quarta-feira, 7 de março de 2012

Capital


MISSÃO CUMPRIDA
Por Luís Gonzaga Martins Coelho, Promotor de Justiça da 28ª Promotoria da Comarca de São Luís

Dizem que o ano em nosso país, começa depois do carnaval. Coincidência ou não, depois de um longo e tenebroso inverno, já quase no apagar das luzes da atual gestão da Administração do Ministério Público, na segunda-feira (27/02), primeira depois da festa momesca após anos de espera, o Conselho Superior do Ministério Público se reuniu para apreciar diversos pedidos de promoção e remoção e se concretizou a tão almejada movimentação da carreira do MP.
Finalmente, com a graça de Deus, após exatos 18 anos, 1 mês e 7 dias de ingresso no MP cheguei à São Luís. Entre muitas idas e vindas, enfrentando poeiras e estradas esburacadas, muito trabalho e dedicação sou promovido pelo critério de antiguidade na condição de Promotor de Justiça de entrância final para atuar perante a 28ª PJ da Infância e Juventude. Tudo seria normal, mais um ato de rotina e alternância como qualquer outro, se não fosse o desejo deliberado de integrantes da Administração Superior de preterirem ao máximo minha ascensão na carreira, fruto de acordos espúrios por não gozar da simpatia da Chefia atual. O desejo de vingança e perseguição chegou a tal ponto que tive negado meu direito de férias, apesar de ser o único a constar da escala previamente elaborada pela Corregedoria do MP. Por falar em Corregedoria, órgão tão importante da nossa Instituição me chama a atenção agora um fato que me marcou profundamente, da última vez que concorri para promoção por merecimento, fui anteriormente correicionado e recebi conceito de excelência e nota 9 na avaliação, acompanhado de moção de louvor da Senhora Corregedora-Geral e para minha surpresa não mereci seu voto. Valho-me destes dois lamentáveis e tristes episódios na esperança de que fatos como este não mais persistam em nossa Instituição e possamos refletir coletivamente para criar mecanismos que filtrem e impeçam a predominância da subjetividade nas promoções por merecimento e os Relatórios da Corregedoria sirvam realmente de balizamento para uma aferição real do mérito e que tais decisões cheguem o mais próximo do justo. Mas isso já é passado, voltemos ao objetivo dessa reflexão.

Em prol da preservação da memória de um passado que me foi muito caro resolvi fazer um sucinto relatório de alguns fatos que marcaram minha trajetória nessa gloriosa Instituição.

Na trajetória da vida humana duas décadas podem parecer pouco significativo, no entanto, na árdua militância de vida profissional de um Promotor de Justiça interiorano, longe de seus familiares, representa muitas lutas, sofrimentos e muitos momentos de angustia e saudade, acrescidos de outras dificuldades decorrentes da falta de apoio e incompreensões por parte da Administração Superior. Em que pesem as sérias e constantes dificuldades enfrentadas pela não divulgação de nossos trabalhos, e perseguições, jamais deixei de desempenhar minhas funções com zelo, probidade e independência a serviço da justiça e da sociedade.

Fazendo uma retrospectiva da minha trajetória funcional, encontrei fatos marcantes, revivi momentos inesquecíveis nas comarcas por onde passei que gostaria de humildemente compartilhar com os colegas neste momento de extrema felicidade.

Na primeira Comarca de Olho D’água da Cunhãs, onde fui titularizado, dentre muitas ações, me vem à memória dois fatos relevantes que marcaram minha passagem por lá; a primeira delas registro pelo ineditismo da ideia, adquirimos mediante compra realizada pelo Executivo através de autorização Legislativa a residência oficial do Promotor de Justiça, antiga casa que servia de morada do gerente do Bando do Brasil; e a segunda e mais importante iniciativa do MP foi o trabalho desenvolvido com inestimável sensibilidade e colaboração do amigo, hoje Juiz da Capital José dos Santos Costa e parceria da sociedade local. Utilizamos mão de obra voluntária dos alunos da primeira turma da escola normal daquele Município, cujo trabalho foi reconhecido como estágio curricular na formatura dos futuros professores, fizemos um questionário com levantamento de dados de todas as crianças que estavam fora da sala de aula, garantindo seu acesso na escola com a respectiva certidão de nascimento gratuitamente. Tal medida foi importante pois naquele tempo ainda não existia a Lei nº 9.534/97 da gratuidade do registro e o programa do Ministério da Educação (FICAI). Os resultados obtidos foram notados nos anos seguintes tendo o Município de Olho D’água se notabilizado pela melhoria dos indicadores sociais (IDH).

Para não me tornar cansativo fazendo um exaustivo relatório, vou me ater a indicar tópicos de algumas ações desenvolvidas nas Comarcas de Timon e Bacabal, de entrância intermediária, onde dediquei os últimos quatorze anos de minha carreira.

Em Timon:

1) Realização do fórum de debates sobre segurança pública com aprovação da carta de Timon e assinatura do TAC para construção da CCPJ, criação da Delegacia Regional, criação da Delegacia Especializada da Mulher, implantação da Delegacia Itinerante (Policiamento Comunitário), estruturação do IML, implantação da Guarda Municipal, transformação da 3ª Cia Independente de Timon em Batalhão, dentre outras;
2) Participação de reunião com ocupantes do Bairro Cidade Nova, intermediando conflito decorrente de cumprimento de Liminar concedida em ação de reintegração de posse. Graças à intervenção do Ministério Público, foi conseguido evitar o despejo das famílias e conseguimos que o município desapropriasse o local para manter os ocupantes;
3) Seminário sobre Dia Internacional da Mulher;
4) Semana Mundial do meio ambiente com realização de palestras nas escolas públicas da Zona Rural e Urbana de Timon e plantio de mudas de Pau Brasil no pátio das escolas no ano comemorativo aos 500 anos do Brasil;
5) Participação em mais de 100 sessões do Tribunal do Juri;
6) Interdição do lixão e assinatura de TAC para implantação de aterro sanitário/usina de reciclagem;
7) Retirada de casas das margens do Rio Parnaíba e reflorestamento da área com plantio de 2000 mudas frutíferas;
8) Interdição da 2ª DP do Parque Alvorada e assinatura do TAC para construção de nova delegacia no local;
9) Combate firme ao crime organizado culminando com prisão de diversos pistoleiros;
10) Realização do Fórum de Debates sobre o meio ambiente, que resultou na criação do fundo municipal e na posse do Conselho Municipal do Meio Ambiente;
11) Realização de Audiência Pública para criação do Conselho comunitário de execução penal;
12) Regulamentação do serviço de mototaxi visando inibir a ocorrência de assaltos no município;
13) Assinatura de TAC com a CEMAR para melhoria da iluminação pública na cidade e diminuição dos índices de violência urbana;
14) Audiência pública e TAC sobre represamento de água nos riachos em Timon;
15) Realização de seminário de capacitação para entidades sociais de Assistência social;
16) I Seminário das lideranças do MCCEA e realização do Ato Público contra o Foro Privilegiado;

Em Bacabal:

1) Criação em parceria com o Poder Judiciário do comitê gestor de combate às enchentes e o SOS desabrigados para acompanhamento às vítimas do Rio Mearim;
2) Audiência pública comemorativa aos 20 anos do ECA e assinatura do Pacto pela infância e Juventude com os chefes do executivo e legislativo municipal;
3) Realização de audiência pública “Saúde Direto de Todos. Dever do Estado” e assinatura do TAC com a municipalidade e o Estado para melhor funcionamento do Sistema de Saúde, inclusive com a operacionalização do Hemonúcleo transfusional de Bacabal;
4) Audiência com diretores do ensino dos municípios sede e termos de Bacabal para entrega da Recomendação “promovendo a cultura da paz nas escolas” evitando as situações de atos de infração e de indisciplina praticados por alunos nas dependências dos estabelecimentos de ensino;
5) Instauração de PA para apurar a ocorrência de crime de exercício irregular da medicina;
6) Realização de dezenas de júri, inclusive auxiliando colegas quando solicitado;
7) Audiência pública e lançamento da campanha de combate à violência sexual, abuso e exploração sexual contra criança e adolescentes;
8) Audiência pública e assinatura do TAC sobre poluição sonora, com a fixação de cartazes nos bares da cidade;
9) Audiência pública disciplinando a presença de menores em Lan House nos horários de aula;
10) Realização do fórum de debates sobre segurança pública para discutir a situação do sistema carcerário, que resultou na construção da nova unidade prisional (CCPJ);
11) Criação da rede social antidrogas de enfrentamento ao CRACK, que resultou na Assinatura do TAC com o Poder Executivo municipal, onde a municipalidade se comprometeu em firmar convênio com a Fazenda Esperança para garantir o tratamento e recuperação de dependentes de substâncias entorpecentes, encaminhar projeto criando o conselho municipal antidrogas, criação do fundo municipal antidrogas e aprovação do plano de aprovação de recursos do FIA, criação e implantação do CAPSad (álcool e drogas), dentre outras;
12) Audiência pública para disciplinamento do carnaval, combate à exploração sexual infanto-juvenil e proibição de venda de bebida alcoólica e frequência de menores em motéis com entrega de cartazes, recomendações e assinatura de TAC;
13) Expedição de recomendação ao Poder Executivo municipal para que na elaboração da proposta orçamentária fizesse constar recursos para construção e manutenção de creches e pré-escola visando atender crianças de 0 a 5 anos de idade;
14) Passeata seguida de Audiência Pública com palestra sobre combate às drogas pelo médico psiquiatra Dr. Ruy Palhano.

Em poucas linhas, seria impossível lembrar e relatar as centenas de ações e atividades por nós desenvolvidas ao longo deste caminho, pois o trabalho de um Promotor de Justiça não se limita apenas a fazer audiência, participar de sessão do júri, realizar eventos, manifestar em processos, mas principalmente na realização de uma série de atos extraprocessuais, mediando conflitos e atendendo advogados, as partes e pessoas da comunidade. Tão importantes quanto a distância percorrida foram as conquistas alcançadas e a alegria de tantos semblantes felizes que me veem à memória.

Abracei o Ministério Público por opção e paixão e fiz em todos estes anos de exercício da profissão uma trincheira de lutas, com fidelidade aos princípios da justiça e engrandecimento de nossa Instituição. Como dizia Cora Coralina, “me esforço para ser melhor a cada dia, pois bondade também se aprende” e isso aprendi na convivência diária com os colegas e servidores de cada uma destas comarcas por onde passei, cuja colaboração foi imprescindível para o sucesso alcançado.

Com a sensação do dever cumprido, encerro esta etapa da minha vida. Vejo minha chegada em São Luís como encerramento de um ciclo de atividade do 1º grau e reinício de outra agora na capital, movido pelo mesmo espírito de bem servir à sociedade no cumprimento de meu múnus. Reafirmo o que disse no discurso que proferi quando da minha posse, continuar trabalhando e dignificando essa honrada Instituição que já foi a mais respeitada de nosso país, cumprindo com fidelidade minha profissão, respeitando os preceitos de honestidade e justiça, sem nunca me afastar da ética e da moral.

Utilizando-me da linguagem futebolística, chego à capital por antiguidade na prorrogação do segundo tempo. O certo é que independentemente da vontade de alguns, existe o critério constitucional antiguidade e finalmente foi destrancada a pauta para a tão esperada e necessária movimentação da carreira.

Como Promotor de Justiça que viveu as agruras de trabalhar no interior, sem infra estrutura material e humana, deixo meu apelo à Administração Superior e aos futuros Procuradores Gerais, tenham os olhos voltados para o fortalecimento da base, cujo trabalho representa a vitrine do Ministério Público.

Aproveito do ensejo para parabenizar aos colegas Promovidos e Removidos desejando a todos muito sucesso. Por oportuno, em razão da minha promoção para São Luís e mudança de área de cobertura de telefonia móvel, gostaria de informar o nosso novo número de contato (98) 9151-2188.

Um abraço fraternal a todos e em especial às mulheres pela passagem do dia Internacional (08/03)


Um comentário:

Celso Coutinho, filho. disse...

Antes de qualquer coisa, registro, aqui, os meus parabéns ao colega Gonzaga, que honra as fileiras deste Ministério Público.

Permitam-me, apenas, fazer algumas ponderações sobre as injustiças reportadas no texto.

O relato sobre as dificuldades para alcançarmos uma promoção não é uma exclusividade do colega subscritor do texto, como também não é a sua indignação. Quantos colegas, lendo o que está no proêmio do texto, não se rememoraram das injustiças relatadas, girando o ângulo da lente de suas memórias para muito lá atrás.

Não, caro Gonzaga, não contas o novo. Esse é o único reparo que faço ao que escreveste, i. e., o visível esforço em embrulhá-lo no papel saído da última fornada para fazer parecer que as injustiças nos certames de promoção, assim como outras, foram paridas pela atual Administração do Ministério Público do Estado do Maranhão.

Eu mesmo, como bem sabes, fui apeado de uma lista tríplice nas mesmas e exatas circunstâncias que retratastes. Talvez, no meu caso a injustiça se agrave porque participava de votação de remanescente de lista. Outros podem relatar os seus exemplos. O início do texto ora comentado não se ocupa do combate a essas injustiças, mesmo porque o seu sentido não é discuti-las, mas, sim, parecer que o problema é da atual Administração. Esse é o grande embaraço causado por essa forma de atuação política, porquanto nos impede de discutir os problemas, ficando nos ataques pessoais. Gonzaga, o germe da injustiça que relatas não surgiu agora. Vamos discutir, efetivamente, os problemas ou vamos continuar nos dispersando com discussões pessoais?

Já nos perdemos na luta contra essas e outras injustiças, no momento em que escolhemos um inimigo onde se jogou todas as culpas dos problemas que vivemos. Renovo o que penso a respeito. Problemas que precisam ser discutidos com a propriedade dos argumentos não os são, porque, embora nos aflijam há tempos, são limpos do bolor para parecerem novos e, com isso, causarem a impressão de que basta alçar ao poder o responsável pela limpeza e todos estaremos salvos. Assim, impedem que qualquer discussão relevante vá adiante, porquanto já se tem um culpado presente, e todo esforço dá-se apenas no sentido de exprobrá-lo e tirá-lo de nossa frente.

Direito não se nega. Essa exigência não pode ser dirigida somente para a Administração que está aí, como também às que passaram e as que hão de vir. Se não tivermos essa consciência, não conseguiremos discutir os problemas do Ministério Público do Estado do Maranhão que, assim, continuarão a ser sentidos.

É preciso que todos sentem à mesa despidos de ódio, sem rancores, cônscios de que os erros até aqui cometidos somente serão freados se houver união, o que não significa deixar de divergir. Ao contrário. Contudo, no meu entendimento, nós só teremos um ambiente propício para discutirmos as divergências se pararmos com a guerra intestina que se vê travada no Ministério Público do Estado do Maranhão, a qual, cheguei a pensar, estava se esvaindo, mas o início do teu texto me mostra que não. Enquanto isso não acontecer, ficaremos assistindo a esse arranca-rabos que não se aguenta mais.

Não temos um ser magnífico entre nós. Todos sabem que problemas existem e precisam ser resolvidos. No entanto, há aqueles que querem, realmente, discuti-los, sem a arrogância de ser o senhor da moral, e existem outros que não têm qualquer interesse nessa discussão, ocupados em laçar o bode para que todos nós coloquemos nossas mãos na sua cabeça para, em seguida, sacrificá-lo, purificando-nos de todo pecado, permitindo, assim, que a procissão siga com a reza que já conhecemos.

É, Gonzaga! A primeira parte do teu texto é, na verdade, um museu de grandes novidades.

O Ministério Público do Estado do Maranhão precisa se reconciliar.

Mais uma vez parabéns e que sejas feliz na Comarca da Capital.

Celso Coutinho, filho.