quarta-feira, 31 de março de 2010

Autofagia ministerial

Do colega José Cláudio Cabral Marques, titular da 1ᵃ Promotoria de Investigação Criminal, em São Luís:

"Ingressei no Ministério Público Estadual em 1993, ou seja, 05 anos após a edição da Constituição de 1988, que deu uma nova feição ao órgão ministerial. Na minha mente estava acesa a visão que mais tarde o Ministro Ayres de Brito iria materializar em uma frase: “O serviço público não é um voto à pobreza e sim um veto à riqueza”.

Escolhi a carreira de Promotor de Justiça, a despeito de boa parte da minha família ter optado antes pela magistratura, por entender que daquela Constituinte havia brotado um órgão, na sua essência, revolucionário. Revolucionário, como todo jovem, no sentido de ser um órgão portador de instrumentos legais capazes de promover grandes mudanças na nossa sociedade, no nosso país.

Passamos a ter a legitimidade para defender em juízo, ou fora dele, o meio ambiente, o consumidor, a infância e a juventude, o idoso, o deficiente físico, a ordem econômica, dentre outros, além das tarefas já tradicionais na seara penal.

Sou de uma geração de Promotores de Justiça que tinha orgulho de dizer que era membro do Parquet maranhense, reconhecido nacionalmente como um dos que mais rapidamente avançaram no sentido de consolidar sua posição na sociedade, oriunda da Carta Política recém promulgada. Os nossos congressos, simpósios, posses, seja lá o que fosse, eram bastante concorridos. Dia de evento era sinônimo de auditório cheio. Associação e Procuradoria Geral, apesar das divergências naturais, andavam juntas na conquista de novos espaços e na consolidação do caminho já percorrido.

Não sei, e talvez ninguém saiba exatamente, aonde nós perdemos o elo de ligação da classe, a liga necessária para seguirmos coesos em um só objetivo: o engrandecimento da Instituição. Talvez por ser um órgão essencialmente democrático, onde há eleição direta para quase tudo, isso ao invés de ter sido um elemento salutar quedou-se a transformar-se em motivo de discórdias entre grupos que iam se formando a cada embate eleitoral, ora para a Associação do Ministério Púbico-AMPEM ora para o cargo de Procurador Geral de Justiça, e até mesmo para Corregedor Geral, Conselho Superior, etc.

Os almoços das sextas-feiras e os encontros nos sábados e domingos na Associação entre vários colegas da capital e do interior foram se escasseando até chegarmos a absurda situação de eventos (seminários, palestras, congressos) totalmente esvaziados, em que me sentia constrangido em explicar para uma autoridade convidada o motivo da desmotivação e ausência dos colegas.

Deixamos de nos reconhecer como colegas, amigos, parceiros, para nos enxergarmos como concorrentes ou adversários. Paralelamente a isso, nos bastidores ministeriais era travada uma guerra surda entre grupos com o escopo de retomar ou se manter no poder.

Nos últimos dois anos assistimos a repetição de representações da antiga Diretoria da AMPEM contra a atual Procuradora Geral de Justiça, junto ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, com publicização na imprensa local. Era o início da lavagem de roupa suja em público, sem qualquer preocupação em poupar a imagem da Instituição, tão bravamente conquistada pelos colegas que nos antecederam.

Estamos na efervescência de uma campanha para a eleição de Procurador Geral de Justiça e o imbróglio agora se dá em razão da construção e reforma do prédio das Promotorias de Justiça da Capital, e mais uma vez o assunto é trazido a público revelando as entranhas e os podres da Instituição, como se os promotores de Justiça de última entrância nunca tivessem realizado uma reunião com o setor de Engenharia da PGJ e com a Procuradora Geral de Justiça, encaminhando manifestações de insatisfação com a demora e o tipo de serviço executado naquele imóvel e até mesmo nos manifestado pela dispensa de licitação, tudo isso, felizmente, devidamente documentado.

No nosso entendimento essa providência era necessária dada a urgência para a conclusão da obra, em razão dos prejuízos que vínhamos sofrendo no exercício de nossas funções, assim como o prejuízo para a população, porquanto ficamos geograficamente localizados na contramão de todos os órgãos com atuação perante a Justiça, além do afastamento da população carente, alvo principal do nosso atendimento ao público.

Estamos há mais de 2 anos “acampados” no prédio do antigo Garden Shopping Lusitana, no retorno da Cohama, sem as mínimas condições de trabalho pois tudo é um improviso. Não fomos mudos e agora não somos surdos e, portanto, não necessitamos de esclarecimentos e muito menos de contendas públicos.

Poupem-nos, poupem a nossa instituição e a sociedade, já tão aviltada com os inúmeros escândalos que se sucedem na vida pública, promovam um debate salutar em torno de projetos para o Parquet gonçalvino, sejam altivos, demonstrem que podem ser os timoneiros dessa nau a singrar mares bravios, pois, caso contrário, estarei convencido de que entre esses candidatos não há nenhum projeto político institucional para o Ministério Público Estadual, ao revés, estariam em andamento projetos pessoais de poder que não interessam a nenhum dos integrantes da classe ministerial.

Espero que um dos principais projetos a serem apresentados pelos candidatos seja a pacificação da classe, tudo o mais vem com o tempo e a reboque."

Questão

Como explicar que o Judiciário e o Ministério Público resolveram fechar suas portas em plena quarta-feira, usando como desculpa a Santa Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, se somente é feriado na sexta-feira? Pelo visto, há diferença entre os cristãos da iniciativa privada e os cristãos servidores públicos. Só ainda não vislumbramos qual. Deve ser uma questão de fé, impostos ou impostura. Ainda bem que somos um Estado laico. Se não fôssemos, haveria distribuição de açoites?

