sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

LIMPEZA


FIM DA NOVELA: FICHA LIMPA É CONSTITUCIONAL
Por Rodrigo Pires Ferreira Lago, advogado.
Um ano e oito meses após a publicação no diário oficial da Lei Complementar n° 135/2010, a denominada Lei da Ficha Limpa, finalmente o Supremo Tribunal Federal conseguiu decidir sobre a sua constitucionalidade. Acabou a “A novela da Ficha Limpa”, título do texto publicado no blog Os Constitucionalistas, e onde consta sintética narrativa da batalha judicial que a lei enfrentou no Supremo Tribunal Federal até o reinício do julgamento encerrado no dia 16 de fevereiro de 2012.
Apesar do conteúdo da Lei da Ficha Limpa já ter sido objeto de análise pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em recursos decorrentes das Eleições 2010, nestas oportunidades não se enfrentou a constitucionalidade de todas as novas causas de inelegibilidade. Além disso, alguns votos se limitaram a discutir a questão da incidência ou não do art. 16 da Constituição, que afastaria a aplicação da lei para as Eleições 2010. E foi esse o resultado que prevaleceu no julgamento do Caso Leonídio Bouças (acórdão do RE n° 633.703), quando finalmente o STF superou os impasses decorrentes dos empates nos casos Roriz (acórdão do RE nº 630.147) e Jader (acórdão do RE nº 631.102). Os empates ocorreram porque naquela época o Tribunal estava composto com apenas dez ministros, pois havia uma cadeira vaga em razão da aposentadoria do ministro Eros Grau, e que só viria a ser ocupada em fevereiro de 2011, com a posse do ministro Luiz Fux.
E seria exatamente o ministro Luiz Fux quem viria a ser o relator das ações de controle concentrado de constitucionalidade sobre a Lei da Ficha Limpa. Foram propostas no Supremo Tribunal Federal três ações sobre a Lei da Ficha Limpa: a) Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC n° 29, pelo Partido Popular Socialista – PPS, visando garantir a aplicação da lei a fatos pretéritos a sua vigência (inicial da ADC n° 29 e aditamento à ADI n° 29); b) Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 30, pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, com maior extensão, para declarar a constitucionalidade da lei (inicial ADC n° 30); e c) ADI 4578 pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, impugnando apenas a causa de inelegibilidade da alínea “m” sobre a exclusão dos quadros de órgão  profissional por infração ético-profissional (inicial da ADI n° 4578).
Em todas estas ações o relator, ministro Luiz Fux, adotou o “rito abreviado” do art. 12 da Lei n° 9.868/99. Por este rito, o STF não aprecia os pedidos de medida cautelar, os prazos para a instrução do processo são reduzidos, de forma que o Tribunal se pronuncie diretamente de forma definitiva sobre a lei.
Várias disposições da Lei da Ficha Limpa estavam em discussão, e não toda ela. É que o Supremo Tribunal Federal só conheceu das ações na parte que tratavam das causas de inelegibilidade, como será explicitado mais a frente. Ao final do julgamento, na parte que foram conhecidas as ações, a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional, devendo as novas causas de inelegibilidade valer para fatos inclusive anteriores ao início de sua vigência.
Objeto de discussão
Logo no início do julgamento, o ministro Luiz Fux esclareceu que conheceria integralmente da ADI 4578, proposta pela CNPL, e também da ADC n° 29, proposta pelo PPS. Mas, quanto a ADC n° 30, proposta pelo Conselho Federal da OAB, só conheceria em parte. Eis o trecho do voto do ministro Luiz Fux que delimitou a controvérsia:
Observe-se, por outro lado, que a controvérsia judicial demonstrada cuida exclusivamente das hipóteses de inelegibilidade introduzidas nas alíneas “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h”, “j”, “k”, “l”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, por força da Lei Complementar nº 135/10.  Não há demonstração dessa controvérsia para os demais dispositivos da Lei Complementar nº 135/10.
