quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Quase, o anjo.


Morri garoto, em 17 de julho de 1971, às margens do Rio Corda, no redemoinho de suas águas. Meu irmão atirou-se e venceu a correnteza a braçadas, alcançando a croa, em que outros garotos se entretinham. De lá, animavam-me aos gritos. Pareceu-me fácil. Decidi. A adrenalina me punha o coração entre os dentes. Desci da barranca, afastando o mato, até mais perto do leito. Ensaiei o pulo, flexionando as pernas e agitando os braços, uma, duas, três vezes. Conferi. Imaginei o impacto, a pele da água me envolvendo, rompendo-a a braçadas. Imaginei e não fiz. Fizesse, teria morrido, certamente. Ainda hoje, morreria. Nasci pedra. Jamais aprendi a nadar. Mas aquela ousadia do desejado, do ensaiado, do quase feito, causa-me calafrios nas lembranças. O anjo do quase salvou-me. Alguém mais o conhece?

Um comentário:

Anônimo disse...

Juarez, espero desse anjo do quase, que nos idos de 1971 te prendeu firme às margens seguras do Rio Corda através do medo salvador, possa pedir por ti ao anjo da inspiração.
Belo texto!
Parabéns.
Alessandro Brandão.