terça-feira, 10 de setembro de 2013

Talento


Sobre o palco, a diva, absoluta em corpo, roupas, essências e maquiagem, o procura. Deve ser um dos muitos pares de olhos da assistência. Ela crê que o seja. Rompem aplausos, começa. A voz levanta versos e notas em tons e modos tão unicamente delicados, que, aos poucos, um arrepio se alonga no corpo e na alma de todos. Em cada música, ela transborda a divina alegria dos amantes enamorados. E o público, cúmplice do mesmo enlevo, embarca num delírio que viola as imperfeições da realidade. Nesse êxtase, o mundo inteiro parece bom. Parece. Mas, não é ele. Tinha mesmo dito fim. Rompem aplausos. E a diva torna ao palco, absoluta em sofrimento e pranto. A voz arrasta versos e notas em tons e modos tão unicamente repletos de desespero que, aos poucos, não há olhos sem gêmeas lágrimas, ou corações sem frescas chagas. Pela força que a dor empresta ao talento, ela impinge a todos parte do abandono que a encarcera. Canta e encanta. Irrompem aplausos, suspiros, gritos e mais aplausos cheios de admiração e respeito. Para os fãs, a consagração do mais puro talento. Para ela, a certeza do quarto solitário, da cama fria e vazia, onde, horas mais tarde, encontram uns comprimidos, uma tesoura aberta, um talho nos pulsos.

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