Portanto, somente os dispositivos indicados neste trecho do voto foram objeto de discussão no julgamento. Além destas disposições, que modificaram causas de inelegibilidade já existentes na Lei Complementar n° 64/90, e criaram causas de inelegibilidade, a Lei da Ficha Limpa modificou e acresceu outros dispositivos da lei. Mas estes outros pontos não foram analisados pelo Supremo Tribunal Federal, como será demonstrado mais adiante.
O julgamento
O julgamento foi iniciado na sessão do dia 09 de novembro de 2011, quando foi lido o relatório, foram produzidas as sustentações orais pelos advogados, ouvido o Procurador-Geral de Justiça, e lido o voto do relator, ministro Luiz Fux.
Pelo voto do Ministro Luiz Fux principia anunciando que o fato de ser uma lei decorrente de iniciativa popular não poderia ser desprezado:
Assim, não cabe a este Tribunal desconsiderar a existência de um descompasso entre a sua jurisprudência e a hoje fortíssima opinião popular a respeito do tema “ficha limpa”, sobretudo porque o debate se instaurou em interpretações plenamente razoáveis da Constituição e da Lei Complementar nº 135/10  – interpretações essas que ora se adotam.
E após sustentar-se em outras razões, afirmou o ministro Luiz Fux que as novas causas de inelegibilidade trazidas pela Lei da Ficha da Ficha Limpa deveriam ser declaradas constitucionais, aplicando-se inclusive para fatos ocorridos antes do início de sua vigência.
Uma condenação criminal havida em 2009, por exemplo, quando não existia a lei, poderia servir como fundamento para a impugnação do registro de candidatura nas Eleições 2012, com base na Lei da Ficha Limpa, que só entrou em vigor em 07 de junho de 2010. E era isso que ocorreria com Jader Barbalho, e outros candidatos, se o Supremo Tribunal Federal tivesse convalidado a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral e aplicado a lei para as Eleições 2010.
Registre-se, porém, que o ministro Luiz Fux trouxe em seu voto originário duas ressalvas à lei. Propôs primeiro “declarar inconstitucional a expressão ‘o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar’ contida no art. 1º, I, ‘k’, da Lei Complementar nº 64/90”, introduzida pela Lei da Ficha Limpa. Desta forma, só ficaria inelegível o mandatário que renunciasse após a abertura do processo deimpeachment ou de quebra de decoro parlamentar.
A segunda ressalva feita pelo ministro Luiz Fux diz quanto à contagem dos prazos de inelegibilidade que tenham por origem decisões não transitadas em julgado em ações penais e ações de improbidade. A proposta do ministro Luiz Fux era “declarar parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, o art. 1º, I, alíneas ‘e’ e ‘l’, da Lei Complementar nº 64/90, com redação conferida pela Lei Complementar nº 135/10, para, em interpretação conforme a Constituição” no sentido de que o prazo de inelegibilidade cumprido entre a condenação por órgão colegiado e o trânsito em julgado fosse abatido do prazo final de inelegibilidade.
O Tribunal estava desfalcado de um ministro, uma vez que a presidente da República ainda não indicara à sabatina pelo Senado o nome de quem ocuparia a cadeira vaga com a aposentadoria da ministra Ellen Gracie. Assim, receando um novo empate, que só desgastaria a imagem do STF e constrangeria o futuro indicado ao STF, que já o seria com a missão de desempatar o julgamento, o ministro Joaquim Barbosa pediu vista dos processos.
No dia seguinte a suspensão do julgamento, ao ser interpelado pela imprensa sobre as críticas que o seu voto recebera dos movimentos que defendiam a Ficha Limpa, o ministro Luiz Fux declarou: “Eu mesmo posso mudar. Você sempre reflete sobre a repercussão da decisão”. Foi o que noticiou a matéria da jornalista Débora Santos, do portal G1 (“Ministro do STF diz que pode mudar voto sobre Ficha Limpa”).
No dia 1º de dezembro de 2011, já tendo sido indicado ao Senado Federal o nome da ministra Rosa Weber para compor o STF, mas antes de sua aprovação e posse, o ministro Joaquim Barbosa apresentou o processo para julgamento no Plenário. É provável que o tenha feito com receio de ser necessária mais uma licença por motivo de saúde após ser empossada a ministra Rosa Weber, caso o seu nome fosse aprovado no Senado Federal.
