quarta-feira, 27 de março de 2013

Hoje, poder se divide


Por Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro, Juíza de Direito - São Luís

Tempos atrás, em artigo publicado neste matutino, li uma história interessante que era mais ou menos assim: no tempo em que Vitorino Freire detinha a liderança política no Maranhão, no dia da eleição ele entregava a cédula de votação para o eleitor, já preenchida, e o “direito” deste era de tão somente colocá-la na urna. Numa dessas ocasiões, um eleitor mais “curioso”, ao receber a cédula perguntou a Vitorino: “Doutor, me desculpa, mas em quem eu estou votando?” Ao que Vitorino, de pronto, respondeu indignado: “Quando já se viu isso? Vá lá e bote o voto na urna.”

Pois bem, naqueles tempos, em regra, os políticos tinham poderes quase absolutos. Hoje, se compararmos ao tempo de outrora, esse poder felizmente está bem relativizado.

Com o avanço da tecnologia, principalmente no campo da comunicação, a maioria tem acesso a tudo que está acontecendo no mundo, em tempo real. E mais: essa mesma tecnologia permite interatividade, o que faz com que todo mundo opine, em tudo; que promova abaixo-assinados com participação de milhões, como aconteceu, por exemplo, quando a sociedade se mobilizou e conseguiu a Lei da Ficha Limpa; que crie páginas sociais para defesa de grupos com interesses comuns, enfim, as possibilidades são inúmeras.

Isso e muito mais, em última análise, é democratização do poder, divisão do poder entre os representantes (autoridades) e representados (cidadãos). Por via de conseqüência, isso implica em legítimas cobranças e críticas.

Fiz essa introdução, para dizer que hoje a máxima de que “poder não se divide”, tem validade relativa e só é legítimo decidir solitariamente em algumas circunstâncias. Por exemplo, em certas situações, a decisão da autoridade pode desagradar um grupo, mas é justificada pelo interesse público; no exercício da magistratura, todas as vezes que o juiz decide, a parte perdedora, por certo, não ficará satisfeita com a sentença, porém o julgador tem que seguir as balizas que as provas e a lei impõem.

Entretanto, mesmo na magistratura, hoje o espaço para divisão do poder é cada vez maior e até incentivado. Para dar conta do trabalho que a sociedade exige, temos nos valido, quando possível, de conciliadores, mediadores e árbitros. Afinal, nossa missão é resolver as disputas em tempo razoável, coisa cada vez mais complicada pelo volume crescente de processos, logo foi preciso mudar a fórmula antiga e incorporar novos parceiros.

Em face disso é que não entendo o apoio da polícia à proposta de emenda constitucional (PEC 37/2011), que impede que o Ministério Público e outros atores públicos tenham competência para investigar.

Até onde sei, o contingente policial é inferior à demanda. Na maioria das pequenas cidades do interior, este se resume a dois policiais militares, sendo que um deles exerce a função de delegado e o outro de carcereiro. Tanto é assim, que a reclamação constante dos quadros das policiais é, com bastante razão, o excesso de trabalho e o número reduzido de pessoal, o que prejudica as investigações e resulta num índice baixo de resolução, no universo de denúncias apresentadas.

Quantos cidadãos já foram vítimas de pequenos delitos, mas, se muito, fizeram o boletim de ocorrência, para preservar direitos, e nunca tiveram resposta da conclusão do inquérito? Inúmeros. E sabe por quê? Porque a polícia não tem um quadro de pessoal, de delegados a investigadores, suficiente para tentar desvendar todos os crimes e acaba por focar nos mais graves.

Outro fato que, a meu juízo, vai de encontro ao projeto de exclusividade nas investigações, é que os delegados de polícia não detêm, a exemplo de juízes e promotores, a prerrogativa da inamovibilidade, do qual mais de uma vez declarei-me favorável.

Já escutei delegado de polícia reclamar que foi removido, por contrariar interesse político em uma investigação.

Em suma, será que, nesse cenário, a polícia sozinha terá condição de investigar os crimes urbanos, ambientais, fiscais, de improbidade administrativa e tantos outros? Como os dois únicos policiais, de várias localidades, darão conta de prevenir e investigar essa gama de crimes? E se, por mágica, eles conseguirem dar conta da demanda, quando contrariarem interesses poderosos, como garantir que não serão removidos e arquive-se a investigação?

A história que conto na abertura, deixa claro que o poder público era exercido por homens e mulheres (algumas poucas), na convicção que o poder que lhes fora conferido era de uso pessoal e o povo aceitava com naturalidade. Hoje, repito, por mais que persistam os abusos e condutas inapropriadas na esfera pública, a sociedade se recusa a aceitar como natural que os detentores de cargos ou funções públicas se movimentem com o propósito de assegurar interesses que trarão prejuízos à coletividade.

Tomo a liberdade de trazer esse tema à reflexão, pois tenho amigos e amigas na polícia, que exercem com destemor e dedicação suas funções, não fazendo mais por conta das limitações expostas.

O próprio autor da PEC 37, que tem feito um trabalho excepcional no Congresso Nacional, é meu amigo e sei do seu compromisso com a questão da segurança pública e dos assuntos afetos à Justiça, por isso ouso sugerir que priorize a luta pela reformulação da carreira dos delegados de polícia e conquiste a inamovibilidade. Penso que essas mudanças são mais importantes, pois excluem a possibilidade de ingerências indevidas, e, como resultado, fortalece a classe e reforça o poder do cidadão.

Finalizando, quero destacar que o recém-eleito Sumo Sacerdote da Igreja Católica, Papa Francisco, deu um exemplo ímpar de desapego ao poder e humildade: após ser escolhido, na sacada do Vaticano, este de joelhos pediu ao povo que orasse por ele, para que consiga cumprir a difícil missão. Ou seja, todos nós precisamos de ajuda, se o propósito em destaque é servir melhor a coletividade.

*sonia.amaral@globo.com 

sexta-feira, 1 de março de 2013

Permaneça


Voltou. Ainda bem que não feneceu. O Fórum Permanente como espaço da fala, do debate, da proposta, da crítica, da convivência, da (necessária) maturidade institucional. Muito bem vindo. Espaço como esse deve ser apropriado por quantos queiram construir a muitas mãos. Poderia até entrar no discurso das “nossas garantias". Bom retorno. Vida longa!

No Fórum de hoje (01/03/13), as estratégias para o combate à proposta de Emenda Constitucional de Facilitação à Impunidade, a PEC 37.

Nas palavras da Procuradora-Geral de Justiça, Dra. Regina Rocha:

"É interessante notar que a criação da PEC 37 coincide com a atuação do Ministério Público contra a corrupção, que resultou em ações importantes como o processo do Mensalão. O trabalho do Ministério Público em parceria com as polícias federal, militar e civil, e com os Tribunais de Contas dos Estados e da União, tem rendido bons frutos por todo o Brasil, e os denominados “criminosos de colarinho branco” foram sendo descobertos, processados e punidos. É por isso que as instituições devem andar unidas e não separadas! Quando se trata de investigação, o velho ditado de que “a união faz a força” é plenamente aplicável. Com a PEC 37, a atribuição investigatória passa a ser restrita às polícias estadual e federal, o que irá, inevitavelmente, reduzir o poder de força do Estado contra a corrupção. Então fica a pergunta: a quem interessa a PEC 37? Só pode interessar aos criminosos e às suas organizações, pois para a sociedade, quanto mais instituições puderem unir as suas forças e investigar, mais resguardada a sociedade estará."

Clique e veja vídeo popular de divulgação da campanha contra a PEC 37.