 2009, a Primeira Turma do Tribunal entendeu que a inversão pode e deve ser feita não em prol do autor, mas da sociedade.

Este posicionamento jurisprudencial, caso seja realmente consolidado, significará um fabuloso incremento na efetividade da defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos pelo Ministério Público. Trata-se de um marco histórico. Comemoremos! Porém, não devemos incidir no equívoco de perder o estímulo pelo constante aprimoramento e crescimento institucional. Caso contrário, estaríamos transformando esta emblemática vitória numa quimera."

terça-feira, 1 de março de 2011

A hora do Espeto


Esta fotografia, publicada  (sem as falas) hoje (01/03), na primeira página do Jornal o Estado do Maranhão, retrata a inspeção no prédio das Promotorias da Capital, comandada pelo conselheiro Bruno Dantas, do Conselho Nacional. Sobre as cabeças, pensamentos. Quais seriam?