“Mandado de Segurança impetrado por ABCD*, Promotora de Justiça, em face de ato da em. Procuradora-Geral de Justiça do Estado do Maranhão, que indeferiu o pedido, por ela formulado, de remoção temporária à Comarca de São Luís, para tratamento médico. Ao que dão conta os autos, a Impetrante apresentaria, desde 2003, doença psiquiátrica nominada "transtorno misto de ansiedade e depressão" - identificação F-41.2, CID 10 da OMS -, tendo assim requerido, após submissão à competente perícia, sua remoção, pelo prazo de seis meses, para esta Capital, com vistas à persecução do atendimento médico necessário.
Indeferido o pleito, e bem assim o pedido de reconsideração que o seguiu, e afirmando-se impossibilitada, por ordens médicas, de exercer suas funções perante a Comarca de Imperatriz, a Impetrante quedou por formular requerimento outro, desta feita solicitando o gozo de férias atrasadas, supostamente acumuladas.
Igualmente denegado aquele pleito, sobreveio Mandado de Segurança (MS n° 000892/2011) perante esta Corte, com liminar deferida pelo em. Desembargador Marcelo Carvalho Silva, no exercício do Plantão Judiciário do Segundo Grau.
Assim foi que, findos os primeiros 30 (trinta) dias de férias garantidos por força daquela liminar, e requerido o gozo de novo período supostamente igualmente devido, entendeu a d. autoridade dita coatora pelo descabimento daquela pretensão, haja vista encontrar-se, a Impetrante, "afastada de suas funções ministeriais por longo tempo, causando prejuízos ao bom desenvolvimento das atribuições das promotorias" (fl. 11). Por isso esta impetração, agora, reclamando abusivo o ato impugnado, vez que "a Impetrante demonstrou que os Laudos Médicos, ao falarem em 'remoção', ou 'remoção temporária', só deram nomen iuris diverso para um fenômeno jurídico que poderia se enquadrar, com maior propriedade, nas concepções legais de 'readaptação' e 'aproveitamento', previstas, respectivamente, na Lei Estadual n° 6.107/94" (fl. 14), inexistindo justa causa à denegação do pleito, mormente se considerado o direito líquido e certo da Impetrante à saúde, à dignidade e ao trabalho em ambiente adequado.
No mais, e asseverando que "o agravamento do mal de saúde da Impetrante estava ligado ao ambiente de trabalho em Imperatriz, e que seu tratamento exitoso só poderia ocorrer em São Luís" (fl. 18), e batendo-se, em síntese, pela obediência, pela Administração, ao princípio da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da moralidade e da eficiência, e aos valores sociais do trabalho, haja vista que "a autoridade coatora está exigindo o imediato retorno da Impetrante à cidade de Imperatriz" (fl. 35), pede seja-lhe deferida liminar a suspender imediatamente os efeitos dos atos impugnados, "determinando-se à Autoridade Coatora que proceda à designação da Impetrante para responder por promotoria vaga existente na cidade de São Luís ou para ocupar cargo comissionado/função de confiança junto à Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão, compatível com o seu cargo efetivo, e que a Autoridade Coatora se abstenha de praticar atos de teor, finalidade e forma semelhantes aos ora impugnados" (fl. 38). No mérito, que sejam os atos ditos abusivos definitivamente invalidados, com a confirmação da medida urgente e a conseqüente readaptação da Impetrante na Comarca da Capital, "mantendo-se, todavia, as demais prerrogativas inerentes ao cargo de promotora de justiça, inclusive sua posição na lista de antigüidade e, eventualmente, a ascensão funcional, segundo as regras aplicáveis ao Ministério Público" (fl. 38).
Distribuído o feito ao em. Desembargador Marcelo Carvalho Silva, por força de suposta prevenção apontada pela própria Impetrante, em razão do anterior Mandado de Segurança n° 000892/2011, sobreveio despacho determinando a redistribuição do feito, porquanto restrita, a atuação daquele em. Desembargador, ao exame de liminar durante o Plantão Judiciário do Segundo Grau, daí não resultando a reclamada prevenção para o processo e julgamento de casos análogos.
Redistribuídos os autos, então, à em. Desembargadora Maria das Graças de Castro Duarte Mendes, Relatora do feito primeiro, quedou ela, também, por afastar a conclamada prevenção, para tanto afirmando que "o mandado de segurança anterior, do qual se pede prevenção, tem como objeto a concessão de férias, enquanto este trata de remoção" (fl. 316).