voto-vista do ministro Joaquim Barbosa divergiu em pequena parte do voto do relator, ministro Luiz Fux. Para o ministro Joaquim Barbosa, não haveria ressalvas a serem feitas na lei, que deveria ser declarada constitucional. O julgamento foi suspenso com pedido de vista do ministro Dias Toffoli, exatamente para evitar o indesejável empate, possível enquanto o Tribunal não estivesse plenamente composto.
Logo após a leitura do voto do ministro Joaquim Barbosa, o ministro Luiz Fux retomou a palavra para retificar o seu voto. Estava consumado o que anunciara à imprensa. Retirou do seu voto a primeira ressalva quanto a Lei da Ficha Limpa, no que diz respeito a alínea “k”. Não é demais lembrar que foi exatamente esta causa de inelegibilidade que serviu como fundamento para a impugnação de Joaquim Roriz, obrigando-o a renunciar a sua candidatura a governador do Distrito Federal, e Jader Barbalho, candidato a senador pelo Pará, e que só foi empossado após longa batalha no Supremo Tribunal Federal para afastar a aplicação da nova lei para as Eleições 2010.
voto-vista do ministro Dias Toffoli abriu divergência em maior extensão, declarando inconstitucionais várias disposições da Lei da Ficha Limpa. Para o ministro Toffoli, haveria a “necessidade de aplicação do princípio da presunção de inocência às causas de inelegibilidade previstas na legislação infraconstitucional”. Em seu voto, o ministro ressaltou que a questão fora decidida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n° 144 (acórdão da ADPF n° 144).
Em seu voto divergente, o ministro Dias Toffoli também propôs declarar inconstitucional a alínea “n”, que prevê a inelegibilidade a quem haja simulado desfazimento de vínculo conjugal para evitar a caracterização de inelegibilidade. E ainda declarava inconstitucional, sem redução de texto, a nova redação da alíne “g”, para afirmar que é do Poder Legislativo apenas, e não dos tribunais de contas, a competência para julgar contas dos chefes do Poder Executivo, ainda que tenham agido na condição de ordenadores de despesas.
Todavia, afastada as inconstitucionalidades que apontou em seu voto, o ministro Dias Toffoli entendeu ser possível aplicar as novas causas e os novos prazos de inelegibilidade a fatos ocorridos antes mesmo do início de vigência da lei. Neste ponto, acompanhou os ministros Luiz Fux e Joaquim Barbosa.
Após a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli, os quatro ministros a votarem na sequência já seriam suficientes a garantir maioria absoluta ao voto do ministro Luiz Fux, ao qual se somaria em parte o voto do ministro Joaquim Barbosa, pela declaração de constitucionalidade da lei, aplicando-se inclusive aos fatos pretéritos a sua vigência.
Isso porque, os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto acompanharam integralmente o voto do ministro Joaquim Barbosa, sem qualquer ressalva.
Como de costume, o ministro Ayres Britto produziu mais uma frase de efeito: “Uma pessoa que desfila pela passarela quase inteira do Código Penal, ou da Lei de Improbidade Administrativa, pode se apresentar como candidato?”, indagou.
Já a ministra Cármen Lúcia acompanhou o ministro Luiz Fux, fazendo a ressalva sobre a contagem dos prazos. Com isso, a Lei da Ficha Limpa já contava com votos suficientes para ser declarada constitucional. Mas, com estes votos, ainda prevaleceria a pequena ressalva do voto do ministro Luiz Fux.
Coube ao voto do ministro Gilmar Mendes inaugurar a divergência na outra controvérsia mais relevante. Pontuou o ministro que “o legislador apanhou fatos jurídicos passados para modificar seus efeitos no futuro, em detrimento dos direitos políticos fundamentais de cidadãos específicos”. Ao final, asseverou que essa exegese violaria “o princípio da irretroatividade da lei”. Também em seu voto, inaugurou divergência sobre a inelegibilidade prevista na alínea “m”, que prevê a inelegibilidade de quem haja sido excluído da profissão por decisão de órgão profissional por infração ética-profissional.
No que diz respeito ao princípio da presunção de inocência, e também sobre a competência exclusiva do Poder Legislativo para o julgamento das contas prestadas pelos chefes do Poder Executivo, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do ministro Dias Toffoli.
O voto do ministro Marco Aurélio era o momento mais aguardado da sessão. Crítico contumaz de alguns aspectos da Lei da Ficha Limpa e de sua aplicação retroativa, foi o ministro Marco Aurélio, ainda no TSE, o primeiro ministro do STF a propor a não aplicação da lei para as Eleições 2010, tese que só seria reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal meses depois, já após a posse dos eleitos em 2010.
Todos esperavam que o ministro Marco Aurélio votasse pela inconstitucionalidade da lei na parte que dispensa o trânsito em julgado para fins de inelegibilidade. Mas a jornalista Mônica Bergamo publicara dias antes em sua coluna na Folha de São Paulo que o ministro Marco Aurélio, “que era tido como contrário à regra, votará, na verdade, favoravelmente a ela”. E de fato votou pela constitucionalidade da lei.
O ministro Marco Aurélio assentou não poder “endossar a postura daqueles que acreditam na morosidade da justiça e interpõem sucessivos recursos para projetar no tempo, visando não cumprir o decreto condenatório, o trânsito em julgado da decisão”. Com isso, acompanhou o ministro Joaquim Barbosa sobre a inexistência de ofensa ao princípio da presunção de inocência.
Entretanto, o ministro Marco Aurélio acompanhou o ministro Gilmar Mendes afastando a aplicação da lei para fatos pretéritos. Neste ponto, registrou: “Vamos consertar o Brasil de forma prospectiva, e não forma retroativa, sob pena de não termos mais segurança jurídica”.
Os ministros Celso de Mello, decano do Tribunal, e Cezar Peluso, presidente, também seguiram a divergência, nos limites impressos no voto do ministro Gilmar Mendes.
Ao final, prevaleceu a posição adotada no voto-vista do ministro Joaquim Barbosa, semelhante na conclusão com o voto do relator, ministro Luiz Fux, mas sem as ressalvas que este fizera no início do julgamento. Ou seja, a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional sem qualquer ressalva ao seu texto. E também assentou o STF que as novas causas de inelegibilidade, e as alterações das causas de inelegibilidade já previstas na Lei das Inelegibilidades, poderão alcançar fatos pretéritos à sua vigência. Por ter sido vencido em parte insignificante de seu voto, incumbirá ao ministro Luiz Fux a tarefa de ser relator para o acórdão.
Assim, foi julgada improcedente a ADI 4578, e procedentes as ADC´s 29 e 30, declarando-se constitucionais as alíneas “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h”, “j”, “k”, “l”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, admitindo-se a sua aplicação para fatos ocorridos antes mesmo do início de sua vigência.
Cabe registrar que esta decisão do Supremo Tribunal Federal acaba por tornar a aplicação da Lei da Ficha Limpa ainda mais severa do que vinha aplicando a jurisprudência do TSE antes da lei ser afastada do processo eleitoral de 2010. Por fim, não é demais rememorar que não foi a lei toda submetida ao crivo do STF, de forma que há outras disposições em seu texto de discutível conformação constitucional. Mas estes dois pontos serão objetos de exame em outra oportunidade.
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RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO é advogado, conselheiro seccional e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA. É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), fundador e articulista do Os Constitucionalistas. Siga o autor no Twitter @rodlago e no Facebook.
Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF.
Publicado originalmente no Blog Os Constitucionalistas

