Terreno em que quase sempre vigora a
paixão, à qual a razão ainda oferece algum suporte, não de hoje,
creio, de sempre e “per omnia saecula saeculorum”. O termo não
poderia ser mais apropriado: partidária – porque não representa o
todo, só parte. Sob suas siglas, um perfeito parvo se transmuta em
cândido idealista; sob siglas alheias, quem tiver virtudes será
apupado como hipócrita, pelo simples fato de estar nessas, não
naqueloutras siglas ou bandeiras. Sob o cetro da paixão partidária,
“mutatis mutandis”, tanto faz a massa ignara do rincão ou a nata
enfatuada do ateneu: alimentam-se do mesmo colostro e arrotam pelo
mesmo motivo. Nesse terreno, oportunistas de toda ordem e inocentes
úteis – sempre muito úteis, mesmo que não se julguem “inocentes”
– são congregados para conjugarem os mesmos verbos para outros
sujeitos tíbios de predicados. "In hoc signo vinces".
domingo, 22 de setembro de 2013
sábado, 14 de setembro de 2013
(in)Diferenças
Até agora, os que
morrem não retornam, mesmo porque todos merecem o descanso eterno.
Mas estamos nos habituando em demasia às perdas. Se a indesejada tem
direito a um quinhão diário, não deveria violar a preferência da
antiguidade. Sim, primeiro os primeiros. Não “os últimos
serão....”, não. Perdas próximas, perdas de notáveis – dos
quais guardamos cúmplice ilusão de proximidade – e essas
incontáveis perdas anônimas, às centenas, aos milhares e mais,
colhidas pela miséria, pelas guerras, pelo trânsito, pelas
catástrofes, pelos homicidas, latrocidas, pesticidas. As mortes
evitáveis deveriam levantar-nos do cômodo. No Serengeti, quando
felinos se lançam à caça de zebras, gnus, búfalos ou gazelas, os
que ficam fora do raio de ação, ou dele se afastam, lançam
discreto olhar sobre a morte alheia e continuam a pastar, com sua
vida que segue. Mesmo sendo animais, poderíamos ser diferentes: menos indiferentes.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
Talento
Sobre o palco, a diva,
absoluta em corpo, roupas, essências e maquiagem, o procura. Deve
ser um dos muitos pares de olhos da assistência. Ela crê que o
seja. Rompem aplausos, começa. A voz levanta versos e notas em tons
e modos tão unicamente delicados, que, aos poucos, um arrepio se
alonga no corpo e na alma de todos. Em cada música, ela transborda
a divina alegria dos amantes enamorados. E o público, cúmplice do
mesmo enlevo, embarca num delírio que viola as imperfeições da
realidade. Nesse êxtase, o mundo inteiro parece bom. Parece. Mas,
não é ele. Tinha mesmo dito fim. Rompem aplausos. E a diva torna ao
palco, absoluta em sofrimento e pranto. A voz arrasta versos e notas
em tons e modos tão unicamente repletos de desespero que, aos
poucos, não há olhos sem gêmeas lágrimas, ou corações sem
frescas chagas. Pela força que a dor empresta ao talento, ela
impinge a todos parte do abandono que a encarcera. Canta e encanta.
Irrompem aplausos, suspiros, gritos e mais aplausos cheios de
admiração e respeito. Para os fãs, a consagração do mais puro
talento. Para ela, a certeza do quarto solitário, da cama fria e
vazia, onde, horas mais tarde, encontram uns comprimidos, uma tesoura aberta, um
talho nos pulsos.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
Outono
Quase assim.
Não tinha dúvida que eram muitos e alguns até belos, de bom gosto
e rima. Ouvira isso, para lustro da vaidade. Por eles nutria a
sensação que se guarda das coisas simples e puras, ditadas pela
honestidade de uma alma gentil. Mas saboreava incompletas lembranças,
e não conseguia resgatar da memória encanecida a mesma ordem
daquelas palavras e, principalmente, os efeitos que elas tinham
assumido com seu estilo – a seu único e parcial juízo –
inusitado e criativo. Vezes tentava, em vão, pois nenhum deles
retornava à luz, imolando-se a meio do caminho memorial, numa
sensação esquisita, repetitiva, perniciosa. Ora, ora. Justo quando
findos esses anos de trabalho pela sobrevivência, escalando os
degraus da aposentadoria, seria o momento de retocá-los e,
garimpando simpatias ou favores, publicá-los nalgum sarau literário
ou num respeitável espaço cibernético, já não os via, nem os
burilava por tempo considerável. Ó tempo rei! Mesmo com tanto
esforço nessa lida, não conseguia encontrá-los. Agora, atarantado,
indagava à mulher, à filha, ao neto, consultava o cachorro: Rita,
onde estão meus versos?
domingo, 8 de setembro de 2013
À espreita
Ninguém
torça pelo final, tal qual se apresenta, entre pai e filho, a morte.
E como ela espreita! Dias antes, o moço, em modos rudes, foi à
autoridade reclamar sua parte sobre direitos da falecida mãe: um
pouco de gado e a banda de uma casa. Retornou do Tocantins, onde se
fizera homem, e, agora, com mulher, tem pressa. Lacônico,
mentiu, não sobre os bens, sobre o genitor, como se este o
malquisesse, ou pretendesse lhe usurpar o quinhão. Saiu a troçar
pelas ruas, sobre as falas que o pai haveria de engolir da
autoridade, e com o álcool nas veias, esmurrando mesas, repetia seu
desiderato, sob os olhos ávidos dos oportunos amigos de copo. Correm
os dias, o pai chega à autoridade, e num fôlego de quase trinta
minutos, relata as agruras desde o câncer da esposa, as idas a
Teresina, o tratamento doloroso, o sofrimento e o fim. Do casal de
filhos, o menino, muito cedo, metera-se na habilidade de frequentar
jogatinas, e de pegar dinheiro onde não devia, inaugurando algumas
vergonhas familiares que, se não próprias da juventude, teimam em
começar por aí. Em socorro, a tia se ofereceu para recebê-lo no
Tocantins, mas, em meia dúzia de anos, seu único ganho foi pôr um
corpo avantajado sobre seu espírito perdulário. Nem escola, nem
emprego, nem relação decente, nada o contentou. Sua avidez pelo
dinheiro, pela dissipação, o trouxe de volta à cidade e à turra
com o pai: que vendesse o gado, vendesse a casa, e lhe desse a sua
parte. Ao chegar ao capítulo dos entreveros e das ameaças, o relato do pai se fraciona, entrecortado por soluços e suspiros mal contidos, e
como se pilotasse a nau do desespero, e soubesse, com a morte à
espreita, onde tudo pode soçobrar, arremata seu pranto, indagando um
conselho, uma providência. “– Fuja!”.
sábado, 7 de setembro de 2013
Lona
Vamos abrir porta,
janela, arejar a casa, ir à rua, num giro sem pressa. Desconter o
riso e lançar cumprimentos a um e outro. Esquecer o ontem na
despensa dos ontens, e desembrulhar o celofane do dia, buscando
palavras para as ideias que não morreram, ainda. Calar esta mudez
incômoda.
Esses meses e meses sem
nada escrever, confesso, têm me envelhecido a alma. Vezes retornei
aqui, elaborei pensamentos, mas não laborei a página, e tudo
continuou nada, pois não há aplicativo para upload e download de pensamentos.
Morri de desinspiração,
mas não quero morrer. Por isso, recomeço, da lona.
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