quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Quer dizer que...

“Mandado de Segurança impetrado por ABCD*, Promotora de Justiça, em face de ato da em. Procuradora-Geral de Justiça do Estado do Maranhão, que indeferiu o pedido, por ela formulado, de remoção temporária à Comarca de São Luís, para tratamento médico. Ao que dão conta os autos, a Impetrante apresentaria, desde 2003, doença psiquiátrica nominada "transtorno misto de ansiedade e depressão" - identificação F-41.2, CID 10 da OMS -, tendo assim requerido, após submissão à competente perícia, sua remoção, pelo prazo de seis meses, para esta Capital, com vistas à persecução do atendimento médico necessário.

Indeferido o pleito, e bem assim o pedido de reconsideração que o seguiu, e afirmando-se impossibilitada, por ordens médicas, de exercer suas funções perante a Comarca de Imperatriz, a Impetrante quedou por formular requerimento outro, desta feita solicitando o gozo de férias atrasadas, supostamente acumuladas.

Igualmente denegado aquele pleito, sobreveio Mandado de Segurança (MS n° 000892/2011) perante esta Corte, com liminar deferida pelo em. Desembargador Marcelo Carvalho Silva, no exercício do Plantão Judiciário do Segundo Grau.

Assim foi que, findos os primeiros 30 (trinta) dias de férias garantidos por força daquela liminar, e requerido o gozo de novo período supostamente igualmente devido, entendeu a d. autoridade dita coatora pelo descabimento daquela pretensão, haja vista encontrar-se, a Impetrante, "afastada de suas funções ministeriais por longo tempo, causando prejuízos ao bom desenvolvimento das atribuições das promotorias" (fl. 11). Por isso esta impetração, agora, reclamando abusivo o ato impugnado, vez que "a Impetrante demonstrou que os Laudos Médicos, ao falarem em 'remoção', ou 'remoção temporária', só deram nomen iuris diverso para um fenômeno jurídico que poderia se enquadrar, com maior propriedade, nas concepções legais de 'readaptação' e 'aproveitamento', previstas, respectivamente, na Lei Estadual n° 6.107/94" (fl. 14), inexistindo justa causa à denegação do pleito, mormente se considerado o direito líquido e certo da Impetrante à saúde, à dignidade e ao trabalho em ambiente adequado.

No mais, e asseverando que "o agravamento do mal de saúde da Impetrante estava ligado ao ambiente de trabalho em Imperatriz, e que seu tratamento exitoso só poderia ocorrer em São Luís" (fl. 18), e batendo-se, em síntese, pela obediência, pela Administração, ao princípio da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da moralidade e da eficiência, e aos valores sociais do trabalho, haja vista que "a autoridade coatora está exigindo o imediato retorno da Impetrante à cidade de Imperatriz" (fl. 35), pede seja-lhe deferida liminar a suspender imediatamente os efeitos dos atos impugnados, "determinando-se à Autoridade Coatora que proceda à designação da Impetrante para responder por promotoria vaga existente na cidade de São Luís ou para ocupar cargo comissionado/função de confiança junto à Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão, compatível com o seu cargo efetivo, e que a Autoridade Coatora se abstenha de praticar atos de teor, finalidade e forma semelhantes aos ora impugnados" (fl. 38). No mérito, que sejam os atos ditos abusivos definitivamente invalidados, com a confirmação da medida urgente e a conseqüente readaptação da Impetrante na Comarca da Capital, "mantendo-se, todavia, as demais prerrogativas inerentes ao cargo de promotora de justiça, inclusive sua posição na lista de antigüidade e, eventualmente, a ascensão funcional, segundo as regras aplicáveis ao Ministério Público" (fl. 38).

Distribuído o feito ao em. Desembargador Marcelo Carvalho Silva, por força de suposta prevenção apontada pela própria Impetrante, em razão do anterior Mandado de Segurança n° 000892/2011, sobreveio despacho determinando a redistribuição do feito, porquanto restrita, a atuação daquele em. Desembargador, ao exame de liminar durante o Plantão Judiciário do Segundo Grau, daí não resultando a reclamada prevenção para o processo e julgamento de casos análogos.

Redistribuídos os autos, então, à em. Desembargadora Maria das Graças de Castro Duarte Mendes, Relatora do feito primeiro, quedou ela, também, por afastar a conclamada prevenção, para tanto afirmando que "o mandado de segurança anterior, do qual se pede prevenção, tem como objeto a concessão de férias, enquanto este trata de remoção" (fl. 316).

Veio-me a hipótese, então, em nova distribuição, ocasião em que proferi decisão, às fls. 323 USQUE 328, asseverando, em síntese, que conquanto nos autos primeiros debatido eventual direito ao gozo de férias, e aqui reclamada a possibilidade de eventual remoção/readequação da Impetrante à Comarca de São Luís, forçoso concluir que esta impetração decorre, exatamente, da denegação, pela d. autoridade dita coatora, da preservação e continuidade daquele mesmo direito às férias, direito esse que, observo, é o próprio mérito da impetração submetida àquela em. Relatora. Em outras palavras, idênticas as partes, e fundadas, ambas as impetrações, em lastro fático único, com vistas ao reconhecimento do direito último da Impetrante de permanecer em São Luís até o final do tratamento médico a que submetida, impende notar, mesmo, que eventual decisão concessiva ou denegatória da segurança no feito primeiro acabaria por, inarredavelmente, tornar prejudicada esta impetração.

Por essas razões, e entendendo conexos os feitos, com a resultante prevenção, para o processo e julgamento da hipótese, da em. Desembargadora Maria das Graças de Castro Duarte Mendes, determinei fosse a hipótese redistribuída àquela em. Relatora original, a quem caberia, querendo, suscitar eventual Conflito Negativo de Competência.

Dessa decisão adveio, então, o mencionado Conflito, julgado procedente pelo Pleno desta Casa, "para declarar a competência do Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos para relatoria do Mandado de Segurança n° 6181/2011" (fl. 358).

Vieram-me os autos, por fim, com nova petição, pela Impetrante, aditando a inicial, "em razão do tempo transcorrido desde o ajuizamento da impetração até agora" (fl. 364), assim requestando liminar para, VERBIS:

"a) Sejam suspensos imediatamente, com eficácia ex tunc, os efeitos dos atos impugnados, permitindo à Impetrante continuar seu tratamento na cidade de São Luís, próxima de sua família, mantidas as prerrogativas inerentes ao Cargo de Promotora de Justiça, e recomendando-se à Autoridade Coatora (se assim entender essa d. Relatoria), que proceda à designação da Impetrante para exercer suas atribuições em Promotoria vaga existente nessa Comarca ou em cargo compatível porventura existente na PGJ/MA - por óbvio sem significar modificação de entrância e nem ascensão funcional;

b) seja determinado à Autoridade Coatora que se abstenha de abrir sindicância ou processo disciplinar contra a Impetrante, relacionado aos fatos narrados na presente impetração, ou que suspenda tais procedimentos, acaso já tenham sido instaurados quando do recebimento da notificação para prestar informações, e,

c) seja determinado à Autoridade Coatora que se abstenha de praticar atos de teor, finalidade e forma semelhantes aos ora impugnados" (fls. 365/366).