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Prior in tempore, potior in iure*


O FATOR ANTIGUIDADE
Por José Márcio Maia Alves, promotor de justiça em Barreirinhas.

No dia 16/09/2011, lançamos aqui no blog o primeiro debate off-line para as eleições do Conselho Superior do Ministério Público do Maranhão. Foram elaboradas perguntas de interesse da classe acerca de assuntos sensíveis e que precisavam ser enfrentados. Dentre eles, tratamos dos quintos sucessivos e das “permutas simuladas”, temas que tocam em algo que é essencial e basilar para o sistema de movimentação na carreira do Ministério Público: a antiguidade.

Com o fim das permutas simuladas, evitam-se as remoções casuísticas que atendiam a interesses personalíssimos que ignoravam a impessoalidade, em detrimento do interesse dos promotores mais antigos na entrância a acessarem as promotorias que vagavam por promoção; já com a regulamentação dos quintos sucessivos (essa, na minha avaliação, a contribuição mais valiosa de toda a história do CSMP/MA no que tange às movimentações na carreira), passamos a ter a garantia de que a escolha sempre recairá sobre um dos mais antigos na entrância, inscritos para remoção ou promoção por merecimento. Será um deles o necessariamente contemplado nas votações acerca da movimentação horizontal ou vertical.

Os conselheiros estão de parabéns! Estão correspondendo às expectativas da classe, travando debates valiosos e votando acertadamente questões que só aprimoram a nossa instituição. Os posicionamentos tem sido claros, as opiniões abalizadas e expostas de forma democrática e respeitosa.

Mas, ainda com o objetivo de assegurar o respeito à antiguidade nas movimentações, especificamente no que tange às remoções, no último dia 06/02, protocolizei junto com os colegas Frank Teles de Araújo, Ilma de Paiva Pereira e Luís Samarone Batalha Carvalho, um pedido de providências perante o CSMP para que o órgão revisite o art. 81 da Lei Complementar 13/91, de forma a dar a ele interpretação que faça justiça aos colegas mais antigos na entrância.

Referido artigo assevera que “a promoção será precedida da remoção e far-se-á, de imediato, para a vaga remanescente”. A interpretação que se tem dado a ele é de que a promotoria deixada pelo colega em razão de remoção seria oportunizada à promoção porque seria ela remanescente.

Ora, não há dúvidas de que o princípio subjacente pelo qual a Constituição Federal prima quanto à movimentação na carreira é o da “priorização da antiguidade”. Isso fica claro quando a nossa Carta impõe que as promoções se farão por antiguidade propriamente dita e por merecimento entre os que ocupem a primeira quinta parte da lista de antiguidade, leia-se: os mais antigos na entrância. E mais, corrigindo omissão quanto às remoções, a Emenda Constitucional nº 45/2004 estendeu a estas os mesmos critérios das promoções (CF, art. 93, VIII, “a”).

Quer-se dizer que o constituinte elegeu o respeito à antiguidade quando o assunto é movimentação na carreira. E é esse o argumento que sugere não parecer razoável se oportunizar promotorias mais atrativas, mais próximas de centros urbanos mais desenvolvidos e com melhor estrutura, ao colega que está na entrância inferior, se não foram elas oportunizadas a quem já está na mesma entrância destas promotorias. Data vênia, não parece justo que o colega que se dispôs a ser promovido para uma promotoria de uma comarca distante, longe de sua base familiar e que lá está dando a sua contribuição à instituição, não possa ter a oportunidade de acessar uma promotoria que atenda melhor aos seus interesses antes que seja ela disponibilizada para o acesso aos colegas da entrância inferior. Não parece razoável que o colega mais novo na entrância superior, mas que é necessariamente mais antigo nela do que qualquer um e até o mais antigo da entrância inferior, veja-se preterido de concorrer à remoção para uma promotoria vaga na sua mesma entrância, respeitando-se os critérios de antiguidade e merecimento e sob a égide da observância aos quintos sucessivos na disputa com seus pares da mesma entrância.

Daí entender-se que o que “remanesce” para fins de movimentação na carreira deve ser o que não foi objeto de interesse dos mais antigos e mais novos que já estão na entrância. Significa dizer que se uma promotoria fica vaga em razão de remoção, antes de ser objeto de promoção, deve ser submetida aos interesses dos demais colegas da mesma entrância porque mais antigos do que qualquer um dos que, na entrância inferior, tenham interesse de acessá-la por promoção. Por fim, repita-se, entendemos que “vaga remanescente” só poderá ser assim considerada se ninguém da mesma entrância pretendeu ocupá-la. É a única forma de dar uma interpretação a esse termo de forma a adequá-lo a um sistema de movimentação na carreira que prioriza a antiguidade.

