DESORGANIZAÇÃO
URBANA, CRIMINALIDADE E MUNICIPALIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA
Inúmeras são as
posições acadêmicas acerca das origens do crime. Recentemente a
Universidade de Oxford, na Inglaterra, lançou uma obra que congrega
desde o pensamento de Beccaria, estudioso do século XVIII, que
escreveu o famoso livro “Dos delitos e das Penas”, até autores
atuais muito respeitados que ainda escrevem sobre o tema, como Nils
Christie e David Garland.
Prevalece a opinião
exarada pelo próprio Lombroso, o qual, pouco antes de morrer,
reconheceu haver errado com o determinismo e que, portanto, não
existia apenas uma única causa que pudesse ser apontada como
responsável pelas pessoas cometerem delitos. Importante frisar que
Lombroso passou para a eternidade com a obra “O homem criminoso”,
na qual defendia a tese de que determinadas pessoas, em razão de
características físicas, já nasciam propensas a cometer crimes. No
fim da vida, como já dito, reconheceu serem múltiplas as causas.
O PRONASCI, Programa
Nacional de Segurança Pública com Cidadania, também se alia ao
entendimento acima exposto e, partindo de uma percepção
multifatorial das causas da violência criminal, propõe um novo
pacto federativo em torno da questão da segurança pública, para
enfrentamento do problema, reconhecendo a importância do município
como parceiro fundamental na prevenção da criminalidade local.
A ideia não é nova,
já em 1945, logo após a Segunda Grande Guerra, circulava a Carta de
Atenas, talvez o primeiro documento a tratar das questões do
urbanismo moderno. Em síntese, o referido documento continha
diretrizes que almejavam substituir o modelo das cidades até então
preponderantes – insalubres, promíscuas, degradadas e,
principalmente, inseguras – por um outro modelo mais adequado às
exigências da segunda metade do século XX, ou seja, doravante as
cidades deveriam ser planejadas, urbanisticamente falando, sob o
signo do zoneamento, com distribuição programática: habita-se de
um lado, trabalha-se noutro, recreia-se ainda em outro, e circula-se
intensa e ciclicamente por entre todos.
Tal modelo, em termos
de segurança pública, foi desastroso, haja vista que criou espaços
ocupados parcialmente, a saber: casas vazias durante o dia, locais de
trabalho vazios durante a noite, aliado, como fator agravante, a um
intenso tráfego de pessoas.
Hodiernamente, o
problema se agravou, posto que as pessoas passaram a diminuir os
espaços entre a moradia, o trabalho e o lazer, surgindo o fenômeno
da favelização ou submoradia, da ocupação das ruas e calçadas
para exercício de atividades laborais – o conhecido comércio
informal – e do caos no trânsito.
É dentro de tal
contexto que a maioria das cidades brasileiras se encaixa e, em maior
ou menor grau, a questão da organização urbana está ligada à
questão da segurança pública.
Pois bem, cabe
questionar, em que nível se dá tal ligação, qual ou quais os
reais efeitos gerados pela desorganização urbana – como causa –
na esfera da segurança pública, no índice de cometimento de
delitos?
Há variados tipos de
infrações que podem ser cometidas pelas pessoas. As menos lesivas
sequer interessam à seara do Direito Penal, são as infrações
administrativas, como, por exemplo, exercer o comércio sem as
devidas licenças, manusear alimentos sem atender as exigências da
vigilância sanitária, praticar atos de vandalismo, fazer o
transporte irregular de passageiros, dirigir em velocidade acima da
permitida para o trecho rodoviário, estacionar em locais proibidos,
ocasionando o caos no trânsito, com motoristas que cada vez menos
obedecem às exigências legais emanadas da legislação pertinente à
matéria, entre tantos outros exemplos.
Tais infrações
administrativas, como é público e notório, acabam por evoluir para
infrações penais, pois não sendo fiscalizadas as pessoas encontram
caminho fértil para a prática de delitos, como, por exemplo,
vender bebidas alcoólicas para menores, assim como vender todo tipo
de produto pirata e originado de contrabando e descaminho.
Por outro lado, a
ineficiência na fiscalização do trânsito vem gerando graves
resultados, como o alarmante aumento nos índices de acidentes
automobilísticos com morte e o crescente problema de poluição
sonora originada de som veicular.
Há muito um dos
maiores sociólogos e cientistas políticos, chamado Émile Durkheim,
chamava a atenção para o problema da anomia, que nada mais é que o
absoluto desrespeito/descumprimento das normas estatuídas para o
controle social cuja consequência é a completa erosão do
necessário consenso mínimo para a vida em sociedade.
Assim sendo, fácil
dessumir o papel que os poderes públicos municipais devem
desempenhar no âmbito das políticas de segurança pública, qual
seja: dar cumprimento à legislação afeta a matéria de cunho
administrativo, como tem sido feito na cidade do Rio de Janeiro, com
o choque de ordem, através do qual se desenvolveram políticas de
reorganização urbanística da cidade, com cadastramento do comércio
outrora informal e definição dos espaços a serem ocupados pelo
mesmo – nunca ruas e calçadas –, exigência do cumprimento da
legislação atinente à saúde pública por parte daqueles que
trabalham com alimentos, como também, com a intensa fiscalização,
por parte da guarda municipal, do trânsito da cidade, cujo ápice
são as blitz ininterruptas aos finais de semana, com objetivo de
evitar a direção de veículos sob o efeito de álcool ou outras
substâncias causadoras de déficit de atenção.
Entretanto, mais
importante que ações de cunho repressivo, o poder público
municipal pode – e deve – investir em políticas preventivas e
inclusivas. A prevenção situacional já é uma realidade nas
grandes cidades brasileiras, nas quais a videovigilância tem
prestado grande auxílio na prevenção ao cometimento de delitos e,
em última instância, à elucidação dos mesmos.
A construção de
espaços de cidadania, como polos integrados para a prática de
esportes, artes e cultura em geral, é outra alternativa que vem
apresentado excelentes resultados, com a ocupação do tempo ocioso
da juventude.
Por fim, imprescindível
pontuar que toda e qualquer política de segurança pública, passa
necessariamente pelo entendimento entre os diversos atores
responsáveis por levá-la a efeito. Deste modo, Polícias,
Ministério Público, Poder Judiciário, Prefeitura e Governo do
Estado e respectivas secretarias devem estar sintonizados em prol do
alcance de medidas que tornem as cidades mais seguras e,
consequentemente, um lugar melhor para viver.
JOSÉ CLAUDIO CABRAL
MARQUES
PROMOTOR DE JUSTIÇA
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