Por Celso Coutinho, filho. Promotor de Justiça de São Bento.
Demorou, mas parece que o crime de desacato vai ter mesmo o
que merece, ou seja, sua extinção. A Comissão de Juristas que está elaborando o
texto do anteprojeto de lei do novo Código Penal decidiu propor o fim dessa
excrescência.
O que vem a ser esse crime de desacato? Em linguagem clara:
é toda vez que um arremedo de agente público, sentindo-se incomodado pela
sinceridade alheia, tenta te humilhar, arrotando algum tipo de superioridade,
mas você reage e devolve a humilhação. Toda vez que isso ocorre, você é logo
ameaçado pelo boçal de ser preso por desacato. A exteriorização desses
complexos dá-se de outras maneiras também.
Em toda Comarca que trabalho, sempre que tenho oportunidade,
deixo clara a distinção entre autoridade e “otoridade”. Em síntese, enquanto
esta oprime, aquela eleva. E lembro sempre a advertência de Proal, insigne
magistrado francês: “a mais danosa forma de terrorismo é a que nasce quando a
Justiça, despojando-se da balança, brande apenas a espada”.
O desacato é uma das formas mais visíveis desse terrorismo
vagabundo com que alguns agentes públicos tentam subjugar os cidadãos. É uma
figura penal covarde, que deixa o agente desse crime refém da sensibilidade de
qualquer “otoridade” melindrosa.
Acho que agem assim para descontar. Já prestaram atenção que
essas “otoridades” são as que mais se humilham diante de “otoridades” de
ferradura mais graduada?
Em verdade, existem desacatos que deveriam constar do
curriculum vitae da pessoa acusada de tê-los cometido.
3 comentários:
Caro Celso,
Não estou muito seguro quanto ao acerto da extinção do crime de desacato. É que ultimamente tenho testemunhado tanto desrespeito, tanto desprestígio da autoridade que temo se chegue ao extremo de aceitar-se como direito de cidadania o próprio desrespeito da autoridade. E você sabe que sem autoridade - que pressupõe hierarquia - não há futuro para a própria humanidade. O que preocupa, no desacato, é a acusação sem prova, a dependência da doutrina e da jurisprudência para a tipificação do crime, a condenação revanchista, corporativista. Mas esse problema parece está sendo rapidamente superado, graças às novas tecnologias de gravação das cenas do dia a dia das pessoas e dos próprios atos da autoridade nos quais há maior probabilidade de surgir situação tida como desacato.
Talvez a virtude, nesse caso, esteja efetivamente no meio: nem a extinção pura e simples, nem a manutenção do tipo como se acha hoje; mas a mitigação dele, como a indicação das provas, a descrição minudente das situações, reações e termos que configurariam o tipo.
De qualquer sorte, parabens por haver trazido o tema a debate.
Saudações.
José Osmar Alves
Promotor de Justiça - São Luís
Caro Osmar,
Compreendo sua preocupação. Também reconheço a importância do princípio da autoridade, não só na esfera do serviço público, mas, de igual modo, nas relações de trabalho e, sobretudo, familiares.
No entanto, a existência de um tipo penal específico para preservar a figura da autoridade, herança que é dos regimes totalitários mundo afora, sempre foi um pretexto para a intimidação do cidadão e o esbulho de sua honra.
Aliás, todo esse debate gira em torno, exatamente, da honra. E como a autoridade também tem honra, não deve ela se preocupar com o fim do crime de desacato, pois a ofensa a honra da autoridade encontrará tipificação penal nos crimes contra a honra, mais especificamente no crime de injúria, conforme proposto pela mesma Comissão de Juristas que elabora o anteprojeto do novo Código Penal. Nada mais natural que assim seja, porque a honra do agente público não vale mais que a honra do cidadão.
Portanto, caro Osmar, creio que essa melhor tipificação proposta pela Comissão atende à sua preocupação legítima e pertinente.
Um abraço.
Celso Coutinho, filho.
Não se está discutindo se a honra de um ou de outro vale mais,tanto que o crime é contra a administração pública e não contra a pessoa.( em que pese não deixa de atacar a honra deste agente). Não concordo a situação de retirar esta tipificação penal, ainda que dentro de uma continuidade normativa típica. Discordo dos seus comentários.
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