No mérito, requer seja a medida urgente confirmada em definitivo, com a invalidade dos atos impugnados, para que possa a Impetrante permanecer nesta Capital, submetendo-se a tratamento médico, "sem que isso traga reflexo negativo nas prerrogativas e direitos inerentes à sua função" (fl. 366).

Ainda, que seja determinada a readaptação da Impetrante em Promotoria vaga, nesta Comarca, ou em cargo compatível na própria PGJ/MA, mantidas as prerrogativas relacionadas à sua posição na lista de antiguidade, com a nulidade de eventuais sindicâncias ou procedimentos administrativos contra ela disparados "após o ajuizamento do presente writ, relacionados aos fatos ora narrados" (fl. 361). Decido.

Cediço que, via de regra, "conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça" (art. 1o, caput, da Lei n° 1.533/51).

Na lição de José Cretella Júnior (in "Direito Administrativo Brasileiro, 2a ed., Ed. Forense, 2000, p. 921), "o mandado de segurança trata-se de uma ação de rito sumaríssimo, mediante a qual todo aquele que, por ilegalidade ou abuso de poder, proveniente de autoridade pública ou de delegado do Poder Público, certo e incontestável, não amparável por Habeas Corpus, ou que tenha justo receio de sofrê-la, tem o direito de suscitar o controle jurisdicional do ato ilegal editado, ou a remoção da ameaça coativa, a fim de que o Estado devolva, in natura, ao interessado, aquilo que o ato lhe ameaçou tirar ou efetivamente tirou; é o veículo mediante o qual se pede, normalmente no Brasil, ao Poder Judiciário, o exame do ato administrativo, eivado dos vícios mencionados."

No mesmo sentido, "trata-se de uma ação constitucional civil, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (Alexandre de Moraes, in "Direito Constitucional", 16a ed., Ed. Atlas, 2002, p. 164).

Assim é que a concessão de liminar, na via eleita, demanda a presença concomitante de seus pressupostos autorizadores, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, ou a relevância do fundamento da impetração, requisitos esses que deverão, para tal fim, quedar inarredavelmente demonstrados.

Tornando o olhar à hipótese dos autos, parece-me bem demonstrado o bom direito reclamado, mormente quando considerado, como não poderia deixar de ser, o inarredável direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, a prevalecer, em casos como o dos autos, sobre o próprio interesse da Administração.

Nesse sentido, aliás, já se manifestou este eg. Tribunal de Justiça, VERBIS: "PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECURSO. REMOÇÃO DO SERVIDOR. PROBLEMAS DE SAÚDE DE DEPENDENTE. MAL DE PARKINSON. RESOLUÇÃO N° 23/2010. DIREITO À SAÚDE E PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO.
I - A pretensão está fundamentada em situação de fato consistente na necessidade de tratamento de seu dependente (pai) que, como comprovado à saciedade, foi acometido de mal de Parkinson.
II - Há vagas na Capital, o chefe imediato do requerente manifestou-se favoravelmente à remoção pretendida e o servidor não responde a sindicâncias ou a processos administrativos.
III - O direito à proteção à saúde, este diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, goza de assento constitucional, sendo mais relevante, nesse aspecto, que o interesse da Administração Pública em preservar o servidor no lugar de sua lotação originária.
IV - Recurso provido." (Processo n° 12359/2011, Rei. Des. José Bernardo Silva Rodrigues, DJ em 07/7/2011)

Em hipótese análoga, igualmente reconhecendo direito semelhante, concluiu o eg. Superior Tribunal de Justiça, LITTERIS: "Nem se diga que o tratamento médico poderia ser obtido na cidade na qual está lotada a autora, Guarajá-Mirim/RO, pois, consoante demonstrado por meio dos documentos acostados às fls. 23/29, não há nesse município médicos psiquiatras, contando a população com apenas um hospital público, carente de diversas especialidades médicas. Ressalte-se, ainda, que a Capital Porto Velho fica a uma distância de 340 KM, tornando inviável o constante deslocamento. Além disso, nunca é demais lembrar que no caso da doença da qual padece a mãe da genitora é primordial o suporte familiar, pena de comprometimento do tratamento." (SLS 001197, Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ em 05/03/2010)

O caso dos autos não é, ao menos em princípio, diferente, especialmente se considerada a natureza do bem jurídico maior a ser aqui tutelado, a prevalecer, IN CASU e ao menos por ora, sobre a própria necessidade do serviço por ela prestado.

Evidenciado resta, da mesma sorte, o PERICULUM IN MORA aventado. Isto porque, observe-se, reconhecida, pelo em. Desembargador Marcelo Carvalho Silva, "a existência de violação ao direito líquido e certo da impetrante", na impetração a esta anterior (MS 000892/2011), entendimento esse que ora subscrevo, importa notar já esgotado o período de férias por ele garantido, à Impetrante, no bojo da liminar por ele proferida naqueles autos.

Assim, e juntada, ao específico caso em análise, documentação a demonstrar já notificada a Impetrante a imediatamente retornar ás suas funções em Imperatriz (fl. 216), entendo igualmente presente risco iminente e de difícil, senão de impossível reparação ao direito argüido, bem assim o inafastável prejuízo daí decorrente, acaso mantida aquela determinação e interrompido o tratamento. Some-se a isso a real possibilidade da eventual instauração de procedimento administrativo em face da Impetrante, se desatendido o comando ministerial atacado, daí despontando incontestável, tenho, a necessidade da medida urgente requestada, a proteger o direito reclamado.

Tudo considerado, concedo a liminar, para suspender o ato impugnado, fazendo-o, ademais, com eficácia EX TUNC, dado o lapso temporal decorrido entre a promoção da impetração e esta data, assim assegurando, à Impetrante, o direito de permanecer em tratamento nesta Capital, preservadas, ademais, as prerrogativas inerentes ao cargo de Promotora de Justiça, por ela ocupado, tão somente até o julgamento do mérito deste Mandado de Segurança pelo colegiado competente.

Deixo, porém, de determinar seja a Impetrante desde logo designada para o exercício de suas atribuições em Promotoria desta Capital, ou na própria Procuradoria Geral de Justiça, no período referido, ante à falta de prova incontroversa, nos autos, da existência de vagas para tanto. Fica igualmente determinado, à d. autoridade dita coatora, que se abstenha, no período retromencionado, de instaurar procedimentos administrativos contra a Impetrante, em razão dos fatos aqui narrados, devendo ser imediatamente suspensos aqueles eventualmente já instaurados para idêntico fim.

Comunique-se, com urgência, à d. autoridade impetrada, para os fins de direito, bem como para que preste as informações que julgue necessárias ao deslinde da controvérsia. Prazo: 10 (dez) dias (art. 7o, I, da Lei n° 12.016/2009, c/c o art. 339, III, do RI-TJ/MA).

Após, sigam os autos à Procuradoria Geral de Justiça, para manifestação. Prazo: 05 (cinco) dias (art. 341, do RI-TJ/MA).

Comunique-se. Publique-se. Cumpra-se.
São Luís, 19 de agosto de 2011.
José JOAQUIM FIGUEIREDO dos Anjos ‒ Relator”

*ABCD - optamos por omitir o nome, em respeito à intimidade de quem impetrou.
Fonte: Diário da Justiça Eletrônico do TJMA  nº 157/11.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Lição de casa

Capturado do Blog do Itevaldo:

A Conselheira Maria Ester Henriques Tavares, do Conselho Nacional do Ministério Público, em decisão monocrática, na sexta-feira (26/08), decidiu anular, liminarmente, os efeitos do ato administrativo do Ministério Público do Maranhão, que durante sessão do Conselho Superior, no último dia 19/08, desrespeitou os requisitos necessários para instalar e deliberar sessão referente à promoção de integrantes da carreira.

