MISSÃO
CUMPRIDA
Por Luís
Gonzaga Martins Coelho, Promotor de Justiça da 28ª Promotoria da
Comarca de São Luís
Dizem que
o ano em nosso país, começa depois do carnaval. Coincidência ou
não, depois de um longo e tenebroso inverno, já quase no apagar das
luzes da atual gestão da Administração do Ministério Público, na
segunda-feira (27/02), primeira depois da festa momesca após anos de
espera, o Conselho Superior do Ministério Público se reuniu para
apreciar diversos pedidos de promoção e remoção e se concretizou
a tão almejada movimentação da carreira do MP.
Finalmente,
com a graça de Deus, após exatos 18 anos, 1 mês e 7 dias de
ingresso no MP cheguei à São Luís. Entre muitas idas e vindas,
enfrentando poeiras e estradas esburacadas, muito trabalho e
dedicação sou promovido pelo critério de antiguidade na condição
de Promotor de Justiça de entrância final para atuar perante a 28ª
PJ da Infância e Juventude. Tudo seria normal, mais um ato de rotina
e alternância como qualquer outro, se não fosse o desejo deliberado
de integrantes da Administração Superior de preterirem ao máximo
minha ascensão na carreira, fruto de acordos espúrios por não
gozar da simpatia da Chefia atual. O desejo de vingança e
perseguição chegou a tal ponto que tive negado meu direito de
férias, apesar de ser o único a constar da escala previamente
elaborada pela Corregedoria do MP. Por falar em Corregedoria, órgão
tão importante da nossa Instituição me chama a atenção agora um
fato que me marcou profundamente, da última vez que concorri para
promoção por merecimento, fui anteriormente correicionado e recebi
conceito de excelência e nota 9 na avaliação, acompanhado de moção
de louvor da Senhora Corregedora-Geral e para minha surpresa não
mereci seu voto. Valho-me destes dois lamentáveis e tristes
episódios na esperança de que fatos como este não mais persistam
em nossa Instituição e possamos refletir coletivamente para criar
mecanismos que filtrem e impeçam a predominância da subjetividade
nas promoções por merecimento e os Relatórios da Corregedoria
sirvam realmente de balizamento para uma aferição real do mérito e
que tais decisões cheguem o mais próximo do justo. Mas isso já é
passado, voltemos ao objetivo dessa reflexão.
Em prol
da preservação da memória de um passado que me foi muito caro
resolvi fazer um sucinto relatório de alguns fatos que marcaram
minha trajetória nessa gloriosa Instituição.
Na
trajetória da vida humana duas décadas podem parecer pouco
significativo, no entanto, na árdua militância de vida profissional
de um Promotor de Justiça interiorano, longe de seus familiares,
representa muitas lutas, sofrimentos e muitos momentos de angustia e
saudade, acrescidos de outras dificuldades decorrentes da falta de
apoio e incompreensões por parte da Administração Superior. Em que
pesem as sérias e constantes dificuldades enfrentadas pela não
divulgação de nossos trabalhos, e perseguições, jamais deixei de
desempenhar minhas funções com zelo, probidade e independência a
serviço da justiça e da sociedade.
Fazendo
uma retrospectiva da minha trajetória funcional, encontrei fatos
marcantes, revivi momentos inesquecíveis nas comarcas por onde
passei que gostaria de humildemente compartilhar com os colegas neste
momento de extrema felicidade.
Na
primeira Comarca de Olho D’água da Cunhãs, onde fui titularizado,
dentre muitas ações, me vem à memória dois fatos relevantes que
marcaram minha passagem por lá; a primeira delas registro pelo
ineditismo da ideia, adquirimos mediante compra realizada pelo
Executivo através de autorização Legislativa a residência oficial
do Promotor de Justiça, antiga casa que servia de morada do gerente
do Bando do Brasil; e a segunda e mais importante iniciativa do MP
foi o trabalho desenvolvido com inestimável sensibilidade e
colaboração do amigo, hoje Juiz da Capital José dos Santos Costa e
parceria da sociedade local. Utilizamos mão de obra voluntária dos
alunos da primeira turma da escola normal daquele Município, cujo
trabalho foi reconhecido como estágio curricular na formatura dos
futuros professores, fizemos um questionário com levantamento de
dados de todas as crianças que estavam fora da sala de aula,
garantindo seu acesso na escola com a respectiva certidão de
nascimento gratuitamente. Tal medida foi importante pois naquele
tempo ainda não existia a Lei nº 9.534/97 da gratuidade do registro
e o programa do Ministério da Educação (FICAI). Os resultados
obtidos foram notados nos anos seguintes tendo o Município de Olho
D’água se notabilizado pela melhoria dos indicadores sociais
(IDH).