Poder-se-ia argumentar em contraponto: mas há colegas da entrância inferior que preferem não ser promovidos para esperar que abra para promoção uma “boa” promotoria. Com todo respeito aos colegas nessa situação, mas parece coerente entender-se a partir de um sistema baseado na prioridade à antiguidade, que aos mais antigos na entrância inferior, deve ser franqueada toda a prioridade para o acesso às “melhores” promotorias da entrância que ocupam, porque mais antigos perante os seus colegas da mesma entrância, mas, o mais antigo deles não haverá de ter prioridade sobre o mais novo da entrância superior no acesso a qualquer promotoria desta entrância. O contrário seria subverter a lógica do sistema que, frise-se, tem como premissa o respeito à antiguidade. A prioridade aos mais antigos na entrância para as remoções às promotorias vagas por remoção deverá ser respeitada, inclusive, quando o colega não contar com o interstício de um ano, assunto que já foi submetido por mim mesmo ao CSMP e sobre o qual já ouço nos bastidores o desejo de que seja enfrentado definitivamente.

Por fim, o que fica é o pensamento e o desejo de que é necessário reafirmar a prioridade da antiguidade como premissa-mor nas movimentações na carreira, seja por antiguidade ou por merecimento, seja em remoções ou promoções. É bom para todos, pois um dia todos serão antigos. A atual composição do CSMP/MA tem sido muito feliz nesse sentido.

(Publicado, originalmente, no Blog do José Márcio)
* "Anterior no tempo, mais forte no direito."


domingo, 5 de fevereiro de 2012

Rumo

A CORRUPÇÃO E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO MARANHÃO
Por Samaroni de Sousa Maia, promotor de justiça em São José de Ribamar


A revista semanal Época (ed. 715, de 30/01/12) ostentou em sua capa a matéria “ANATOMIA DA CORRUPÇÃO”, onde “lista as modalidades de corrupção mais comuns no Brasil” e propôs “ideias para diminuir a roubalheira” (p. 56/68).

Como membro do MP estadual chamou minha especial atenção a sugestão de “aumentar o poder e a especialização dos órgãos fiscalizadores”, terceira ideia para “diminuir a corrupção”. Nesse item, o repórter expôs a opinião de Weber Abramo, da Transparência Brasil, para quem “O Brasil está bem aparelhado na esfera federal”. “Falta ampliar para Estados e municípios, onde os controles são muito fracos”.

Em seguida o repórter afirma o seguinte: “Responsáveis por fiscalizar prefeitos e governadores, os Tribunais de Contas dos Estados são controlados politicamente. Nas esferas estadual e municipal, não há órgãos como a CGU. Com isso, os Ministérios Públicos estaduais acabam sendo os únicos encarregados do trabalho”.

Em novembro de 2009 postei um artigo no blog “O Parquet”, do colega Juarez, intitulado “O que falta?”, no qual afirmei que nós não tínhamos uma política institucional de defesa do patrimônio público, destacando a existência de iniciativas isoladas de alguns colegas nessa esfera de atribuição.

A única consequência desse artigo foi a instauração contra mim de procedimento disciplinar porque uma Promotora de Justiça, um Promotor Corregedor e a Corregedora-Geral do MP entenderam que eu não estava exercendo minha liberdade de expressão, mas, ao contrário, havia violado meu dever funcional de zelar pelo respeito aos membros da Instituição (art. 103, II, LC nº 13/91). A sindicância respectiva tramitou entre abril de 2010 e outubro de 2011. Isso mesmo, dezoito meses respondendo a um procedimento disciplinar por haver exposto meu ponto de vista.

Nesse período, além de não ter havido qualquer medida para melhorar o panorama de atuação nessa área, o CAOP-ProAd, órgão que deveria ser catalisador de uma atuação sistematizada e coordenada no combate a corrupção em nosso Estado, deixou de existir de fato, limitando-se a figurar na página eletrônica do MPMA.

Então, como afirmou em recente entrevista o Ministro do Dias Toffoli, do STF, “o MP, da maneira como se organizou, com cada membro sendo uma instituição, não se mostrou apto a dar efetividade à Constituição”, ou seja, funcionando cada Promotor de Justiça como uma verdadeira ilha, sem apoio e sem coordenação, muito pouco podemos fazer.