O requerimento foi encaminhado ao CNMP pelo promotor Marco Antonio Santos Amorim, titular da Promotoria de Justiça de Pindaré-Mirim. Disse que o Conselho Superior ignorou o artigo 13 de seu Regimento, que dispõe sobre a necessidade de um mínimo de cinco conselheiros para decidir sobre promoções. Na sessão de 19/08, só havia quatro conselheiros, o que deveria ter inviabilizado a realização da sessão.

Em seu despacho, a Conselheira Maria Ester Henrique Tavares relatou que “a medida pleiteada evitará a anulação de futuros procedimentos dessa natureza caso o Colegiado do CNMP venha a decidir pela revisão dos critérios adotados pelo Conselho Superior do MP maranhense”.

Marco Antonio informou ao CNMP sobre a sessão seguinte do Conselho Superior, que se daria na última sexta-feira (26/08), na qual ocorreria a apreciação da ata da sessão de 19/08, e outras deliberações. No entanto, no início da sessão, a Procuradora de Justiça Themis Maria Pacheco de Carvalho provocou a discussão interna sobre aquela decisão do Conselho Superior que tinha promovido membro do MP desrespeitando o quorum mínimo de 2/3 de Conselheiros, e destacou, ainda, o descumprimento à regra do exame preferencial do promotor Marco Antonio, na qualidade de remanescente de lista anterior, consoante prevê a legislação, evitando possível prejuízo a ele e aos demais candidatos.

A Conselheira Maria Ester Henrique Tavares determinou a notificação da Procuradora-geral para prestar informações, em 15 dias, e para enviar ao CNMP cópia da ata da sessão que julgou a promoção por merecimento regulada pelo Edital nº16/2011. Determinou ainda, a notificação por carta registrada, dos demais participantes do concurso de promoção.

sábado, 27 de agosto de 2011

Eu te amo (5)

No quarto à direita do corredor, sob lençóis com hálito fresco de andiroba, ela o aguardava, alinhavando temores e tremores. A velha casa de adobe sossegava cedo, expondo um incômodo silêncio dolente, desde aquele insólito casamento, escoltado pelas ordens familiares, ungido sob as asas do desgosto; simples, grave, lacrimoso. Na rua desnuda, margeando o rio, perto da igreja dos crentes, aos fundos, por ali, no mato suave dos canteiros, tinha acontecido o quase coito; e, descoberto tal segredo, por língua anônima, ele não soube fugir à severa voz paterna. Case! Casou. Mas relutava em virar marido. E não saberia sê-lo, se, aos dezesseis, nem namorara direito ainda, salvante uns gracejos lançados à roda no festejo passado. Aquele quarto ao fim do corredor o atraía tanto quanto uma cela, e não lhe importava que ela estivesse lá, despida, disposta e quase virgem, em seus mais de vinte anos. Birrava que birrava. Ninguém, nada o convencia, mesmo sob as pesadas súplicas maternas. Caçula de oito filhos, no fim dos cueiros, ainda não desgrudara de adormecer na cama entre os pais. E, agora isso!, enxotavam-no para responsabilidades. Vá! Não ia. Toda noite, a teima comia horas, afiando o gume das tensões familiares, e encerrava, ele choramingando nalgum canto afastado. Dias, noites, tudo passa. Enfim, vencido, copulou. Os anos trouxeram filhos e alguma cumplicidade. Mas ele ainda busca a namorada que não teve. Ela espera o marido completo que não chegou.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O caos e nós

Do colega Haroldo Paiva de Brito, Promotor de Justiça, em São Luís.

"O caos da saúde pública em nosso País descortina a necessidade que o Ministério Público Brasileiro tem de, urgentemente e imediatamente, implementar uma atuação mais incisiva e efetiva nesta questão, dentre outras.

O quadro atual demonstra que não adianta instaurarmos Inquéritos Civis, para, posteriormente, ajuizarmos ações que irão, dado nosso caótico sistema processual, jurídico e administrativo, dormir nas estantes e prateleiras do nosso Judiciário, e, ao final, achar que fizemos nosso "trabalho". Longe disso!

Acredito, piamente e cientificamente, que somos agentes políticos do Estado, com "poderes" de implantar e implementar uma interação maior com os administradores públicos, afinal, exercemos parcela de Poder Soberano do Estado.

Temos, sim, poder de transformação!

Por outro lado, precisamos entender que eles, os Políticos, na maioria das vezes administradores públicos ‒ apesar de alguns ‒ não são vilões de toda essa problemática. Talvez, quem sabe,... somente um pouquinho, ou, quem sabe, um "poucão"!

Mas, de puro, é que precisamos saber precisamente quanto o Estado arrecada? Quanto é verdadeiramente destinado para os fins efetivos, para os fins precípuos do Estado?

A razão de existir do Estado se traduz em igualar os desiguais, começando pela saúde. O Estado Brasileiro hoje faz isso? Principalmente quando nos deparamos, diariamente, com as mazelas da falta constante de atendimento àqueles que aportam desesperadamente aos hospitais públicos? E o desrespeito às inerentes determinações constitucionais?

Nossos governantes precisam entender que nossa população carente tem que ter pleno, irrestrito e total acesso ao mínimo para alcançar o bem estar que qualquer ser humano precisa para sobreviver e se desenvolver (comida, saúde, casa, alimentação... etc... saúde; é claro, em primeiríssimo plano: SAÚDE!).

A assertiva acima tem conteúdo óbvio e ululante!

A falta de dinheiro não é a resposta para descumprimento das correspondentes disposições constitucionais! Contudo, é preciso repetir, repetir, repetir e repetir, que tais premissas, indeclináveis, inerentes ao Estado Democrático de Direito, têm de ser alcançadas.

Entendo, piamente, que nós, Promotores de Justiça, podemos mudar esse estado de coisas, aproximando-nos, mais ainda, da população verdadeiramente carente; aqueles realmente necessitados, nossos verdadeiros e principais empregadores.

Não podemos nos colocar no lugar dos eleitos pelo Povo. Faça-se o devido registro! Eles são a voz do Povo! Ou, pelo menos, deveriam ser!

Mas, a verdade é que nós, Promotores de Justiça, respeitadas as atribuições de cada agente da República, temos que implementar e implantar uma interação mais estreita com os administradores públicos, de modo a demonstrar-lhes, veementemente, coerentemente, cordialmente, politicamente, educadamente e didaticamente ‒ com sérios e honestos propósitos, respeitando-se os ideais da República e do Estado Democrático de Direto ‒, a importância de um Pai e uma Mãe, saberem que seu filho, ainda no ventre, terá direito a comida, saúde, casa e educação, mínimos necessários para o desenvolvimento de um ser humano.

Não importa quem está no Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário!

Nós podemos, como Promotores de Justiça, sem afrontar qualquer agente político, sem nos imiscuirmos na seara política, administrativa, executiva e judiciária, aproximar, DEFINITIVAMENTE, o administrador público daquele que, realmente, paga, com seu suor, lágrimas e, as vezes, sangue, os nossos salários, fazendo com que eles entendam, compreendam, estejam em sintonia com os reais interesses do Povo (saúde, educação, segurança, habitação, saneamento básico....)