Para não
me tornar cansativo fazendo um exaustivo relatório, vou me ater a
indicar tópicos de algumas ações desenvolvidas nas Comarcas de
Timon e Bacabal, de entrância intermediária, onde dediquei os
últimos quatorze anos de minha carreira.
Em Timon:
1)
Realização do fórum de debates sobre segurança pública com
aprovação da carta de Timon e assinatura do TAC para construção
da CCPJ, criação da Delegacia Regional, criação da Delegacia
Especializada da Mulher, implantação da Delegacia Itinerante
(Policiamento Comunitário), estruturação do IML, implantação da
Guarda Municipal, transformação da 3ª Cia Independente de Timon em
Batalhão, dentre outras;
2)
Participação de reunião com ocupantes do Bairro Cidade Nova,
intermediando conflito decorrente de cumprimento de Liminar concedida
em ação de reintegração de posse. Graças à intervenção do
Ministério Público, foi conseguido evitar o despejo das famílias e
conseguimos que o município desapropriasse o local para manter os
ocupantes;
3)
Seminário sobre Dia Internacional da Mulher;
4) Semana
Mundial do meio ambiente com realização de palestras nas escolas
públicas da Zona Rural e Urbana de Timon e plantio de mudas de Pau
Brasil no pátio das escolas no ano comemorativo aos 500 anos do
Brasil;
5)
Participação em mais de 100 sessões do Tribunal do Juri;
6)
Interdição do lixão e assinatura de TAC para implantação de
aterro sanitário/usina de reciclagem;
7)
Retirada de casas das margens do Rio Parnaíba e reflorestamento da
área com plantio de 2000 mudas frutíferas;
8)
Interdição da 2ª DP do Parque Alvorada e assinatura do TAC para
construção de nova delegacia no local;
9)
Combate firme ao crime organizado culminando com prisão de diversos
pistoleiros;
10)
Realização do Fórum de Debates sobre o meio ambiente, que resultou
na criação do fundo municipal e na posse do Conselho Municipal do
Meio Ambiente;
11)
Realização de Audiência Pública para criação do Conselho
comunitário de execução penal;
12)
Regulamentação do serviço de mototaxi visando inibir a ocorrência
de assaltos no município;
13)
Assinatura de TAC com a CEMAR para melhoria da iluminação pública
na cidade e diminuição dos índices de violência urbana;
14)
Audiência pública e TAC sobre represamento de água nos riachos em
Timon;
15)
Realização de seminário de capacitação para entidades sociais de
Assistência social;
16) I
Seminário das lideranças do MCCEA e realização do Ato Público
contra o Foro Privilegiado;
Em
Bacabal:
1)
Criação em parceria com o Poder Judiciário do comitê gestor de
combate às enchentes e o SOS desabrigados para acompanhamento às
vítimas do Rio Mearim;
2)
Audiência pública comemorativa aos 20 anos do ECA e assinatura do
Pacto pela infância e Juventude com os chefes do executivo e
legislativo municipal;
3)
Realização de audiência pública “Saúde Direto de Todos. Dever
do Estado” e assinatura do TAC com a municipalidade e o Estado para
melhor funcionamento do Sistema de Saúde, inclusive com a
operacionalização do Hemonúcleo transfusional de Bacabal;
4)
Audiência com diretores do ensino dos municípios sede e termos de
Bacabal para entrega da Recomendação “promovendo a cultura da paz
nas escolas” evitando as situações de atos de infração e de
indisciplina praticados por alunos nas dependências dos
estabelecimentos de ensino;
5)
Instauração de PA para apurar a ocorrência de crime de exercício
irregular da medicina;
6)
Realização de dezenas de júri, inclusive auxiliando colegas quando
solicitado;
7)
Audiência pública e lançamento da campanha de combate à violência
sexual, abuso e exploração sexual contra criança e adolescentes;
8)
Audiência pública e assinatura do TAC sobre poluição sonora, com