O curioso é que o combate à corrupção sempre ocupa lugar de destaque nos discursos dos candidatos a dirigir nossa Instituição, porém, passadas as eleições e as nomeações, ao menos no MP do Maranhão, o tema é tratado quase que com desprezo.

A moção elogiosa do TCE dirigida ao colega Joaquim Júnior por sua destacada atuação na defesa do patrimônio público é um ponto positivo, que retrata sua determinação no desempenho dessa atribuição e, por outro lado, revela mais uma vez que o Ministério Público maranhense depende exclusivamente das iniciativas individuais de seus membros, ao menos nessa área.

Assim, espero que externar essa opinião não provoque unicamente medida de cunho intimidatório contra minha pessoa, mas uma reflexão sobre a pouca importância que estamos dando como Instituição ao combate à malversação dos recursos públicos, sobretudo em um Estado onde os índices de pobreza são alarmantes, onde cada tostão desviado faz diferença aos mais necessitados, sedentos de emprego, saúde, educação etc.

Por último, espero que os futuros e os já atuais candidatos a PGJ apresentem reais propostas de como pretendem fazer para enfrentar esse tema em sua eventual administração.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Opinião 2


DOIS EXEMPLOS
Por José Osmar Alves, promotor de justiça em São Luís.


Na minha postagem anterior neste blog (O Melhor Governo) pretendi mostrar à governadora Roseana Sarney a importância da atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário para o cumprimento de sua promessa de fazer o melhor governo de sua vida. Nos últimos dias, dois episódios ilustram bem o que eu disse.

PRIMEIRO:
Quinta-feira, 16 de janeiro de 2012, sede da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão. Em reunião do Conselho Superior do Ministério Público restou indicado, por maioria de votos, o nome da procuradora de justiça Themis Maria Pacheco de Carvalho para assumir a direção da Escola Superior do Ministério Público. Alegando que Themis é sua inimiga, a Procuradora Geral se nega a nomear a eleita. Themis, então, recorre ao Tribunal de Justiça e consegue uma liminar, em mandado de segurança, obrigando a chefe do MP a lhe nomear. No dia seguinte, a Procuradora Geral reverte a situação, obtendo a suspensão da liminar – pasme-se –, com o mesmo argumento que usara para não nomear: ser inimiga capital da eleita. Nenhuma preocupação com a existência ou não de direito líquido e certo, fumaça de bom direito, perigo na demora, questão interna corporis, penduricalhos sem importância quando em disputa a intriga de “sangue a fogo” dos contendores, a exibição do poder pelo poder, a batalha dos egos. No meio desse torvelinho de razões desarrazoadas quase ninguém se lembra do pobre povo maranhense, vergado sob o peso imenso dos impostos que precisa pagar para sustentar essa...

SEGUNDO:
Sexta-feira, 20 de janeiro de 2012, 9h da manhã, gabinete da 8ª Vara Criminal da Comarca de São Luís. Antes de iniciarmos uma audiência de instrução e julgamento, um assistente da direção do Fórum entra na sala e comunica à juíza que acabara de pedir aos operários que parassem o trabalho nas imediações do gabinete, para evitar o barulho que prejudicaria a realização do ato. Isto porque o Tribunal de Justiça instalou uma parte das varas nas dependências do novo prédio do Fórum da Capital, ainda em construção. Na entrada do portentoso edifício inacabado há uma placa indicando que a obra foi inaugurada no dia 15 de dezembro de 2011. Uns cinco metros à frente, tapumes, placas indicando perigo, operários trabalhando freneticamente. O Código de Obras do Município de São Luís proíbe que um edifício novo seja habitado sem a vistoria do Corpo de Bombeiros, sem o “habite-se” da Prefeitura, documento que atesta que o imóvel foi construído segundo os padrões definidos em lei, de modo a garantir a segurança das pessoas que utilizarão o imóvel, de acordo com sua destinação. E tais vistorias – por evidente – só podem ser feitas após a conclusão da obra. No entanto, para o Poder Judiciário maranhense nada disso importa. Leis? Que leis?! Ah, sim, as leis... Espere um pouco, meu rapaz, não se esqueça de que nós somos o Poder Judiciário, não nos submetemos a leis. Nós aplicamos as leis, e elas só valem para os outros...