Confesso que não sei o caminho, mas precisamos inaugurar essa discussão, que, acredito, por desconhecer, que não faça parte, ainda, de qualquer planejamento dos nossos Órgãos de Execução, da Administração Superior e nem de eventuais candidatos ao cargo de Procurador Geral de Justiça da nossa gloriosa e linda Instituição!

Assim, cabe a pergunta: quem são, realmente, as pessoas que precisam de nós? A quem, de verdade, devemos servir? O que falta fazer, efetivamente, para melhorar a situação e, em um futuro muito próximo, melhorar a qualidade dos serviços dos hospitais públicos, escolas e bairros sem saneamento básico, segurança e outros?

Não somos administradores públicos, é claro! Nem agentes políticos do Estado por eleição! Mas, repito, certamente, podemos ser a ponte que pode conduzir, veicular a vontade do Povo até os administradores, sem que nos arvoremos na condição de políticos.

A Promotoria itinerante já é, na nossa Capital, uma excelente iniciativa de aproximar o Cidadão da administração pública, cobrando melhorias nos bairros da nossa Capital. Mas, cabe a indagação: É MESMO SUFICIENTE?

Relegar o Ministério Público como um organismo qualquer do Estado, que presta serviços ao Cidadão, como qualquer outro Órgão do Estado, não é, MESMO, o que o nosso Texto Maior determinou. Sem nenhum demérito aos demais Órgãos da administração pública.

A População merece e precisa mais do Ministério Público! A sociedade, como um todo, merece mais, quer mais e exige mais!

Nós, Promotores de Justiça, precisamos nos esforçar mais! Melhorar, e muito, os serviços imprescindíveis que prestamos à população, principalmente àqueles que não têm o pleno acesso à SAÚDE, habitação, educação, segurança, saneamento básico, mínimos necessários ao desenvolvimento físico e mental de qualquer um!

Não vai, aqui, crítica a quem quer que seja. O que proponho, fazendo uma humilde e singela sugestão, é que voltemos ao passado. Vamos, novamente pensar o Ministério Público. Aquele fabuloso Organismo do Estado que tinha e continua tendo a função de defender a democracia, o Estado Democrático de Direito, protegendo o cidadão, garantindo seus maiores interesses.

Tenho fé que todos nós voltaremos a esse tempo, com resultados certamente mais ainda benéficos para toda Sociedade!"

Ciências

"O doutor em ciências criminais chega na sala de inquirições da delegacia. Foi chamado porque um preso pediu sua presença. Havia matado a namorada a facadas e queria “trocar uma ideia”:

- Oi doutor, li seu livro na última vez em que fui preso... Queria saber o que fazer para ser solto de novo.

- Qual livro?

- Aquele que fala de abolicionismo, que diz que quem pratica um crime é fruto da sociedade, que diz que eu não tenho culpa de nada.

- Ah, sim, mas o que você fez desta vez?

- Minha gata, sabe, doutor, eu estava desconfiado de traição. Perguntei pra ela duas vezes, três vezes, e ela não respondia olhando nos meus olhos. Resolvi dar uns tapas pra ver se ela abria jogo, mas não adiantou. Acabei ficando com raiva e peguei uma faca. Depois disso, não lembro mais nada... – a última frase sai com um olhar desviado para o lado.

- Olha, eu não sou advogado, sou professor de direito, não posso fazer a sua defesa. Só tenho pena de você, como uma pessoa sem oportunidades, sem vida social.

- É verdade, doutor, eu não tive oportunidades. A escola era do lado de casa e tinha inclusive merenda boa, mas eu não me dei muito bem com essa história de estudar.

- Sei, você tinha que trabalhar para ajudar a família?

- Não, não, não era isso. Eu gostava mesmo era de fazer festa, de beber. E, de manhã, ficava com muito sono pra ir pra escola. Na verdade, o problema era que a escola era muito cedo. Se fosse à tarde...

- É realmente um absurdo. As escolas tem que se adaptar aos alunos, e não o contrário.

- Boa, doutor. Eu até tava empregado, ganhando uma boa grana. Trabalhava de motorista, mil e quinhentos por mês. Mas, sabe como é, acaba sendo pouco quando a gente tem esses caixas eletrônicos aí... cada um que a gente faz dá uns vinte mil. Daí acabei sendo obrigado a entrar no crime.

- Entendo. É um sintoma do consumismo exacerbado da pós-modernidade. Consumir torna-se uma necessidade, para obter aprovação social.

- Como?

- Deixa pra lá.

- Bom, doutor, já que o senhor não pode fazer nada, teria algum advogado para me indicar?

- Sim, sim, eu conheço um amigo. Trabalha de graça para pessoas necessitadas como você.

- Trabalha de graça? – segura o espanto – Caramba, gente fina! – E pensa: que otário!"

Fonte: Texto original do Blog do Ministério Público, de Eduardo Sens dos Santos, sob o título "Que otário!"

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Independência

“A pretexto de possibilitar a punição mais ágil e eficaz dos promotores de Justiça que incorrem na prática de infrações penais e disciplinares, excessos e abusos de autoridade no exercício de suas funções, começa a tramitar pelo Senado a Proposta de Emenda à Constituição nº 75/2011, de autoria do Senador Humberto Costa (PT/PE), que prevê, dentre outras penalidades, a aplicação da pena de demissão dos integrantes do Ministério Público por decisão administrativa direta do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle externo do Ministério Público criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e composto por cidadãos indicados pelo Senado, pela Câmara dos Deputados, advogados indicados pela OAB, juízes indicados pelo STF e pelo STJ, além de membros do Ministério Público da União e dos Estados.

Atualmente, a decretação da perda do cargo de membro do Ministério Público só pode ocorrer, conforme previsão expressa da Constituição Federal, após sentença judicial transitada em julgado, no que se denomina de garantia constitucional da vitaliciedade (art. 128, par. 5º, I, “a” – CF). Idêntica garantia é assegurada pela Constituição aos juízes integrantes do Poder Judiciário.

Historicamente, a garantia da vitaliciedade teve por objetivo proteger a independência do Ministério Público e do Poder Judiciário no exercício de suas nobres funções constitucionais em defesa dos direitos da sociedade, evitando-se que o promotor de Justiça ou o juiz de Direito responsáveis por assegurar a preservação da supremacia da Constituição e das Leis venham a ser alvo de perseguições políticas arbitrárias que possam resultar em suas demissões sumárias do serviço público, na consideração de que, muitas vezes, por força das investigações, denúncias e decisões levadas a efeito por aqueles agentes da sociedade, são contrariados interesses políticos e econômicos de altas figuras da República eventualmente envolvidas em escândalos de desvio de dinheiro público e outras modalidades de corrupção que assolam o país. Veja-se, a propósito, o exemplo da denúncia do caso “mensalão”, que escandalizou a Nação.

A PEC 75/2011, que põe fim à garantia da vitaliciedade dos membros do Ministério Público, mantendo, por ora, apenas a vitaliciedade dos juízes de Direito, é apresentada aos olhos da sociedade, dessa forma, com aparente intuito “moralizador” e “anticorporativista”, passando a impressão de abolir um suposto privilégio odioso assegurado aos membros do Ministério Público de somente serem demitidos por decisão judicial da qual não caiba mais recurso. O falacioso fundamento moralizador da proposta não resiste, entretanto, a uma análise mais criteriosa acerca dos verdadeiros objetivos da medida, a colocarem em risco a defesa da própria sociedade e democracia brasileiras.