a fixação de cartazes nos bares da cidade;
9)
Audiência pública disciplinando a presença de menores em Lan House
nos horários de aula;
10)
Realização do fórum de debates sobre segurança pública para
discutir a situação do sistema carcerário, que resultou na
construção da nova unidade prisional (CCPJ);
11)
Criação da rede social antidrogas de enfrentamento ao CRACK, que
resultou na Assinatura do TAC com o Poder Executivo municipal, onde a
municipalidade se comprometeu em firmar convênio com a Fazenda
Esperança para garantir o tratamento e recuperação de dependentes
de substâncias entorpecentes, encaminhar projeto criando o conselho
municipal antidrogas, criação do fundo municipal antidrogas e
aprovação do plano de aprovação de recursos do FIA, criação e
implantação do CAPSad (álcool e drogas), dentre outras;
12)
Audiência pública para disciplinamento do carnaval, combate à
exploração sexual infanto-juvenil e proibição de venda de bebida
alcoólica e frequência de menores em motéis com entrega de
cartazes, recomendações e assinatura de TAC;
13)
Expedição de recomendação ao Poder Executivo municipal para que
na elaboração da proposta orçamentária fizesse constar recursos
para construção e manutenção de creches e pré-escola visando
atender crianças de 0 a 5 anos de idade;
14)
Passeata seguida de Audiência Pública com palestra sobre combate às
drogas pelo médico psiquiatra Dr. Ruy Palhano.
Em poucas
linhas, seria impossível lembrar e relatar as centenas de ações e
atividades por nós desenvolvidas ao longo deste caminho, pois o
trabalho de um Promotor de Justiça não se limita apenas a fazer
audiência, participar de sessão do júri, realizar eventos,
manifestar em processos, mas principalmente na realização de uma
série de atos extraprocessuais, mediando conflitos e atendendo
advogados, as partes e pessoas da comunidade. Tão importantes quanto
a distância percorrida foram as conquistas alcançadas e a alegria
de tantos semblantes felizes que me veem à memória.
Abracei o
Ministério Público por opção e paixão e fiz em todos estes anos
de exercício da profissão uma trincheira de lutas, com fidelidade
aos princípios da justiça e engrandecimento de nossa Instituição.
Como dizia Cora Coralina, “me esforço para ser melhor a cada dia,
pois bondade também se aprende” e isso aprendi na convivência
diária com os colegas e servidores de cada uma destas comarcas por
onde passei, cuja colaboração foi imprescindível para o sucesso
alcançado.
Com a
sensação do dever cumprido, encerro esta etapa da minha vida. Vejo
minha chegada em São Luís como encerramento de um ciclo de
atividade do 1º grau e reinício de outra agora na capital, movido
pelo mesmo espírito de bem servir à sociedade no cumprimento de meu
múnus. Reafirmo o que disse no discurso que proferi quando da minha
posse, continuar trabalhando e dignificando essa honrada Instituição
que já foi a mais respeitada de nosso país, cumprindo com
fidelidade minha profissão, respeitando os preceitos de honestidade
e justiça, sem nunca me afastar da ética e da moral.
Utilizando-me
da linguagem futebolística, chego à capital por antiguidade na
prorrogação do segundo tempo. O certo é que independentemente da
vontade de alguns, existe o critério constitucional antiguidade e
finalmente foi destrancada a pauta para a tão esperada e necessária
movimentação da carreira.
Como
Promotor de Justiça que viveu as agruras de trabalhar no interior,
sem infra estrutura material e humana, deixo meu apelo à
Administração Superior e aos futuros Procuradores Gerais, tenham os
olhos voltados para o fortalecimento da base, cujo trabalho
representa a vitrine do Ministério Público.
