Do colega Sandro Carvalho Lobato de Carvalho
Promotor de Justiça de Santa Quitéria do Maranhão
Mais de 12 anos depois da entrada em vigor da Lei nº 9.099/95, onde a vítima foi finalmente valorizada no campo criminal nacional, uma nova lei foi promulgada dando ênfase à vítima no processo penal.
Trata-se da Lei nº 11.690/2008 que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, especialmente acrescentando cinco parágrafos ao artigo 201 que trata da vítima de crime (“ofendido” na linguagem do código).
Merece aplausos o legislador pátrio pelas alterações feitas no intuito de valorizar a vítima no processo penal, isto porque, nos dizeres de Luiz Flávio Gomes e Antônio Garcia-Pablos de Molina:
“O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denunciado esse abandono: O Direito Penal contemporâneo – advertem – acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e do Direito civil material e processual” (in Criminologia. 3ª ed. RT, 2000, p.73).
Pela nova legislação, a vítima será comunicada do ingresso e da saída do acusado da prisão, das datas de todas as audiências e da sentença e do acórdão (§2º do novo art. 201 do CPP). Importante essa previsão, pois a vítima passa a ter conhecimento oficial do que de fato ocorreu com aquele que lhe causou o dano criminal já que até então, a vítima, em regra, participava apenas da audiência para sua oitiva e raras vezes sabia o que acontecia com seu algoz e ficava sujeita a diversos boatos do tipo “ele praticou o crime e nada ocorreu”.
A lei trata dos meios pelos quais a vítima será comunicada dos atos processuais citados e reserva espaço na sala de audiência para o ofendido (§§4º e 5º do novo art. 201).
Entretanto, a regra prevista no novo §5º do art. 201 do CPP nos parece a mais importante. Prevê que “se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado”.
Aqui se percebe uma clara preocupação com a vítima no que diz respeito às conseqüências do delito, tanto no campo social quanto psicológico. A vítima, agora, não mais será abandonada pelo sistema criminal, pois terá um atendimento especializado para que possa superar o trauma causado pelo delito, sobretudo naqueles de extrema gravidade e que além do físico ou material atingem o psicológico (crimes de estupro e atentado violento ao pudor etc).
Claro que a aplicação do referido dispositivo pode acarretar algumas dificuldades já que prevê que o atendimento será a expensas do ofensor ou do Estado ficando a pergunta: quando for a cargo do ofensor, só poderá ocorrer após a sentença condenatória?
Independente da questão suscitada, atualmente, a maioria dos municípios possui médicos, psicólogos e assistentes sociais que podem fazer o atendimento referido no dispositivo citado por determinação judicial.
Mesmo antes da previsão legal, adotamos em nosso ambiente de trabalho uma parceria com o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) existente nas Comarcas de nossa atuação onde, especialmente, em casos de violência sexual ou crimes contra crianças e adolescentes, as vítimas, através do Ministério Público, ainda na fase policial, têm um acompanhamento especializado de psicólogos e assistentes sociais que elaboram, periodicamente, relatórios sobre as condições psicossociais das vítimas e, dependendo da situação, incluem as mesmas nos programas sociais do governo. Esse posicionamento também tem adeptos no Judiciário, onde os juízes, também sensíveis aos fatos, em processos sem o referido acompanhamento na fase policial, determinam que o CRAS, por seus psicólogos e assistentes sociais, acompanhem o caso elaborando os relatórios que servem, inclusive, para melhor dosimetria de eventual pena a ser imposta ao acusado.
Nos casos em que as vítimas são crianças, sobretudo em crimes sexuais e maus-tratos, com prévia autorização do Juiz, as psicólogas e assistentes sociais acompanham, quando há, a audiência onde a vítima menor será ouvida, pois, em regra, há clara dificuldade dos operadores do direito (juízes, promotores, advogados) em inquirir vítimas de violência sexual, em especial menores de idade, sendo o auxílio de psicólogos e assistentes sociais de grande valia e uma das formas de se evitar a “vitimização secundária” do ofendido no processo penal.
Acreditamos que com a entrada em vigor do §5º do art. 201 do CPP, os juízes adotarão, em regra, a postura de encaminhar a vítima para atendimento especializado, podendo, sem sombra de dúvidas, utilizar-se do CRAS de sua Comarca para tanto.
Por fim, o §6º do novo art. 201, traz previsão que procura evitar a exposição da vítima à imprensa, sendo importante, em nosso sentir, que referido dispositivo seja aplicado, inclusive e principalmente, nos casos em que se apuram condutas de associações criminosas, velando o magistrado pelo segredo, inclusive aos advogados, do endereço das vítimas.
A novel legislação vem em boa hora e firma a nossa convicção de que a tendência atual do direito penal (material e processual) é a valorização da vítima.
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