De fato, coincidentemente ou não, a PEC 75 foi publicada no Diário do Senado do dia 11/08/2011, poucos dias após a deflagração da Operação Voucher, que resultou na prisão de 37 pessoas no interior do Ministério do Turismo, acusadas de desvio de dinheiro público da ordem de 3 milhões de reais. Na ocasião, foram presos integrantes do alto escalão do Governo Federal. Em rede nacional, o líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Deputado Cândido Vacarezza, tratou logo de afirmar perante os jornalistas que referidas prisões decorriam de abuso de autoridade da Polícia Federal, do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário. Mais apropriado que comentar os atos de corrupção perpetrados na pasta do turismo do Governo Federal, era justificar, como já se tornou corriqueiro em situações análogas, que havia abuso na ação daqueles órgãos de fiscalização e controle e que o uso de algemas era inadmissível por expor indevidamente os personagens envolvidos, em flagrante inversão da ordem de valores nos tempos modernos.

Percebe-se claramente que a PEC 75, embora tendo como pretexto aparentemente “moralizador” a necessidade de aplicação mais ágil de penas de demissão aos promotores de Justiça e procuradores da República acusados de desvios de conduta, finda por ocultar outras finalidades não explicitamente declaradas, assim as de propiciar, com o passar dos anos, a demissão administrativa sumária de membros do Ministério Público que vierem a investigar os grandes desmandos de corrupção no país, de forma a expor a imagem de personagens influentes da República perante a opinião pública, além da tentativa de intimidar o Ministério Público brasileiro, sob a “ameaça” permanente de demissão dos promotores que vierem a se dedicar às atividades de investigação envolvendo os expoentes da política nacional, contrariando seus nobres e supremos interesses nem sempre tão republicanos.

Tal o contexto, resulta cristalino o propósito da PEC 75: o de calar o Ministério Público, calar a sociedade brasileira, que perderá, em sendo aprovada referida emenda constitucional, um dos seus mais importantes mecanismos de controle da corrupção, representado pela independência na atuação dos promotores de Justiça e procuradores da República, que passarão, diante do risco iminente de demissão de seus cargos por decisão direta de um órgão administrativo de composição mista não necessariamente técnica (CNMP), a denunciar apenas ladrões de galinha, assaltantes à mão armada, estupradores e homicidas, e não mais os assaltantes e estupradores dos cofres públicos. Não há dúvida de que o fantasma da demissão sumária por um órgão administrativo de composição parcialmente indicada pelos Senadores e Deputados afetará diretamente a própria combatividade do membro do Ministério Público, que, na dúvida sobre os destinos que poderão tomar suas denúncias precedidas de análise cuidadosa, optará por não denunciar a perder o próprio cargo. Eis aí o grande perigo oculto na proposta de emenda 75: ela certamente definhará o espírito combativo do promotor para dar lugar ao surgimento de promotores covardes e receosos de suas ações, em manifesto prejuízo ao interesse da sociedade por um órgão independente capaz de levar oficialmente ao conhecimento do Poder Judiciário os desmandos de corrupção e desvio de dinheiro público que afrontam a própria dignidade do sofrido povo brasileiro.

A PEC 75 se apresenta, nesse passo, como uma cortina de fumaça lançada sobre os olhos da sociedade brasileira: é apresentada por parlamentares com o declarado propósito ético-moralizador e anticorporativista para desviar o foco de sua essencial e nefasta finalidade: a de possibilitar, num futuro próximo, a demissão arbitrária de promotores de Justiça e procuradores da República cumpridores de seus deveres funcionais de defesa dos direitos da sociedade brasileira a um governo probo e honesto.

Não se ignora que o Conselho Nacional do Ministério Público, instituído pela Emenda 45/2004, tem contribuído significativamente para o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público, assim como para o efetivo cumprimento dos deveres funcionais de seus integrantes. Daí a se ampliar, no entanto, o rol de suas competências para passar a permitir a aplicação da pena de demissão administrativa aos promotores de Justiça vai uma imensa diferença, sobretudo quando se constata, diante de argumentos sustentados por Senadores durante a sabatina de recondução do Procurador Geral da República Roberto Gurgel, ocorrida dias atrás, a possibilidade de futura alteração da própria composição atual do CNMP, de sorte a ampliar o número de Conselheiros indicados pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Assim, primeiro se permite a demissão direta pelo CNMP para, em momento posterior, alterar-se a composição deste Conselho, que poderá passar a ter novos integrantes indicados, politicamente, pelo próprio Senado e pela Câmara dos Deputados. É evidente, em tais circunstâncias, a tentativa de invasão na autonomia do Ministério Público, além da perspectiva de intimidação pelo trabalho sério desenvolvido pelo órgão.

Percebe-se, sem maiores dificuldades, que a PEC 75 possibilitará não apenas a demissão administrativa de promotores e procuradores que descumpram seus deveres e obrigações constitucionais. Possibilitará, igualmente e talvez até com maior rigor, a demissão sumária de membros do Ministério Público que, no exercício responsável e independente de suas atribuições legais e constitucionais em defesa dos direitos da sociedade, estiverem “incomodando” os governantes e políticos inescrupulosos e corruptos. Como se tal não bastasse, nada impedirá, nas mesmas condições, a extensão da perigosa demissão administrativa direta para juízes, a ser aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que certamente contribuirá para uma maior submissão do Poder Judiciário à vontade dos legisladores e governantes, interferindo diretamente na independência jurisdicional.

Tornar os membros do Ministério Público e, em perspectiva, os juízes, vulneráveis, suprimindo-lhes a vitaliciedade, é derrogar, indiretamente, o direito dos cidadãos e das comunidades ao direito a um julgamento justo (fair trial). Demitir sumariamente promotores e juízes por incomodarem os poderes econômico e político comprometerá a promoção da justiça e a prestação jurisdicional realmente justa e efetiva.

Resta saber se a sociedade brasileira compactuará com o enfraquecimento das garantias constitucionais de independência do Ministério Público rumo à construção de um novo modelo de instituição permanentemente intimidada e ameaçada após cada ação investigativa de repercussão nacional, por projetos de lei e propostas de emenda à Constituição tendentes a resgatar a já superada ideia da mordaça. Em jogo, uma vez mais, a ainda frágil democracia brasileira e a capacidade de irresignação da opinião pública diante de proposta legislativa flagrantemente atentatória aos ideais de transparência, moralidade e independência dos órgãos de controle da Administração Pública.”

