sábado, 17 de março de 2012

Padrinho


– Meu desembargador...

o desembargador responde à saudação com a mesma intimidade.

– Um amigo nosso está em apuros. É sobre uma ação de improbidade. Com essa absurda lei da ficha limpa, ele pode ficar inelegível.

o desembargador diz que sabe de quem se trata, que ele  esteve acompanhado do advogado em seu gabinete.

– Sim, sim. Ele conversou comigo, ontem. Fiquei sabendo que você é o relator...

o desembargador esclarece que não está em julgamento o mérito da ação, mas apenas um agravo contra a decisão do juiz que recebeu a inicial e mandou citar.

– Ah! Então é só um agravo? Menos mal.

o desembargador contemporiza que a justiça é muito lenta, que levaria um bom tempo para o mérito chegar ao tribunal, que o amigo se sairia bem no processo, pois está com um advogado experiente...

– Seja como for, ele não quer dar munição para os adversários. É ano eleitoral... é melhor matar pela raiz, trancar a ação. Pode ser?

o desembargador argumenta que pegaria mal, pois como relator, em casos absolutamente semelhantes, seu voto tinha sido pelo seguimento da ação, por causa do "in dubio pro societate...

– Claro, compreendo perfeitamente suas dificuldades. O advogado me falou que em cinco casos você mandou prosseguir a ação na comarca. E, agora... ter que mudar de posição...

o desembargador procura lembar que existem os outros dois votos da câmara.

– Nem se preocupe, já conseguimos um, prepare seu voto. Você sabe que no direito é só arrumar bem as palavras, existe abrigo pra qualquer mudança de posição, com doutrina e jurisprudência pra todo gosto.

o desembargador admite, emprestando-se ares filosóficos, que essa é a essência da vida: a mutação.

– E eu não conheço os tribunais de brasília?

o desembargador ri.

– Risos.

o desembargador se incomoda com o sigilo da conversação.

– Fique tranquilo, esta linha é segura, tem sempre varredura aqui no ministério.


(Dias depois, o acórdão: “Para que seja aceitável o recebimento da inicial da ação de improbidade, deve haver a caracterização do ato de improbidade e a prova da existência de vontade na conduta do agente.” Azar, o desembargador não sabia que o próprio ministro gravara a conversação.)

Um comentário:

Delvan Tavares disse...

Juarez, há uma preocupação generalizada em relação a possíveis liminares de suspensão cautelar de decisoes de tribunais de contas transitadas em julgado como instrumento de viabilização de candidaturas. É esperar pra crer.