Ninguém
torça pelo final, tal qual se apresenta, entre pai e filho, a morte.
E como ela espreita! Dias antes, o moço, em modos rudes, foi à
autoridade reclamar sua parte sobre direitos da falecida mãe: um
pouco de gado e a banda de uma casa. Retornou do Tocantins, onde se
fizera homem, e, agora, com mulher, tem pressa. Lacônico,
mentiu, não sobre os bens, sobre o genitor, como se este o
malquisesse, ou pretendesse lhe usurpar o quinhão. Saiu a troçar
pelas ruas, sobre as falas que o pai haveria de engolir da
autoridade, e com o álcool nas veias, esmurrando mesas, repetia seu
desiderato, sob os olhos ávidos dos oportunos amigos de copo. Correm
os dias, o pai chega à autoridade, e num fôlego de quase trinta
minutos, relata as agruras desde o câncer da esposa, as idas a
Teresina, o tratamento doloroso, o sofrimento e o fim. Do casal de
filhos, o menino, muito cedo, metera-se na habilidade de frequentar
jogatinas, e de pegar dinheiro onde não devia, inaugurando algumas
vergonhas familiares que, se não próprias da juventude, teimam em
começar por aí. Em socorro, a tia se ofereceu para recebê-lo no
Tocantins, mas, em meia dúzia de anos, seu único ganho foi pôr um
corpo avantajado sobre seu espírito perdulário. Nem escola, nem
emprego, nem relação decente, nada o contentou. Sua avidez pelo
dinheiro, pela dissipação, o trouxe de volta à cidade e à turra
com o pai: que vendesse o gado, vendesse a casa, e lhe desse a sua
parte. Ao chegar ao capítulo dos entreveros e das ameaças, o relato do pai se fraciona, entrecortado por soluços e suspiros mal contidos, e
como se pilotasse a nau do desespero, e soubesse, com a morte à
espreita, onde tudo pode soçobrar, arremata seu pranto, indagando um
conselho, uma providência. “– Fuja!”.
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