PODERES IMOLADOS
Por Ricardo Van Der Linden
Coelho, promotor de justiça em Pernambuco*
Algo de muito grave
está acontecendo de forma silenciosa e sorrateira na República, a
ameaça ao estado democrático de direito pelo desmanche do Poder
Judiciário e do Ministério Público, orquestrado pelo Legislativo
com a conivência do Executivo federal. O “modus operandi” desta
ação deletéria se dá pela negativa de votar projetos de interesse
do Judiciário e Ministério Público e pela aprovação de projetos
que suprimem poderes, garantias e prerrogativas de seus membros com a
inequívoca intenção de subjugá-los aos demais Poderes.
No estado democrático
de direito, o poder estatal é limitado pela lei, não sendo
absoluto. O controle desta limitação se dá através do acesso de
todos ao Poder Judiciário, que deve possuir autoridade e autonomia
para garantir que as leis existentes cumpram o seu papel de impor
regras e limites ao exercício do poder estatal. A hipertrofia do
Judiciário atinge o Ministério Público que o aciona para garantir
o “império da lei”.
O poder do Estado é
uno e indivisível. A função do poder se divide em três grandes
funções: a função legislativa, a função judicial e a função
executiva. O estado de direito é uma situação jurídica onde cada
um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até a
potência pública. O estado de direito é assim ligado ao respeito
da hierarquia das normas, da separação dos poderes e dos direitos
fundamentais.
O Poder Executivo não
correspondeu às propostas orçamentárias do Judiciário e
Ministério Público, prejudicando a estruturação destes órgãos,
com consequências negativas à qualidade da prestação
jurisdicional. Quem perde com isso é o cidadão. A Justiça
continuará sendo objeto de uma elite que pode contratar bons
advogados para defender seus interesses em foros privilegiados. Ao
necessitado restará a Defensoria Pública igualmente imolada.
A magistratura e o
Ministério Público lutam há 05 anos pela recomposição monetária
dos seus subsídios. O índice pleiteado de 14,79% parece elevado,
mas se você divide por 05 anos dá um percentual de pouco mais de
2%". O índice de inflação oficial acumula mais de 32%. A
Constituição nos arts. 37, X e 95, III assegura a revisão anual
dos subsídios e a irredutibilidade dos vencimentos. O estado
democrático de direito não pode prescindir da existência de uma
Constituição que seja respeitada.
Luta-se também pela
dignidade de um sistema previdenciário que assegure a integralidade
das aposentadorias. Não lhes é assegurada a aposentadoria especial
por tempo de serviço, apesar da condição de risco pessoal pelo
desempenho da profissão. Com o Projeto de Lei n. 1.992/07,
pretende-se ultrapassar o limite do tolerável para entregar a
previdência de agentes políticos ao capital financeiro.
Hoje magistrados e
membros do MP aposentados estão sujeitos ao teto do INSS, tendo na
velhice uma brutal redução do seu padrão remuneratório. Não
possuem adicional por tempo de serviço e nem adicional de
periculosidade por trabalhar em locais inóspitos, muitas vezes
afastados da família. As escalas de plantão são permanentes e sem
direito a compensação dos dias trabalhados em feriados e finais de
semana.
Luta-se contra a
ausência de uma política de segurança capaz de garantir a
integridade física e a higidez mental de seus membros, que atuam
inteiramente expostos à ação de meliantes cada vez mais armados e
organizados, com infiltrações dentro do próprio aparelho estatal
como ocorreu com a juíza Patrícia Acioli ou com o Promotor Rossini
Couto, assassinados por policiais militares.
A magistratura vive uma
situação peculiar. Necessita atualizar a sua anacrônica Lei
Orgânica de 1979, elaborada no regime militar. Tem o projeto de lei
pronto e simplesmente não pode enviá-lo porque teme que os
parlamentares deturpem o seu conteúdo e suprimam garantias
históricas piorando a situação atual que já é crítica. O envio
do PL seria um “cheque em branco” a portadores não confiáveis.
Luta-se pela construção
legislativa de um sistema jurídico capaz de acabar com a impunidade.
A ineficácia de nossa legislação criminal é tamanha que por
inferência lógica a entendemos como uma ação deliberada de quem
se beneficia dela, seja no Parlamento ou fora dele subsidiando
custosos mandatos.
Nada que se refira a
Magistratura ou Ministério Público transita com facilidade no
Congresso. As razões da leniência do Congresso são óbvias. Um em
cada cinco deputados responde a algum tipo de processo movido pelo
Ministério Público para julgamento no foro privilegiado do Supremo
Tribunal Federal (STF). Dos 566 deputados, 114 são alvos de
investigação na mais alta corte do país.
Esses parlamentares
acumulam 243 inquéritos e ações penais, de acordo com levantamento
exclusivo feito pelo “Congresso em Foco”, sem contabilizar os
processos contra parentes e apaniguados envolvidos em uma política
patriarcal e oligárquica como a nossa. Mandatos não são mais
conquistados. Obedecem cada vez mais a regra do “Ius sanguinis”
em detrimento do “Ius meritum”.
Entre as acusações
contra parlamentares, há de tudo um pouco: trabalho escravo,
corrupção passiva e ativa (principalmente), peculato, prevaricação,
estelionato, crime contra o sistema financeiro e a ordem tributária,
coação, lesões corporais, crime contra a liberdade pessoal, crimes
eleitorais e improbidade administrativa.
A frase de Ihering em
seu "Der Kampf ums Recht" ou “A Luta Pelo Direito” é
oportuna para definir o momento atual: “O fim do Direito é a paz,
o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito
estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará
enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta.
A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das
classes sociais, dos indivíduos”.
O momento é de luta, o
mesmo autor adverte que "quem rasteja como um verme não pode se
queixar de ser pisoteado." O silencio dos bons tem nos
preocupado. A subserviência de nossos lideres também. A imagem que
se vende é a de categorias privilegiadas. A realidade é que
magistratura e Ministério Público agonizam e lutam pela preservação
de sua força, independência e dignidade.
É preciso se discutir,
sem submissão, uma nova relação entre os poderes, baseada no
diálogo e na harmonia. O nosso artigo é um grito, um pedido de
socorro e um alerta à sociedade. Hoje, magistratura e Ministério
Público são poderes seriamente imolados.
*Publicado originalmente no blog do autor. Ricardo Van Der Linden Coelho é Promotor de Justiça. Mestre e PHD em Direito Público. Email: rvdvcoelho@yahoo.com. Twitter: ricardovlcoelho.
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