Do colega Reinaldo Campos Castro Júnior
Promotor de Justiça de Raposa
Nas eleições municipais de 2004, quando ainda era promotor eleitoral em Barreirinhas, elaborei juntamente com Fernando Barbosa Júnior, juiz eleitoral, um ciclo de conversações que se convencionou chamar Movimento pelo voto sem preço, onde, além da sede, percorremos a maioria dos 217 povoados barreirinhenses e a sede do município de Santo Amaro.
Nesses encontros, de forma bem didática, conversávamos sobre senso crítico, corrupção, abuso de poder, superioridade econômica e tudo aquilo que pudesse desnivelar um pleito eleitoral minimamente considerado justo.
A minha fala era sobre a corrupção em todos os níveis, não só a eleitoral, e começava anunciando em alto e bom som que todos ali, inclusive eu, éramos corruptos. A grita era geral, diziam: eu não sou, eu também não, corrupto é o senhor, cheguei a ouvir de um atento cidadão no Povoado Jabuti, contudo, aos poucos, mostrava aos ilustres cidadãos que aquela provocação era necessária para suscitar o debate, e continuava indagando quem ali nunca injuriou, caluniou ou difamou alguém, quem nunca mentiu, nunca trapaceou num jogo, colou da prova escolar de um colega, quem nunca acusou injustamente para se livrar de uma suspeita e acrescentei: Atire a primeira pedra aquele nunca pecou e principalmente aquele nunca atirou pedra alguma.
Nós somos seres corruptos e corruptíveis por excelência, é uma das facetas do instinto de sobrevivência, vide o corpo humano, o esforço que nós fazemos para nos mantermos em pé com a força da gravidade dizendo o contrário, o esforço que particularmente eu faço para equilibrar a minha pressão arterial, tendo que diariamente ingerir um remédio e submeter-me a correr como um doido varrido nas ruas por quilômetros e horas a fio. Outro exemplo, são as infinidades de cremes, maquiagens, técnicas de ginástica, cirurgias plásticas, tintura para cabelos e outros artifícios usados para disfarçar os efeitos que a corrupção temporal produz em nossos corpos; a palavra é amenizar e retardar, pois no fim das contas vamos todos sucumbir ao corruptor-mor chamado morte. Simplifico a corrupção orgânica no dizer de um pensador que agora esqueço o nome, vaticinava ele: O sangue só corre nas veias por absoluta falta de opção.
Voltando às conversas nos povoados de Barreirinhas, dizia aos nobres cidadãos que corrupção tem muitos conceitos e um dos que mais gosto versa que corrupção é tudo aquilo que nos desvia da retidão de um caminho, e naquele instante me indagavam que caminho era este, era a oportunidade para falar sobre os preceitos éticos, morais, religiosos, perdia-me em noções responsabilidade civil e penal, enfim tudo aquilo que serve para conduzir e reger o nosso agir em sociedade, nos separar em tese dos demais animais, e nos proteger do estado selvagem em que fomos originados e tememos a qualquer hora voltar, afinal hoje somos humanos dotados de consciência e razão tendo todos os instrumentos necessários para combater internamente as forças negativas que nos levam a delinqüir, mentir, roubar, fraudar, extorquir e etc.
Disse o filósofo que o homem é o único animal que pode atingir a condição de humano, e eu diria que esta condição não precisa ser tão humana assim.
Todos os dias além de esquentarmos a água fria, alguns de nós fazemos um esforço enorme para nos mantermos retos e aplacar o fantasma da corrupção que nos rodeia, seja não enfiando o dedo no nariz quando dentro do carro esperando o farol de trânsito abrir, quando achamos que ninguém está nos vendo, seja lavando as mãos toda vez que saímos do banheiro, mesmo que seja um uso bem rapidinho. Ora, tudo isto se realizado afronta tão somente as regras de etiqueta e higiene, não merecendo reprimenda oficial do Estado, mas no máximo uma reprimenda moral. Entendo que jamais tais atos de corrupção higiênica podem ser comparados aquele que por exemplo em uma disputa eleitoral municipal, injuria, calunia e difama um candidato ou eleitor, inclusive sendo tais atos considerados crimes, que é o instituto que a sociedade tem para perseguir e reprimir as ações humanas mais espúrias, sendo que o ato criminoso poderá resultar na constrição da liberdade daquele que o pratica.
Esperem um momento, disse a pouco que atirassem a primeira pedra que nunca caluniou, injuriou ou difamou alguém e agora digo que tais ações em um pleito eleitoral ou mesmo fora dele merecem a reprimenda estatal podendo resultar cadeia. Meu Deus, estaremos todos nós, inclusive eu, convocados a comparecer perante uma autoridade e confessarmos os mencionados crimes e pedirmos no mínimo para se começar a perseguição penal estatal. Será que não seria mais interessante admitirmos a nossa condição humana de falibilidade e erro, tentarmos sempre melhorar e não incorrer em corrupção de quaisquer níveis. É claro que falo em tese, não posso justificar este silogismo com base em um crime de homicídio, ou na corrupção eleitoral ou não propriamente dita, falo daquilo que muitas das vezes não passa pelo crivo da antijuridicidade e culpabilidade penal, outras vezes fica preso nas teias das entrelinhas das construções vernaculares (elementos objetivo, subjetivo e normativo) do tipo penal, civil ou administrativo.
No debate do dia 25 de abril de 2008, ficou evidente e clara a condição humana de Francisco Barros, Fátima Travassos, José Henrique, José Osmar, Gladstone Araújo, Eduardo Nicolau e Luís Gonzaga, todos aqui e ali disseram coisas aproveitáveis, como também foram infelizes em algumas falas (alguns em quase todas), todos sem exceção, e não seria diferente com quem quer que seja, mas o fato de se disporem a mostrar suas qualidades, falibilidades e enfrentarem os olhares e criticas do mundo, demonstra no mínimo o amadurecimento de uma casta de seres(membros do Ministério Público) que muitas das vezes tem de exigir um comportamento super-humano de outrem, quando não tem como apresentar o mesmo tipo de comportamento.
Fico feliz pelo debate, admiro a coragem e coerência de quem quer que seja, mesmo que defenda a idéia que entenda ser a mais estapafúrdia, e aproveito o momento eleitoral para fazer um lembrete a todos, principalmente a candidatos e eleitores: Seja humano, não seja demasiado humano.
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