segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A ponta do rabo



Por Celso Coutinho, filho. – titular da Promotoria de Justiça da Comarca de São Bento-MA.

"Endosso a contrariedade em relação à inclassificável decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Maranhão, escorada no Tribunal Superior Eleitoral, em não remunerar os promotores eleitorais auxiliares no pleito de 2012, a despeito dessa remuneração estar garantida aos juízes. Têm o meu apoio todos os colegas que disseram não a essa indignidade. O brado da colega Camila Gaspar pode estar deflagrando, positivamente, um novo momento do Ministério Público.

Coloco-me, desde já, à disposição para a luta, que não pode deixar de ser lutada com veemência e, sobretudo, inteligência. Garantias, prerrogativas e direitos não costumam ser retirados de um só golpe. É, portanto, preciso reagir de forma enérgica com habilidade e sagacidade, sob pena de nos amesquinharmos não somente no processo eleitoral, mas no todo institucional.

Ainda assim, ao meu sentir o problema é bem maior, constituindo o enviesado discrímen do TRE/MA apenas a ponta do rabo que ficou para fora desse mostrengo doido para nos devorar. Essa decisão do TRE/MA é, afinal, o coroamento da humilhação a que o Ministério Público vem sendo submetido ao longo de todo o processo eleitoral, não só nessa fase de votação das eleições que se avizinham. O que se repete a cada pleito.

Creio, então, que a nossa insurgência não deva se resumir tanto, ficando centrada apenas na questão remuneratória dos promotores eleitorais auxiliares, mas, também, deva alcançar a situação estrutural do Ministério Público Eleitoral.

Não existem Promotorias Eleitorais no Estado do Maranhão. Existem, na verdade, esforçados e combatentes promotores eleitorais. Sim, porque ao promotor não é dado um clipe sequer para o desempenho de seu trabalho na área eleitoral. Enquanto o juiz eleitoral atua rodeado de servidores, munidos dos mais modernos equipamentos de informática e outros, além de uma estrutura física que inclui, em alguns casos, até Fórum específico da Justiça Eleitoral, o promotor eleitoral assemelha-se a um pedinte no exercício de seu múnus. Nada de errado em relação ao juiz eleitoral, ao contrário. No entanto, o problema é que a situação do promotor eleitoral é, escandalosamente, inversa.

Escrevo este texto na manhã de sábado (06/10/2012), véspera do dia da votação. Vou ter que dar uma pausa no que estou escrevendo para atender ao telefone da Promotoria, pois não tem servidor com função eleitoral. [...] Retornei. Era uma denúncia de compra de votos. E agora? O que faço? EU vou telefonar à Polícia para averiguar. EU vou atrás do telefone da Polícia. EU vou fazer a ligação. EU vou fazer um Ofício à Polícia para formalizar o pedido de averiguação. EU mesmo vou levar o Ofício à Polícia. Que mais EU vou fazer?

Antes disso tinha feito uma representação ao Juiz eleitoral solicitando a notificação dos Comandos da Polícia Militar nos quatro Municípios que integram a 38ª Zona Eleitoral para uma atuação preventiva, logo que encerrado o prazo das 22:00 horas de hoje (06/10/2012), para coibir a propaganda eleitoral e a compra de votos durante a madrugada que se segue e o dia da votação. Preparada a representação, EU peguei o meu carro e fui até ao Fórum Eleitoral protocolar a representação, onde tentei falar com o Juiz.

A representação foi protocolada. EU aguardei em frente ao balcão a efetivação desse protocolo, peguei a segunda via e, ao retornar à “Promotoria”, EU, mesmo, a arquivei na pasta própria. Porém, falar com o Juiz não me foi possível, pois o Juiz em companhia de sua colega Juíza, que também trabalhará nessa Zona Eleitoral durante essas eleições, devidamente remunerada, estavam em pleno voo de helicóptero, fazendo um reconhecimento de área. E ao Promotor, nem um velocípede é posto à sua disposição. Nenhuma reparação aos Juízes. A eles tem que ser dada toda a estrutura para o exercício do seu múnus. Mas, ao membro do Ministério Público, nem um apontador de lápis?
Ah, sim! O telefone, o computador em que fiz a representação, a impressora, a folha de papel em que foi impressa, a pasta de arquivo, tudo é fornecido pela Procuradoria Geral de Justiça, nada é do Ministério Público Eleitoral, que, simplesmente, toma emprestado para nunca devolver. Aliás, aqui cabe uma indagação, não só moral, mas, também, jurídica, sobre a regularidade de o Ministério Público do Estado do Maranhão levar nas costas o Ministério Público Eleitoral, que é federal.

Não estou a dizer que as Promotorias de Justiça estão às mil maravilhas. Longe disso. Mais uma vez comparando com o Poder Judiciário, nesse caso com a Justiça Comum, a situação é de muita precariedade. Contudo, nesse caso, percebe-se, ao longo dos anos, a Administração Superior do Ministério Público tentando melhorar essa situação. Hoje, por exemplo, não estou mais em uma sala de fórum, embora ainda tenham colegas que estejam, o que, creio, encontra-se em vias de acabar. Mesmo assim, é preciso mais, muito mais. No caso das Promotorias Eleitorais, inversamente, o que se notou, até aqui, é uma visível acomodação de todos, da qual não me excluo. Não basta apenas se sentir incomodado. É necessário exteriorizar esse sentimento e a recusa da colega Camila Gaspar seja, talvez, o marco histórico dessa irresignação.

Amanhã, domingo (07/10/2012), dia da votação, um dos servidores da Promotoria de Justiça, colocou-se à disposição e virá prestar-me auxílio nas funções do eleitoral. Nenhuma obrigação tem de vir. É, unicamente, compromisso pessoal. A situação dos servidores é ainda mais penosa que a do promotor eleitoral. Não dá para se lhes exigir esse voluntarismo. Estamos no exercício de uma profissão. Devemos, portanto, ser profissionais.

Sou recorrente em dizer que, enquanto não assumirmos, definitivamente, a nossa missão constitucional, a estrutura que temos dá para ir levando. Já que improvisamos em nossas atribuições, improvisamos também nas condições de trabalho.

Tenho absoluta certeza que o depoimento que faço não é meu apenas, mas, seguramente, pode ser dado por todos os promotores eleitorais deste Estado. Trabalhamos na base da vontade, da superação, do compromisso pessoal e do improviso. Contudo, ainda há de aparecer um CNMP para nos cobrar porque deixamos de fazer isso ou aquilo. Enquanto assim for, seremos tratados daí para pior. Não há o que não possa piorar. Mas o pior, mesmo, é que se não reagirmos, nós merecemos tudo isso."

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