sábado, 10 de maio de 2008

Faz de conta

Da colega Ariadne de Fátima Cantú da Silva
Promotora de Justiça do Mato Grosso do Sul

São Paulo e outros estados elegeram o Procurador Geral de Justiça, chefe da instituição e pessoa sobre a qual recai a incumbência de chefiar o Ministério Público Estadual e também um grande número de atribuições, dentre as quais a legitimidade para processar criminalmente os prefeitos municipais e autoridades com prerrogativas de foro e atos de improbidade administrativa das mais altas autoridades do Estado.

Os promotores, assim como o Procurador Geral de Justiça, servem à população, pois além de serem detentores exclusivos da legitimidade para propositura da ação penal pública, a lei determina que sejam seus emissários na luta e defesa pelos direitos e garantias fundamentais e, portanto, incondicionais defensores da ordem jurídica e do regime democrático.

O sistema legal vigente seria quase perfeito se não fosse por um detalhe crucial: os promotores não elegem o procurador geral, isto porque a lei em vigor determina que o "governador" o faça, a partir de uma lista de três nomes, que os próprios Promotores de Justiça elaboram, podendo o governador escolher discricionariamente o mais votado ou o menos votado.

Quem perde com isso? Quem ganha com isso? Em pesquisa recente sobre o índice de confiabilidade de algumas instituições brasileiras, realizada pelo IBOPE e catalogada sob o número 165/2006, o Ministério Público ficou com 44%, o Poder Judiciário com 40% e a polícia com modestos 33%. E neste caso é imperativo concluir que quem perde é a sociedade, por ver atrelado o representante máximo do Ministério Público ao poder executivo, quando a este lhe incumbe fiscalizar.

Esta relação "incestuosa-discricionária" facultada pela lei, que permite a intervenção do governador na indicação do chefe do Ministério Público, vem recebendo severas críticas país afora e mobilizando a Conamp (Confederação Nacional do Ministério Público), que tem disparado cartas e mais cartas a diversos estados que se encontram escolhendo o chefe do MP, na luta pela legitimidade da vontade da classe. Esta é a vontade das associações de classe.

Internamente, os efeitos de uma eleição que não corrobora o desejo da classe vão muito além de um simples descontentamento. Geram também uma instabilidade perigosa, visto tratar-se de uma classe profissional com tantos poderes constitucionais. Novamente, todos perdem. Perde a sociedade e perdem os Promotores de Justiça.

Para que servem, então, as eleições para Procurador Geral de Justiça se na prática um candidato pode efetivamente figurar na lista tríplice com parcos votos e, portanto, com pouca ou nenhuma legitimidade vir a assumir a chefia da instituição? O que se sabe é que esta segunda etapa do processo eleitoral se dá de forma sigilosa e a "campanha" é desconhecida tanto pelos Promotores de Justiça quanto pelo público, que é o maior emissário do trabalho do Ministério Público. Outra vez, todos perdem.

Com as eleições para prefeitos municipais deve-se voltar à questão inicial da legitimidade e liberdade que deve nortear a atuação dos Promotores de Justiça, servindo de lastro de lisura e independência para proporcionar efetivo abrigo aos interesses constitucionalmente assegurados à sociedade.

A população, embora não possa votar para eleger os procuradores gerais de justiça, como fazem os americanos, deve saber como o processo funciona para que possa cobrar de seus administradores a liberdade que o Ministério Público precisa ter para defendê-los.

[Os Promotores de Justiça e as eleições “de mentirinha” , in Correio da Cidadania]


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