Veio-me a hipótese, então, em nova distribuição, ocasião em que proferi decisão, às fls. 323 USQUE 328, asseverando, em síntese, que conquanto nos autos primeiros debatido eventual direito ao gozo de férias, e aqui reclamada a possibilidade de eventual remoção/readequação da Impetrante à Comarca de São Luís, forçoso concluir que esta impetração decorre, exatamente, da denegação, pela d. autoridade dita coatora, da preservação e continuidade daquele mesmo direito às férias, direito esse que, observo, é o próprio mérito da impetração submetida àquela em. Relatora. Em outras palavras, idênticas as partes, e fundadas, ambas as impetrações, em lastro fático único, com vistas ao reconhecimento do direito último da Impetrante de permanecer em São Luís até o final do tratamento médico a que submetida, impende notar, mesmo, que eventual decisão concessiva ou denegatória da segurança no feito primeiro acabaria por, inarredavelmente, tornar prejudicada esta impetração.
Por essas razões, e entendendo conexos os feitos, com a resultante prevenção, para o processo e julgamento da hipótese, da em. Desembargadora Maria das Graças de Castro Duarte Mendes, determinei fosse a hipótese redistribuída àquela em. Relatora original, a quem caberia, querendo, suscitar eventual Conflito Negativo de Competência.
Dessa decisão adveio, então, o mencionado Conflito, julgado procedente pelo Pleno desta Casa, "para declarar a competência do Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos para relatoria do Mandado de Segurança n° 6181/2011" (fl. 358).
Vieram-me os autos, por fim, com nova petição, pela Impetrante, aditando a inicial, "em razão do tempo transcorrido desde o ajuizamento da impetração até agora" (fl. 364), assim requestando liminar para, VERBIS:
"a) Sejam suspensos imediatamente, com eficácia ex tunc, os efeitos dos atos impugnados, permitindo à Impetrante continuar seu tratamento na cidade de São Luís, próxima de sua família, mantidas as prerrogativas inerentes ao Cargo de Promotora de Justiça, e recomendando-se à Autoridade Coatora (se assim entender essa d. Relatoria), que proceda à designação da Impetrante para exercer suas atribuições em Promotoria vaga existente nessa Comarca ou em cargo compatível porventura existente na PGJ/MA - por óbvio sem significar modificação de entrância e nem ascensão funcional;
b) seja determinado à Autoridade Coatora que se abstenha de abrir sindicância ou processo disciplinar contra a Impetrante, relacionado aos fatos narrados na presente impetração, ou que suspenda tais procedimentos, acaso já tenham sido instaurados quando do recebimento da notificação para prestar informações, e,
c) seja determinado à Autoridade Coatora que se abstenha de praticar atos de teor, finalidade e forma semelhantes aos ora impugnados" (fls. 365/366).
No mérito, requer seja a medida urgente confirmada em definitivo, com a invalidade dos atos impugnados, para que possa a Impetrante permanecer nesta Capital, submetendo-se a tratamento médico, "sem que isso traga reflexo negativo nas prerrogativas e direitos inerentes à sua função" (fl. 366).
Ainda, que seja determinada a readaptação da Impetrante em Promotoria vaga, nesta Comarca, ou em cargo compatível na própria PGJ/MA, mantidas as prerrogativas relacionadas à sua posição na lista de antiguidade, com a nulidade de eventuais sindicâncias ou procedimentos administrativos contra ela disparados "após o ajuizamento do presente writ, relacionados aos fatos ora narrados" (fl. 361). Decido.
Cediço que, via de regra, "conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça" (art. 1o, caput, da Lei n° 1.533/51).
Na lição de José Cretella Júnior (in "Direito Administrativo Brasileiro, 2a ed., Ed. Forense, 2000, p. 921), "o mandado de segurança trata-se de uma ação de rito sumaríssimo, mediante a qual todo aquele que, por ilegalidade ou abuso de poder, proveniente de autoridade pública ou de delegado do Poder Público, certo e incontestável, não amparável por Habeas Corpus, ou que tenha justo receio de sofrê-la, tem o direito de suscitar o controle jurisdicional do ato ilegal editado, ou a remoção da ameaça coativa, a fim de que o Estado devolva, in natura, ao interessado, aquilo que o ato lhe ameaçou tirar ou efetivamente tirou; é o veículo mediante o qual se pede, normalmente no Brasil, ao Poder Judiciário, o exame do ato administrativo, eivado dos vícios mencionados."
No mesmo sentido, "trata-se de uma ação constitucional civil, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (Alexandre de Moraes, in "Direito Constitucional", 16a ed., Ed. Atlas, 2002, p. 164).
Assim é que a concessão de liminar, na via eleita, demanda a presença concomitante de seus pressupostos autorizadores, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, ou a relevância do fundamento da impetração, requisitos esses que deverão, para tal fim, quedar inarredavelmente demonstrados.
Tornando o olhar à hipótese dos autos, parece-me bem demonstrado o bom direito reclamado, mormente quando considerado, como não poderia deixar de ser, o inarredável direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, a prevalecer, em casos como o dos autos, sobre o próprio interesse da Administração.
