Gostaria de fomentar em seu blog a seguinte discussão jurídica:
Recentemente, a Justiça do Trabalho em Barra do Corda/MA determinou a nomeação de candidatos de um concurso público municipal anulado administrativamente em razão de compromisso de ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público Estadual e a Prefeitura de Barra do Corda. Na fundamentação das reclamações trabalhistas, os candidatos omitiram o fato de que o concurso fora anulado e arguiram como direito líquido e certo o simples fato de constarem em lista parcial de aprovados e na demora em serem nomeados (faz um ano que foi publicada a relação de aprovados). As decisões do Juiz do Trabalho seguiram esse fundamento, embora com pleno conhecimento formal da anulação do certame publico, uma vez que provocado formalmente pelo Ministério Público Estadual, antes das decisões.
Impetramos junto ao TRT 16ª Região mandado de segurança para fazer cessar o que entendemos ser ato violador de direito constitucional do Ministério Público Estadual (art. 129, inciso III), concretizado na atuação administrativa (inquérito civil), que teve o desiderato de restabelecer a ordem legal constitucional, através do ajustamento de conduta firmado com a Prefeitura Municipal, que resultou na fixação de diretrizes para a realização de um novo certame público, sob a fiscalização da Promotoria de Justiça e na edição do ato administrativo anulatório, ambos publicados no Diário Oficial do Estado.
O Desembargador-relator extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob a fundamentação de não preenchimento dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Em síntese, o entendimento cinge-se à discussão de que a cada repartição do Ministério Público cabe o desempenho de atribuições junto exclusivamente a uma esfera específica do Poder Judiciário.
A discussão parece-nos importante, em razão de recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, no que tange à possibilidade de os Ministérios Públicos Estaduais postularem reclamações constitucionais (art. 102, inciso I, alínea “l” da CF) diretamente ao Órgão Supremo, rechaçando o ultrapassado entendimento de que apenas ao Procurador da República cabiam tais postulações.
Na situação fática trazida a análise, o Ministério Público Estadual postulou o remédio constitucional na condição de paciente, pessoa jurídica da violação de direito constitucional, como previsto na lei que regula o mandado de segurança. O parquet estadual postulou ao tribunal e não no tribunal, não tendo havido usurpação de qualquer uma das atribuições do Ministério Público do Trabalho, como definidas na Lei Complementar 075/93.
Trata-se de situação excepcionalíssima em que o Ministério Público Estadual postula a um tribunal federal o remédio jurídico contra violação de direito seu líquido e certo. A quem caberia tal postulação, senão à repartição estadual do Ministério Público Brasileiro que teve direitos seus violados? Ademais, se a qualquer pessoa física ou jurídica é dado esse direito (art. 1º da Lei n.º 12.016/2009), por que não ao Ministério Público Estadual?
Vale destacar as lúcidas colocações do ilustre Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, nos autos da Reclamação Constitucional n.º 7358, assim redigidas:
“Assim como cabe ao Ministério Público estadual interpor recursos especiais ao STJ e extraordinários ao STF, com o escopo de abrir às Cortes Superiores o exercício de sua função nomofilácica, também deve ser-lhe assegurada a possibilidade de impetrar diretamente mandado de segurança, para preservar prerrogativas institucionais e dos seus membros quando competentes forem os tribunais da federação”.
Assim, impetrar mandado de segurança junto a qualquer tribunal da federação e ajuizar reclamação constitucional junto ao STF não são atribuições exclusivas do Ministério Público respectivo ou do Ministério Público da União. São possibilidades abertas a todos os que tenham interesse jurídico para tanto.
Veja-se que na esdrúxula situação jurídica de Barra do Corda/MA, o Ministério Público Estadual terá que percorrer tortuoso caminho judicial (ação civil pública para gerar conflito positivo de jurisdição ou competência e deslocar os feitos para a Justiça Comum Estadual ou Reclamações Constitucionais, em razão de regime estatutário dos servidores públicos municipais). Tudo para desconstituir as teratológicas e metajurídicas decisões de um Juiz do Trabalho, quando poderia o próprio Tribunal Regional do Trabalho apreciar os fundamentos dessa decisão, se admitido fosse o mandado de segurança.
Fomento tal discussão por entender que a situação relatada afeta a nossa instituição de maneira genérica e se constitui em perigoso precedente judicial, uma vez que as decisões monocráticas interlocutórias da Justiça do Trabalho, em meia lauda, tentam desconstituir uma investigação civil séria e minuciosa de um ano, que constatou inúmeras irregularidades no concurso público municipal e, dentro de uma atuação resolutiva, propiciou a anulação do certame público viciado, sem manejo de qualquer ação judicial.
Um grande abraço.
Jorge Luís Ribeiro de Araújo
Promotor de Justiça, em Barra do Corda
Nenhum comentário:
Postar um comentário