segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Lamentos e só

Foto de Wilton Junior/AE, recolhida aqui.

"No ocaso da vida faz-se sempre o ensejo para discutirmos nossa existência. Na concepção de Godin, o direito é feito do dever cumprido. A despeito disso, para alguns promotores e juízes, dever cumprido tem significado a negação do direito de existir.

Já se faz um par de anos, ainda titular da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Santa Luzia/MA, quando encaminhei ofício à Secretaria para Assuntos Institucionais da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão, com cópias para a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão, o Conselho Nacional de Procuradores Gerais, a Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão e a Associação Nacional de Membros do Ministério Público, sugerindo a inclusão na pauta do Fórum Permanente do Ministério Público (de triste fim - implodido pela partidarização da política institucional) de dois temas, a saber: 01 – atendimento ao público nas Promotorias de Justiça; e 2 – segurança dos promotores de justiça. É sobre o segundo que vou falar agora.

Naquele tempo, agi tocado pelo então recente assassinato de Fabrício Ramos Couto, Promotor de Justiça do Estado do Pará, meu amigo pessoal, abatido a tiros dentro do seu gabinete de trabalho no fórum da Comarca de sua atuação naquele Estado.

Dizia, naquela ocasião que, embora a recentidade do ato covarde e criminoso que ceifou a vida de Fabrício, chamava atenção que já se sentia o entibiamento das comoções em torno do caso, o que, infelizmente, não era surpresa alguma. O tempo passou e todos devem se perguntar, hoje, quem era, mesmo, Fabrício? Enfim, restou a lembrança apenas para a família e para os amigos.

Noite de 11/08/2011, Patrícia Lourival Acioli, Juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, retornava do trabalho em direção à sua casa, onde reencontraria o convívio da família. Porém não conseguiu. Naquela noite, na frente da sua casa, ainda dentro do carro, foi a vez de Patrícia tombar assassinada com diversos tiros. À família restou receber o seu cadáver e os lamentos.

Uma lista contendo o seu nome já havia sido encontrada nas mãos de um bandido preso no Espírito Santo. Em razão disso e de sua firme atuação no combate às organizações criminosas no Rio de Janeiro, especialmente as formadas por policiais bandidos, a Juíza Patrícia chegou a ter seis seguranças fazendo sua escolta, além de um carro blindado, mas o Tribunal de Justiça daquele Estado achou que era demais e, gradualmente, foi reduzindo esse aparato até condenar-lhe à morte.

A consternação toma conta da comunidade jurídica brasileira, ouvindo-se brados de indignação pelos quatro cantos. Alguns assinalados por profunda sinceridade, outros nem tanto, somente preocupados em participar da mise-en-scène que também faz parte dos rituais fúnebres.

Aqueles que deveriam ter garantido segurança à Patrícia falam, sobre o seu cadáver, em justiça, em prender os autores do assassinato, em não intimidação do Judiciário etc. Cheios de lamentos, promessas e bravatas, vazios de ação, seguem um manjado e farisaico roteiro, esperando que Patrícia seja uma lembrança apenas para a família e para os amigos e que nenhuma cobrança mais lhes acorra, quando o tempo, então, terá passado e todos, que não a família e amigos, deverão se perguntar quem era, mesmo, Patrícia?

Fabrício morreu há seis anos e os promotores de justiça no Brasil continuam com as mesmas condições de segurança dantes para desenvolverem os seus trabalhos, ou seja, nenhuma, a não ser aquela buscada no espaço etéreo. Patrícia morreu ontem e nada vai ser feito de concreto para conferir segurança aos juízes que ficaram.

Este cálice há muito é sentido por aqui pelos promotores de justiça e juízes. Eu, mesmo, na madrugada de 08/10/2005, vivenciei a desagradável experiência de ter a casa, em que morava na Cidade de Santa Luzia/MA, apedrejada. Há outros que podem contar suas desagradáveis experiências a esse respeito. Até quando?

Lembro-me de certa feita em que participava de uma audiência de interrogatório no Fórum da Comarca de Penalva/MA, quando resolvi ir ao banheiro, em um intervalo concedido pelo juiz. Já dentro do banheiro, o reservado ao publico em geral, pois não tinha outro ao meu dispor, deparei-me, quando lavava as mãos em uma das pias, com o réu postado ao meu lado, olhando-me com cara de poucos amigos. Sem arreganhar-lhe os dentes, retornei à sala de audiência onde logo tornamos a ficar frente a frente.

Por óbvio que jamais se conseguirá elidir o risco e nem é isso que pleiteio, mas, seguramente, seriam factíveis medidas que pudessem, ao menos, mitigá-lo se houvesse mais que vontade para isso, mas, sobretudo, ação.

Por certo há os que irão objetar com o argumento de que cidadãos brasileiros são mortos todos os dias país afora e que só me comovo com morte de promotores e juízes. Toda morte nos diminui. Não compreendem, no entanto, que no momento em que criminosos acham-se encorajados para matar autoridades, notadamente promotores e juízes, a insegurança da sociedade atinge o seu nível mais crítico. Vale citar a frase do presidente da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Gabriel Wedy: “Enquanto o juiz tiver medo, ninguém poderá dormir tranquilo”. É o declínio total do sistema público de segurança.

Talvez, seja importante lembrar que a coragem para matar um juiz é a mesma de que necessita um bandido para matar um deputado, um senador, um governador, um presidente etc. Não esqueçamos que, não faz muito tempo, a Polícia Federal descobriu um plano de sequestro de um filho de um ex-Presidente da República.

É nossa responsabilidade discutir a questão e agir antes dos pesares e das lamúrias. Sentimentos que, se não acompanhados de ações eficazes, se assinalam por cabal inutilidade, sendo assim, perfeitamente, dispensáveis. Eu, particularmente, os rejeito.

Afinal de contas, o que, realmente, estamos fazendo? O que já fizemos? Essas respostas, que são sabidas de todos, me levam a crer que continuaremos a contar com a sorte, torcendo para que ela não nos falte. Enquanto isso, prosseguiremos com nossa autoflagelação.

Fabrício. Patrícia. Que as suas mortes não tenham sido em vão, mas confesso que está difícil acreditar nisso. Que as minhas expectativas sejam contrariadas. Por enquanto eu, que gosto tanto de repetir Ariano Suassuna, dizendo-me um realista esperançoso, fico cá, nesse particular, com minha incredulidade."

Celso Coutinho, filho. Promotor de Justiça da Comarca de São Bento/MA.

Um comentário:

CLÁUDIO CABRAL MARQUES disse...

Meu querido colega Celso Coutinho-
Assessor Especial da Procuradora Geral de Justiça,

as sua palavras são belas, lúcidas e sensatas. Já passei por situaçõse de perigo na Comarca de Bacabal, no ano de 1998, e tive que adotar o meu próprio "sistema de segurança" pois ninguém acreditou na possibilidade do assassinato de um Promotor de Justiça do Maranhão.

O seu texto só precisa de uma correção, quando você diz: " O Fórum Permanente do Ministério Público (de triste fim - implodido pela partidarização da política institucional)".

O Fórum Permanente, na verdade, foi implodido pela incompetência da atual administração, em razão de não saber tratar com as diferentes opiniões e posicionamentos existentes entre seus integrantes.

Por não saber ouvir, não deixa ninguèm falar, ferindo de morte a base de sustentação da própria existência do MP: o Estado Democrático de Direito.

Um fraterno abraço,

JOSÉ CLÁUDIO CABRAL MARQUES- Titular da 1ª Promotoria do Controle Externo da Atividade Policial da Comraca de São Luís-MA