quinta-feira, 5 de abril de 2012

A arte da percepção distorcida

Digamos que na visão do STJ, meninas de 12 anos têm idade e maturidade para escolher a profissão de prostituta. Cáspite! Essa nem é a idade para ser aprendiz, 14 anos. Ainda mais que a bendita constituição veda, para menores de 18, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre (CF 7 XXXIII). Ora, ora, o trabalho de prostitutas mirins quase sempre é noturno, perigoso e insalubre.

Imagine a cena: Uma ministra sai do teatro em direção ao carro, e observa, na penumbra, um turista sexual se enroscando sobre uma pirralha. De soslaio, calcula que a guria não deve ter 14 anos: pouco corpo, pouco seio, pouca bunda. Mentaliza o dispositivo penal e, de si para si, conclui, balbuciando, horrorizada: Ó meu Deus, é um estupro! Num átimo, aciona a polícia, que estava por perto, e chega, em segundos. Não pode sair, é testemunha. Aproxima-se da abordagem policial, e ouve quando a menina diz “ interar doze, mêx que vem”. O cioso agente da lei, instigado pela ministra, indaga o que a garota faz ali, naquela hora. “Aqui é meu ponto, né; diz pra pirua aí que eu trabalhano, né; esse é meu criente, e ele tem grana; vai vê se tô na isquina.” Percebendo que se tratava de uma relação de trabalho, apesar de noturno, perigoso e insalubre, a ministra se afasta, com a consciência aliviada, pois, se era trabalho, não era um estupro. Antes de chegar ao carro, ainda ouviu a guria, em voz alta, responder ao policial: “Faz tempo; eu não tinha dez anos”.

Ao deitar, a ministra perdeu o sono. Quase não dorme, agulhada por uma forte inquietação: na pressa, esquecera de ver se a pivete tinha carteira profissional.


Confira o caso, no site do STJ:
[…] “No caso analisado, o réu era acusado de ter praticado estupro contra três menores, todas de 12 anos. Mas tanto o magistrado quanto o tribunal local o inocentaram, porque as garotas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”.

Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a própria mãe de uma das supostas vítimas afirmara em juízo que a filha “enforcava” aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro. [...]

Um comentário:

Silvia Mantovani disse...

Depois desse posicionamento do STJ é quase que obrigatória a revisão completa das nossas leis no que tange aos menores. Não só em relação a esse tipo de situação como também nos casos de trabalho, criminalidade, responsabilidade legal de fato e real. Se uma menina de 12 anos pode "escolher" ser prostituta e arcar com as consequências, por que o rapaz de 16 anos que escolheu roubar e matar não pode responder como um adulto? Afinal ele escolheu assim como a menina, não é mesmo? "O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais"