A propósito do pleito de reembolso das despesas feitas por promotores com a aquisição de livros e obras jurídicas impressas ou em meio digital, trazemos para reflexão o artigo de Eduardo Graeff, publicado no jornal Folha de São Paulo, de 03/07/08.
Cremos que o procedimento iniciado na gestão do colega Francisco Barros, de aparelhar as promotorias [e não os promotores] com livros necessários ao desempenho das funções ministeriais é a atitude adequada, pois não descamba para indigesto privilégio com o dinheiro público. Como justificar que, com o salário que recebem, promotores e juízes não tenham condições de comprar seus livros?
Luta de classes no Brasil
Eduardo Graeff
"Os salários de juízes no Brasil chega a ser maior que os de Primeiro Mundo. Nossos professores não têm a mesma sorte
Um Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos ganha 208 mil dólares por ano. Um ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, os mesmos 208 mil dólares, ao câmbio de 1,6 real por dólar, ou mais, se aplicada a paridade de poder de compra dólar x real.
Legal! Temos juízes tão bons quanto os do Primeiro Mundo. Aliás, melhores. O salário médio de um juiz nos Estados Unidos é de 102 mil dólares por ano. O salário inicial de um juiz estadual no Brasil, o equivalente a 142 mil dólares; o de um juiz federal, 166 mil dólares, noves fora, de novo, a paridade de poder de compra.
Nossos juízes estão nos píncaros do Primeiro Mundo. Nossa Justiça, nem tanto.
O Brasil tem 8 juízes por 100 mil habitantes, número que a Associação dos Juízes Federais considera "incapaz de assegurar um mínimo aceitável de celeridade processual em virtude do acúmulo de trabalho nos juízos de primeiro grau e nos tribunais".
Os Estados Unidos têm 9 juízes por 100 mil habitantes. A diferença não é tão grande. Daria, com folga, para equiparar a quantidade de juízes lá e cá se fosse possível reduzir os salários dos juízes brasileiros para o nível dos salários dos juízes americanos -"data venia" à impertinência e inevitável inconstitucionalidade da sugestão.
Nem a possível insuficiência do número nem, obviamente, o nível dos salários dos juízes explicam por que a Justiça no Brasil tarda tanto, e nisso falha.
Nossos juízes são mesmo poucos, em todo caso: pouco mais de 15 mil, somando as Justiças estadual, federal e do trabalho. Não tão poucos que não pudessem dar conta do serviço, talvez, mas uma pequena minoria do funcionalismo público. Minoria seleta e poderosa, como se sabe. Pagar-lhes salários de Primeiro Mundo num país de Segundo ou Terceiro Mundo pode ser um exagero, mas não chega a rebentar a boca do caixa.
Nossos professores não têm a mesma sorte. Nos EUA, um professor primário ganha cerca de 45 mil dólares por ano. No Brasil, o equivalente a 11.600 dólares nas escolas estaduais ou 8.750 dólares nas municipais.
Acontece que, além de distantes do poder, eles são muitos: mais de 1,3 milhão de professores nas redes públicas de educação básica. Quadruplicar seus salários para equipará-los aos dos colegas americanos seria justo, mas custaria algo como 75 bilhões de reais por ano -ou o dobro disso para estender o aumento aos aposentados.
Aí não há Orçamento que agüente. Confira: um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos ganha 4,6 vezes o salário de um professor primário americano. De um ministro do STF para um professor primário municipal brasileiro, a relação é de 24 vezes. Entre um teto e um piso tão distantes, não há escala de remuneração que faça sentido. Por isso uma luta de classes permanente tensiona as estruturas do Estado brasileiro.
Na cobertura, os juízes e seus quase pares do Ministério Público, nivelados com os padrões de renda e consumo da alta classe média americana, mas eternamente reivindicantes.
Nos níveis intermediários, diplomatas, fiscais de renda, militares, delegados e outras carreiras relativamente pouco numerosas à espera impaciente de alguma emenda constitucional que lhes garanta a bendita paridade ou, pelo menos, uma vinculação automática de salários com os inquilinos do andar de cima.
No térreo, a massa dos professores, médicos, enfermeiros, policiais e outros profissionais com salários mais ou menos alinhados aos do setor privado e atrelados, em última análise, à renda média dos brasileiros.
Uns vigiando os outros. Quase todos insatisfeitos. Todos, sem exceção, inquietos.
E, na base do edifício estatal, o cidadão-contribuinte, mais insatisfeito e inquieto que todos com a quantidade e a qualidade dos serviços que recebe em troca de algo como 40% da sua renda."
EDUARDO GRAEFF, 59, é cientista político. Foi secretário-geral da Presidência da República no governo FHC.
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Um comentário:
THEMIS DE CARVALHO:
Caro Juarez,
Impossível não concordar com seu comentário e com a crônica que o segue.
No meu entender considero que aparelhar as Promotorias e Procuradorias de Justiça com condições de trabalho dignas, incluindo-se uma boa biblioteca, é a atitude mais acertada.
Seguindo na esteira do "Vale livro" é possível que venham à reboque o "Vale Gás", "Vale alimentação" e... quem sabe... até mesmo um "Bolsa Família".
Felizmente, com o que ganho, posso perfeitamente comprar todos os livros de que preciso. Algumas práticas que estão surgindo, de forma sorrateira, me parecem formas espúrias de burlar o teto. Considero que tal forma de agir não se coaduna com o discurso do Ministério Público e nem com a grandeza de nossa instituição.
Themis
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