Aproveito
do ensejo para parabenizar aos colegas Promovidos e Removidos
desejando a todos muito sucesso. Por oportuno, em razão da minha
promoção para São Luís e mudança de área de cobertura de
telefonia móvel, gostaria de informar o nosso novo número de
contato (98) 9151-2188.
Um abraço
fraternal a todos e em especial às mulheres pela passagem do dia
Internacional (08/03)
Um comentário:
Antes de qualquer coisa, registro, aqui, os meus parabéns ao colega Gonzaga, que honra as fileiras deste Ministério Público.
Permitam-me, apenas, fazer algumas ponderações sobre as injustiças reportadas no texto.
O relato sobre as dificuldades para alcançarmos uma promoção não é uma exclusividade do colega subscritor do texto, como também não é a sua indignação. Quantos colegas, lendo o que está no proêmio do texto, não se rememoraram das injustiças relatadas, girando o ângulo da lente de suas memórias para muito lá atrás.
Não, caro Gonzaga, não contas o novo. Esse é o único reparo que faço ao que escreveste, i. e., o visível esforço em embrulhá-lo no papel saído da última fornada para fazer parecer que as injustiças nos certames de promoção, assim como outras, foram paridas pela atual Administração do Ministério Público do Estado do Maranhão.
Eu mesmo, como bem sabes, fui apeado de uma lista tríplice nas mesmas e exatas circunstâncias que retratastes. Talvez, no meu caso a injustiça se agrave porque participava de votação de remanescente de lista. Outros podem relatar os seus exemplos. O início do texto ora comentado não se ocupa do combate a essas injustiças, mesmo porque o seu sentido não é discuti-las, mas, sim, parecer que o problema é da atual Administração. Esse é o grande embaraço causado por essa forma de atuação política, porquanto nos impede de discutir os problemas, ficando nos ataques pessoais. Gonzaga, o germe da injustiça que relatas não surgiu agora. Vamos discutir, efetivamente, os problemas ou vamos continuar nos dispersando com discussões pessoais?
Já nos perdemos na luta contra essas e outras injustiças, no momento em que escolhemos um inimigo onde se jogou todas as culpas dos problemas que vivemos. Renovo o que penso a respeito. Problemas que precisam ser discutidos com a propriedade dos argumentos não os são, porque, embora nos aflijam há tempos, são limpos do bolor para parecerem novos e, com isso, causarem a impressão de que basta alçar ao poder o responsável pela limpeza e todos estaremos salvos. Assim, impedem que qualquer discussão relevante vá adiante, porquanto já se tem um culpado presente, e todo esforço dá-se apenas no sentido de exprobrá-lo e tirá-lo de nossa frente.
Direito não se nega. Essa exigência não pode ser dirigida somente para a Administração que está aí, como também às que passaram e as que hão de vir. Se não tivermos essa consciência, não conseguiremos discutir os problemas do Ministério Público do Estado do Maranhão que, assim, continuarão a ser sentidos.
É preciso que todos sentem à mesa despidos de ódio, sem rancores, cônscios de que os erros até aqui cometidos somente serão freados se houver união, o que não significa deixar de divergir. Ao contrário. Contudo, no meu entendimento, nós só teremos um ambiente propício para discutirmos as divergências se pararmos com a guerra intestina que se vê travada no Ministério Público do Estado do Maranhão, a qual, cheguei a pensar, estava se esvaindo, mas o início do teu texto me mostra que não. Enquanto isso não acontecer, ficaremos assistindo a esse arranca-rabos que não se aguenta mais.
Não temos um ser magnífico entre nós. Todos sabem que problemas existem e precisam ser resolvidos. No entanto, há aqueles que querem, realmente, discuti-los, sem a arrogância de ser o senhor da moral, e existem outros que não têm qualquer interesse nessa discussão, ocupados em laçar o bode para que todos nós coloquemos nossas mãos na sua cabeça para, em seguida, sacrificá-lo, purificando-nos de todo pecado, permitindo, assim, que a procissão siga com a reza que já conhecemos.
É, Gonzaga! A primeira parte do teu texto é, na verdade, um museu de grandes novidades.
O Ministério Público do Estado do Maranhão precisa se reconciliar.
Mais uma vez parabéns e que sejas feliz na Comarca da Capital.
Celso Coutinho, filho.
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