Texto de Luciano Coelho Ávila, Promotor de Justiça do Distrito Federal, publicado no Blog do Fred, em 21/08/11, sob o título “Atentado à independência do Ministério Público”

Eu te amo (4)

Gostavam-se. Tinham o palpitar cúmplice das convicções amorosas. Metade medo, metade encantamento. Uma semana após as aulas, mutuamente, cederam lugar ao aprisionamento dos olhares, ao joguinho dos bilhetes, aos sussurros demorados, aos toques de arrepio, aos sabores salivosos, aos delírios sem castidade. Tudo proibido. Em casa, então; elas bem o sabiam. Pai e mãe não cederiam cocho às modernidades do pecado. Menino é menino, menina é menina. Só isso. O mais seria arte do cão. Que não sabe o que é amar, nem querer bem. Elas, porém, tinham irmãos, que, pouco a pouco, também, mutuamente, se aprisionaram em olhares, sussurros e sabores. Resolveram-se. Quatrilho. Na intimidade assumiam-se duplas; na exterioridade, casais; com direito aos elogios da tradição. Até que.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Eu te amo (3)

O frio que lambe as madrugadas pelo sertão conforta o sono e promove aconchegos. Nas casas de taipa ou palha há sempre menos cômodos para acomodar. Pelo vão das portas ausentes, as redes muitas se tocam. Pouco se sabe do começo. Nem ela o diz. Há suspeitas e falatório muito, pois já os viram com certas atitudes no caminho da roça, na pesca da piaba, na lavação de roupa no rio, despertando o olho e a boca do mundo. Essa vox populi tudo sabe, tudo fala, tudo julga. Apesar dos rumores, negam-se o incômodo que aos outros causam por ela só ter quatorze, ele, vinte a mais, e nove filhos. Vige a crônica da pobreza crônica. Seu corpo denuncia a prenhez, e roupas apertadas tentam desmentir. De quem? Observem. Pela hora do frio, ele está mais próximo da filha que da esposa. Esta teme abrir os olhos para não escapar o grito da alma, para não ver o que vê. "Cala-te!"

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Direito ao choro

"É comum no dia a dia forense, notadamente para aqueles que militam na área criminal, ocorrer a seguinte situação:

- Excelência, tem uns parentes do réu aí fora que querem muito dar uma palavra com o Senhor.
- Doutor, como o senhor pode ver, estou assoberbado de processos para despachar, então...
-...entendo, Excelência, mas é que eles não saem da porta do meu escritório. Rogo a sua compreensão.
- Mandem entrar.

Como é possível perceber, trata-se de um diálogo que, apesar de fictício, poderia ser real, travado entre um advogado, muitas vezes de fato pressionado pelos clientes, e o Juiz de um processo criminal. O resto da estória é fácil imaginar. Muito choro, queixas e sofrimento sinceros, certamente, pela ausência do ente que está preso cautelarmente pelo processo e aguardando o julgamento. Enquanto isso, do lado de fora, o Promotor de Justiça, que já produziu todas as suas provas em audiência, atravessa os corredores do Fórum com destino ao seu gabinete na Promotoria de Justiça, onde aguardará a intimação da sentença a ser proferida.

Os processos criminais, como regra geral, trazem consigo uma enorme complexidade de conflitos de interesses. No centro está, de um lado, a sociedade, em geral, de forma mais imediata e perceptível representada pelas vítimas e do outro lado encontra-se o réu, com seu legítimo direito a um julgamento justo. Nesse contexto, o Juiz desenvolve importantíssimo papel, de grandeza proporcionalmente igual a sua responsabilidade. A função judicante é sempre árdua, sem dúvida.

Dessa maneira, firme nessa linha de aproximação, questiona-se sobre a conveniência do magistrado em ter com familiares dos réus contato fora da audiência judicial, para tratarem da situação do réu no processo.

Poder-se-ia argumentar que esse contato direto é salutar para o alcance de uma decisão justa, posto que o julgador se coloca em posição mais próxima do conflito deduzido em juízo, garantindo, com isso, que perceba e se impressione com fatos e circunstâncias alheias àqueles existentes nas frias folhas de papel dos autos. Dir-se-á também que essa prática poderá conduzi-lo à almejada verdade real ou material exigida no processo penal. São alguns argumentos que, como outros, são usados e merecem o devido respeito.

Contudo, como o objetivo aqui é fomentar a discussão sobre o assunto e conduzi-la no plano das ideias, onde há o espaço para questionamento e críticas, pontua-se que as considerações ora apresentadas são para discordar dessa prática.

De largada, ressalta-se e defende-se o direito dos advogados em dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho. Assim está garantido no estatuto da advocacia, Lei n.º 8.906/1994. Contudo, nada consta nesse diploma legal que seja direito do causídico intermediar audiências fora do processo entre o julgador e seus clientes. Para falar por eles ao Juiz e defender seus interesses perante qualquer Juízo é que as partes assinam procurações aos seus advogados constituídos e contratam seus serviços.

Da mesma forma, Constituição Federal e Lei Orgânica Nacional da Magistratura nada estabelecem nesse sentido. O magistrado tem sim o dever de urbanidade. Entretanto, não se vê como, para o cumprimento desse dever, esteja o Juiz obrigado a receber parentes de réu, especialmente para tratarem de assuntos que podem ser levados ao magistrado pelos seus advogados ou declarados em audiência judicial.

Sabe-se que o objetivo do processo é a aplicação da Lei pelo Juiz. Para tanto, o julgador precisa formar o seu convencimento e assim o faz através das provas produzidas pela defesa e pelo Ministério Público, tudo dentro de regras de Direito e por meio de ritos previstos em lei. Dentre essas regras, destacam-se os princípios do contraditório e da isonomia processual.

Pelo contraditório e isonomia, Ministério Público e defesa têm o direito de se manifestarem sobre todas as provas que a parte adversa produz e, mais que isso, garante-lhes oportunidade de produzir contraprovas, tudo isso de forma que se garanta a ambas as partes condições iguais para o alcance de seus objetivos principais: provar a culpa ou a inocência do réu.

Dessa maneira, alguém ousaria discordar que o contado direto do julgador com o sofrimento de familiares dos réus interfere significativamente na percepção, ânimo, serenidade e, portanto, no convencimento do Juiz? O magistrado não é uma máquina, onde se jogam dados sobre um caso concreto e se extrai uma decisão. A figura do juiz neutro, que não deve se contaminar com fatores extra autos, é um mito e, portanto, não existe. Suas percepções pessoais, história de vida, convicções ideológicas, tudo inevitavelmente influi nas suas decisões. Natural. Daí a importância do respeito aos ritos, bem como ao contraditório e isonomia processual, além de outras regras de Direito igualmente importantes.

Todavia, tal respeito resta violado com a prática ora combatida. Fere de morte a igualdade processual e o contraditório, haja vista que o Ministério Público produz todas as suas provas e desenvolve todo o seu trabalho de convencimento dentro do processo, nos autos e em audiência, sempre sob o olhar vigilante da defesa, pronta a contraditar qualquer passo que o parquet der, como, de fato, deve ser. Contudo, essa isonomia e a oportunidade de exercer o contraditório estarão sempre violadas quando a defesa consegue intermediar o contato do julgador com parentes do réu fora das audiências judiciais, para tratarem do processo.

Parece-nos equivocado o argumento de que esse contato em gabinete não constitui produção de prova, pois tudo aquilo que influi no convencimento do Juiz deve ser assim considerado. Da mesma forma, tal prática nada tem a ver com o exercício da ampla defesa, porquanto esta deve vir sempre acompanhada do contraditório.

Como poderá o Promotor de Justiça contraditar o que se passa nessas audiências particulares? O impulso imediato seria também levar a vítima e seus parentes para um contato direto com o julgador, ou alguém duvida do sofrimento deles? Aqui também se pode alegar que o contato direto com a vítima é salutar para o alcance de uma decisão justa, posto que o julgador também se colocaria em posição mais próxima do conflito deduzido em juízo.