Nesse sentido, aliás, já se manifestou este eg. Tribunal de Justiça, VERBIS: "PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECURSO. REMOÇÃO DO SERVIDOR. PROBLEMAS DE SAÚDE DE DEPENDENTE. MAL DE PARKINSON. RESOLUÇÃO N° 23/2010. DIREITO À SAÚDE E PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO.
I - A pretensão está fundamentada em situação de fato consistente na necessidade de tratamento de seu dependente (pai) que, como comprovado à saciedade, foi acometido de mal de Parkinson.
II - Há vagas na Capital, o chefe imediato do requerente manifestou-se favoravelmente à remoção pretendida e o servidor não responde a sindicâncias ou a processos administrativos.
III - O direito à proteção à saúde, este diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, goza de assento constitucional, sendo mais relevante, nesse aspecto, que o interesse da Administração Pública em preservar o servidor no lugar de sua lotação originária.
IV - Recurso provido." (Processo n° 12359/2011, Rei. Des. José Bernardo Silva Rodrigues, DJ em 07/7/2011)
Em hipótese análoga, igualmente reconhecendo direito semelhante, concluiu o eg. Superior Tribunal de Justiça, LITTERIS: "Nem se diga que o tratamento médico poderia ser obtido na cidade na qual está lotada a autora, Guarajá-Mirim/RO, pois, consoante demonstrado por meio dos documentos acostados às fls. 23/29, não há nesse município médicos psiquiatras, contando a população com apenas um hospital público, carente de diversas especialidades médicas. Ressalte-se, ainda, que a Capital Porto Velho fica a uma distância de 340 KM, tornando inviável o constante deslocamento. Além disso, nunca é demais lembrar que no caso da doença da qual padece a mãe da genitora é primordial o suporte familiar, pena de comprometimento do tratamento." (SLS 001197, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ em 05/03/2010)
O caso dos autos não é, ao menos em princípio, diferente, especialmente se considerada a natureza do bem jurídico maior a ser aqui tutelado, a prevalecer, IN CASU e ao menos por ora, sobre a própria necessidade do serviço por ela prestado.
Evidenciado resta, da mesma sorte, o PERICULUM IN MORA aventado. Isto porque, observe-se, reconhecida, pelo em. Desembargador Marcelo Carvalho Silva, "a existência de violação ao direito líquido e certo da impetrante", na impetração a esta anterior (MS 000892/2011), entendimento esse que ora subscrevo, importa notar já esgotado o período de férias por ele garantido, à Impetrante, no bojo da liminar por ele proferida naqueles autos.
Assim, e juntada, ao específico caso em análise, documentação a demonstrar já notificada a Impetrante a imediatamente retornar ás suas funções em Imperatriz (fl. 216), entendo igualmente presente risco iminente e de difícil, senão de impossível reparação ao direito argüido, bem assim o inafastável prejuízo daí decorrente, acaso mantida aquela determinação e interrompido o tratamento. Some-se a isso a real possibilidade da eventual instauração de procedimento administrativo em face da Impetrante, se desatendido o comando ministerial atacado, daí despontando incontestável, tenho, a necessidade da medida urgente requestada, a proteger o direito reclamado.
Tudo considerado, concedo a liminar, para suspender o ato impugnado, fazendo-o, ademais, com eficácia EX TUNC, dado o lapso temporal decorrido entre a promoção da impetração e esta data, assim assegurando, à Impetrante, o direito de permanecer em tratamento nesta Capital, preservadas, ademais, as prerrogativas inerentes ao cargo de Promotora de Justiça, por ela ocupado, tão somente até o julgamento do mérito deste Mandado de Segurança pelo colegiado competente.
Deixo, porém, de determinar seja a Impetrante desde logo designada para o exercício de suas atribuições em Promotoria desta Capital, ou na própria Procuradoria Geral de Justiça, no período referido, ante à falta de prova incontroversa, nos autos, da existência de vagas para tanto. Fica igualmente determinado, à d. autoridade dita coatora, que se abstenha, no período retromencionado, de instaurar procedimentos administrativos contra a Impetrante, em razão dos fatos aqui narrados, devendo ser imediatamente suspensos aqueles eventualmente já instaurados para idêntico fim.
Comunique-se, com urgência, à d. autoridade impetrada, para os fins de direito, bem como para que preste as informações que julgue necessárias ao deslinde da controvérsia. Prazo: 10 (dez) dias (art. 7o, I, da Lei n° 12.016/2009, c/c o art. 339, III, do RI-TJ/MA).
Após, sigam os autos à Procuradoria Geral de Justiça, para manifestação. Prazo: 05 (cinco) dias (art. 341, do RI-TJ/MA).
Comunique-se. Publique-se. Cumpra-se.
São Luís, 19 de agosto de 2011.
José JOAQUIM FIGUEIREDO dos Anjos ‒ Relator”
*ABCD - optamos por omitir o nome, em respeito à intimidade de quem impetrou.
Fonte: Diário da Justiça Eletrônico do TJMA nº 157/11.
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