Todavia, não é razoável que se defenda essa ideia. Não foi para isso que juristas da envergadura de Frederico Marques, Cândido Rangel Dinamarco e Humberto Theodoro Junior, dentre outros tantos, ajudaram a desenvolver os princípios do devido processo legal, do contraditório e da isonomia processual. Além do mais, existem os ritos a serem seguidos e nenhum deles prevê atos fora do processo. Nesse contexto, o jargão jurídico “o que não está nos autos, não está no mundo” passa a ser meio verdade, pois essas audiências particulares, de fato, não constarão nos autos – antes estivessem -, no entanto, o que é grave, permanecerão na cabeça do Juiz e serão inevitavelmente lembradas no momento de decidir.

De outra face, não se deseja defender a proibição do contato do Magistrado com familiares dos réus e das vítimas. É possível usar essa aproximação como meio de prova, afinal de contas, no processo penal, são admitidas todas as provas admitidas em lei e o julgador tem liberdade na apreciação delas, garantida através do princípio jurídico do livre convencimento motivado.

Ademais, toda pessoa pode ser testemunha. Somente estão desobrigadas de depor as pessoas que devem guardar segredo em razão de função, ministério, ofício ou profissão. Portanto, nada impede que a defesa arrole os parentes do réu para prestarem suas declarações em audiência, onde poderão expor, dentro do contraditório, as consequências decorrentes do processo e da prisão do ente querido.

Sendo assim, não é demais, e até mesmo é óbvio, exigir a observância e o respeito ao art. 155, do Código de Processo Penal, segundo o qual deve o juiz criminal formar a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. Ressalta-se que quando é dito “em contraditório judicial” se quer dizer dentro do processo. Não é forçoso afirmar que a inobservância a essas formalidades essenciais, geradoras de ofensa ao contraditório e a isonomia processual, poderão dar azo a nulidades.

Portanto, o direito ao choro está assegurado, mas desde que seja exercido dentro das regras do jogo."

Alessandro Brandão Marques, Promotor de Justiça em Balsas-MA.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Lamentos e só

Foto de Wilton Junior/AE, recolhida aqui.

"No ocaso da vida faz-se sempre o ensejo para discutirmos nossa existência. Na concepção de Godin, o direito é feito do dever cumprido. A despeito disso, para alguns promotores e juízes, dever cumprido tem significado a negação do direito de existir.

Já se faz um par de anos, ainda titular da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Santa Luzia/MA, quando encaminhei ofício à Secretaria para Assuntos Institucionais da Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão, com cópias para a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão, o Conselho Nacional de Procuradores Gerais, a Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão e a Associação Nacional de Membros do Ministério Público, sugerindo a inclusão na pauta do Fórum Permanente do Ministério Público (de triste fim - implodido pela partidarização da política institucional) de dois temas, a saber: 01 – atendimento ao público nas Promotorias de Justiça; e 2 – segurança dos promotores de justiça. É sobre o segundo que vou falar agora.

Naquele tempo, agi tocado pelo então recente assassinato de Fabrício Ramos Couto, Promotor de Justiça do Estado do Pará, meu amigo pessoal, abatido a tiros dentro do seu gabinete de trabalho no fórum da Comarca de sua atuação naquele Estado.

Dizia, naquela ocasião que, embora a recentidade do ato covarde e criminoso que ceifou a vida de Fabrício, chamava atenção que já se sentia o entibiamento das comoções em torno do caso, o que, infelizmente, não era surpresa alguma. O tempo passou e todos devem se perguntar, hoje, quem era, mesmo, Fabrício? Enfim, restou a lembrança apenas para a família e para os amigos.

Noite de 11/08/2011, Patrícia Lourival Acioli, Juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, retornava do trabalho em direção à sua casa, onde reencontraria o convívio da família. Porém não conseguiu. Naquela noite, na frente da sua casa, ainda dentro do carro, foi a vez de Patrícia tombar assassinada com diversos tiros. À família restou receber o seu cadáver e os lamentos.

Uma lista contendo o seu nome já havia sido encontrada nas mãos de um bandido preso no Espírito Santo. Em razão disso e de sua firme atuação no combate às organizações criminosas no Rio de Janeiro, especialmente as formadas por policiais bandidos, a Juíza Patrícia chegou a ter seis seguranças fazendo sua escolta, além de um carro blindado, mas o Tribunal de Justiça daquele Estado achou que era demais e, gradualmente, foi reduzindo esse aparato até condenar-lhe à morte.

A consternação toma conta da comunidade jurídica brasileira, ouvindo-se brados de indignação pelos quatro cantos. Alguns assinalados por profunda sinceridade, outros nem tanto, somente preocupados em participar da mise-en-scène que também faz parte dos rituais fúnebres.

Aqueles que deveriam ter garantido segurança à Patrícia falam, sobre o seu cadáver, em justiça, em prender os autores do assassinato, em não intimidação do Judiciário etc. Cheios de lamentos, promessas e bravatas, vazios de ação, seguem um manjado e farisaico roteiro, esperando que Patrícia seja uma lembrança apenas para a família e para os amigos e que nenhuma cobrança mais lhes acorra, quando o tempo, então, terá passado e todos, que não a família e amigos, deverão se perguntar quem era, mesmo, Patrícia?

Fabrício morreu há seis anos e os promotores de justiça no Brasil continuam com as mesmas condições de segurança dantes para desenvolverem os seus trabalhos, ou seja, nenhuma, a não ser aquela buscada no espaço etéreo. Patrícia morreu ontem e nada vai ser feito de concreto para conferir segurança aos juízes que ficaram.

Este cálice há muito é sentido por aqui pelos promotores de justiça e juízes. Eu, mesmo, na madrugada de 08/10/2005, vivenciei a desagradável experiência de ter a casa, em que morava na Cidade de Santa Luzia/MA, apedrejada. Há outros que podem contar suas desagradáveis experiências a esse respeito. Até quando?

Lembro-me de certa feita em que participava de uma audiência de interrogatório no Fórum da Comarca de Penalva/MA, quando resolvi ir ao banheiro, em um intervalo concedido pelo juiz. Já dentro do banheiro, o reservado ao publico em geral, pois não tinha outro ao meu dispor, deparei-me, quando lavava as mãos em uma das pias, com o réu postado ao meu lado, olhando-me com cara de poucos amigos. Sem arreganhar-lhe os dentes, retornei à sala de audiência onde logo tornamos a ficar frente a frente.

Por óbvio que jamais se conseguirá elidir o risco e nem é isso que pleiteio, mas, seguramente, seriam factíveis medidas que pudessem, ao menos, mitigá-lo se houvesse mais que vontade para isso, mas, sobretudo, ação.

Por certo há os que irão objetar com o argumento de que cidadãos brasileiros são mortos todos os dias país afora e que só me comovo com morte de promotores e juízes. Toda morte nos diminui. Não compreendem, no entanto, que no momento em que criminosos acham-se encorajados para matar autoridades, notadamente promotores e juízes, a insegurança da sociedade atinge o seu nível mais crítico. Vale citar a frase do presidente da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Gabriel Wedy: “Enquanto o juiz tiver medo, ninguém poderá dormir tranquilo”. É o declínio total do sistema público de segurança.

Talvez, seja importante lembrar que a coragem para matar um juiz é a mesma de que necessita um bandido para matar um deputado, um senador, um governador, um presidente etc. Não esqueçamos que, não faz muito tempo, a Polícia Federal descobriu um plano de sequestro de um filho de um ex-Presidente da República.

É nossa responsabilidade discutir a questão e agir antes dos pesares e das lamúrias. Sentimentos que, se não acompanhados de ações eficazes, se assinalam por cabal inutilidade, sendo assim, perfeitamente, dispensáveis. Eu, particularmente, os rejeito.

Afinal de contas, o que, realmente, estamos fazendo? O que já fizemos? Essas respostas, que são sabidas de todos, me levam a crer que continuaremos a contar com a sorte, torcendo para que ela não nos falte. Enquanto isso, prosseguiremos com nossa autoflagelação.

Fabrício. Patrícia. Que as suas mortes não tenham sido em vão, mas confesso que está difícil acreditar nisso. Que as minhas expectativas sejam contrariadas. Por enquanto eu, que gosto tanto de repetir Ariano Suassuna, dizendo-me um realista esperançoso, fico cá, nesse particular, com minha incredulidade."

Celso Coutinho, filho. Promotor de Justiça da Comarca de São Bento/MA.

domingo, 14 de agosto de 2011

Providências

Eis o voto do Conselheiro Cláudio Barros, aprovado por unanimidade, na última sessão do CNMP (09/08), nos autos do PCA 000786/2011-26, requerido pela colega Themis Maria Pacheco de Carvalho.



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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Eu te amo (2)

A cidade tinha uns ares de presépio, aninhada nas manhas do Rio Corda, ainda mais à noite, com os olhos na encosta da Altamira, alcançando, embaixo, as ruas de areia cintilante, sob um colossal tapete de estrelas. Naquele tempo, os migrantes do Seridó, sossegavam suas saudades, com a certeza de estarem às margens do paraíso. Farto e belo. Humano, porém. Pouco tardou saberem de Dona Ninita, do final da Luís Domingues, que recebia doses cavalares de desamor matrimonial, sob o linguajar de cinturões, cacetes, facões, pedras de rebolo e outros objetos da oportunidade. Ele, um estupor, lançava areia nas portas do terreiro e do quintal, para certificar a reclusão da amada. As bordoadas, ao retorno, eram mais requintadas: aqui, ali! faz, desfaz! suja, limpa! molha, seca! Sessões quase diárias, que ecoavam na feira, nas freiras e no cabaré do cai n'água. Sempre a morte anunciada. Véspera de São João, carregou a espingarda bate-bucha e gastou tempo amolando um facão novo, a quem encomendava a alma da distinta, que, por último ofício entre os vivos, deveria lavar a roupa do verdugo. Deixou-se demorar nas esfregas, para engabelar a morte. Quando o viu, na cadeira, de olhos cerrados, um anjo em suas entranhas desatou-lhe os pés e a enfeitiçou de coragem; aproximou o cano e repuxou o gatilho. Não sabe se ele ouviu o estampido que lhe perfurou os miolos, antes de revirar os olhos para dentro. Daí a meses, o anjo nasceu.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Eu te amo (1)

Não buscava socorro para os olhos com a maquilagem púrpura dos socos e bofetes; sim para a menorreia intermitente, a incomodar mais que as carnes doloridas. Como tantas, precedia, por desculpa, “um acidente”. Prescritos os medicamentos para regular a cura do corpo, inclinava-se a não gastar o latim com outra dessas vítimas, mas pressentia que a mão do covarde e sua boca de gritos insultuosos haviam-se aferrado à alma da pobre mulher, tanto que pareciam infestar todo o consultório, e não arrancá-las beiraria a cumplicidade. O que ela disse, o jovem médico gravou no cordel das lembranças mais doloridas. Sem os pais, vivera na rua, dos sete aos treze, quando ele a recolheu, estuprou e tomou para si. Desde então, onze anos de surras, reclusão e falsos cuidados. Sem letras, parentes, amigos ou vizinhos, não queria ouvir a tentação da liberdade. Fugir pressupunha um destino, que não o tinha. Sobrava-lhe solidão. Uma sem ninguém, amada por seu tratador e algoz. Dias depois, morta.

sábado, 6 de agosto de 2011

Palmada

"A partir do projeto de lei, encaminhado pelo Executivo Federal ao Congresso Nacional, propondo a abolição de qualquer tipo de violência a crianças e adolescentes, veio à luz a importante discussão quanto à necessidade ou não de se bater em crianças, como forma de educá-las ou de reprimir comportamentos indesejados.

Muito já se disse a respeito do tema, tanto com argumentos favoráveis, como com argumentos contrários. Entretanto, salvo melhor entendimento, a questão ainda não foi tratada sob sua verdadeira e necessária perspectiva.

Pessoas que se posicionam favoravelmente, normalmente argumentam que bater em criança (palmadas, cintadas, chineladas etc.) não causa qualquer tipo de prejuízo psicológico e que não distancia os filhos de seus pais, de modo que filhos que apanham continuam amando seus pais, muitas vezes até mais intensamente do que aqueles que nunca apanharam.

Outras, ao revés, que se postam contrários à medida (bater em crianças) normalmente argumentam que a surra deixa traumas irreversíveis e pode torná-las pessoas violentas quando adultas.

A mim me parece que esses argumentos e outros semelhantes são relevantes e que são dignos de debates, todavia não são argumentos centrais ou fundamentais do tema, mesmo porque existirão, sim, crianças que, mesmo apanhando de seus pais, ainda que submetidas a surras homéricas, as chamadas “surras conversadas”, continuarão amando-os profundamente e ser-lhe-ão gratas para o resto da vida. Assim como existirão crianças que nunca sofreram um só beliscão e que desenvolvem comportamentos extremamente agressivos e armazenarão traumas incuráveis para o resto da vida.

O ponto fundamental parecer ser outro: bater em crianças é um ato necessário como instrumento educativo ou de correção de condutas reprováveis ou de prevenção a comportamentos indesejáveis?

A pergunta ganha relevo quando se pergunta por que os pais batem em seus filhos. Na quase totalidade das vezes os pais batem nos filhos porque estão com raiva, ou por vingança, porque não possuem instrumentos (como o bom argumento, ou a produtiva conversa) de repreensão, porque estão passando por problemas de relacionamento, psicológico, financeiro etc. etc. Quanto maior a surra, maior o desequilíbrio emocional. Então, conclui-se, com certa facilidade, que quase sempre os filhos apanham por desequilíbrio emocional dos pais e não propriamente porque a surra (palmadas, cintadas, chineladas, “cascudos”, etc.) está sendo utilizada racionalmente como um instrumento educativo.

Se a agressão não é necessária, por que bater?

Fica apenas o registro de que, muito mais eficaz do que bater (que parece não ter eficácia nenhuma), é educar com limites. A criança que é acostumada a limites desde a tenra idade, não precisa apanhar para comportar-se adequadamente e certamente será uma criança feliz e um adulto consciente de seus deveres, sem traumas decorrentes deste tipo de ação e sem motivo para não amar profundamente e ser eternamente grato aos seus pais pela educação que recebeu."

Delvan Tavares – Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Imperatriz-MA.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Elevador

nem acredito
o que eleva, rebaixa
iguala à soberba o deboche
agasta

fixam-nos tarja de bandido

e nem há prédio (haverá, espeto?)
nem filas
mas sovas

se houver
basta retirar a placa (“exclusivo”)
não precisa elevar a dor