Cabeça

Não convinha deixar que o reduto ficasse ao sabor das conveniências de cada eleitor. Mais proveitoso seria manter o rebanho unido em torno de pelo menos um candidato a deputado, o que facilitaria a pretensão de lançar-se vereador, daí a dois anos. Uma boa votação agora, seria meio caminho corrido. Olhando os políticos que circulavam no trecho, percebeu o filho do prefeito da cidade vizinha. Rapaz novo, com suporte financeiro dentro de casa, aliado aos governos estadual, federal e internacional, em busca do segundo mandato. “Esse não perde”, ouvia-se por uma boca só. Telefonemas e recados resultaram sacramentando um encontro. Casa ampla, avarandada, com a boca aberta para um entra e sai de gente que vinha render loas ao pai-prefeito, ao filho-deputado e ao espírito-numerário. Numa mesa comprida, bules de café, pão massa-grossa, bolo de tapioca, bolo de milho, um alguidar de coalhada, e farofa de carne seca, tudo em constante renovação de copos, colheres e pratos. Para os fundos, numa mesa menor, algumas cachaças puras e outras com ervas, frutas e raízes, aquecendo as vozes dos contadores de causos e piadas, que tiravam, com gosto, o couro dos adversários. Esperou ser chamado ao aposento onde o deputado tinha as conversas mais reservadas. Solenidade não havia. Estava de bermudão, sem camisa, rindo-se após um prolongado arroto de coca-cola. Mas, recebeu bem: “Sente, faz favor, acho que já nos vimos, você não é filho do... isso, isso, isso, conheço seu pai”. O homem era profissional. Em pouco, e tinha inventado um parentesco desconhecido. Acomodou-se sobre o tamborete e detalhou seu propósito: disputaria um mandato de vereador na próxima eleição e queria nessa evitar a dispersão dos seus. Tentou fazer alguns elogios, mas o deputado não parecia interessado em recolhê-los, porque apanhou logo uma calculadora da gaveta e, sem levantar a vista, indagou, de chofre: “Você acha que pode me dar quantos votos?” Tomado de surpresa, fez uma rápida aritmética mental e balbuciou “uns quatrocentos”. O deputado meteu os dedos na calculadora, levantou o queixo para mais um arroto, e arrematou: “Pago vinte por cabeça. Tá bom pra você?” E a democracia sobrevive.

terça-feira, 30 de março de 2010

O jirau

As pessoas se ajuntavam à porta do fórum. A cidade acanhada recebia uma agitação extra. Alguns curiosos indagavam, sem respostas. O sol, sem fazer perguntas, já importunava, deitando gotículas na face do velho advogado que, microfone na mão, à frente de todos, arrumando alguns papéis rebelados pela pouca brisa que insistia em manter-se preguiçosa, preparava sua fala para traduzir a cena inédita. Mesmo não morando ali, a cidade o conhecia bem. Destacavam-no pelo bigode de pontas tecidas com gosto, as cãs sempre gomadas, e a voz cheia de humor e atenção. O paletó parecia há tempos ter-se afastado de umas boas escovadas, e era o mesmo que vestira na véspera quando um grupo de servidores, que usava seu patrocínio na justiça, veio reclamar de sua falha na condução do processo. Assustou-se, até mudar de cor, ao ouvir “foi o juiz”. Ora, sua excelência, com desplante, afirmara àqueles que o entrevistaram no gabinete, que o doutor advogado negligenciara seu mister, travando o processo que os acudiria. Essas palavras haviam se espalhado por toda a cidade e invadido o vizinho Piauí, no disse-que-disse do final de semana. Talvez nem tivessem tal propósito, mas o fato assim estava consumado, e o patrimônio de sua credibilidade fora arrastado pelo chão, como as ossadas e pelancas disputadas pelos cães em volta do mercado. Por isso, agira rápido, convocando seus clientes e outros para aquele encontro. Com as saudações iniciais aprontou logo os agradecimentos pela presença de tantos, declamou seu respeito pela cidade, seu amor pela justiça e sua paixão pela verdade. Em nome desta é que estava ali, com umas três cópias do processo que fazia questão de mostrar e explicar em detalhes, isentando-se de culpa. Talhado pelo tribunal do júri, deitou os fatos numa sequência que mantinha o suspense necessário para hipnotizar a plateia. Arrancou risos com seus trejeitos amatutados, e aplausos em uma boa sequência gongórica com verbos em tom de desafio. Ninguém o ouviu xingar ou espezinhar, nem tocar no nome de sua excelência que, pouco distante das últimas cabeças ensolaradas, arfava, e tinha dificuldades para acomodar as mãos. Nem por isso deixou de pontuar que, na justiça, quem chega, em pouco, numa remoção ou promoção, vai, mas o advogado fica e, para sobreviver, não pode deixar nenhuma sujeira sobre seu jirau. A cidade, depois, alimentou-se, por dias sem conta, com a verdade e a coragem do tribuno. Testemunha? O sol arregalado.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Conclusos (1)

Ter um culpado aquieta o foco da indignação. Era o que cidadão procurava no balcão da secretaria judicial. Explicassem por que seu processo emperrara, nominassem de quem era a culpa. Não deu outra, a serventuária tascou nome e sobrenome. "Sim, a culpa é do seu advogado Fulano de Tal." Espantou-se. Sentiu o nojo que, muitas vezes, acompanha as relações entre clientes e causídicos. A má fama, quase folclórica, se confirmava, outra vez. "Desgraçado!", espremeu entre os dentes, lembrando que estivera com o dito cujo fazia duas semanas, e ele lhe afiançara que o processo há meses aguardava decisão. Quase se retirava, quando foi contido pela observação de alguém folheando papéis ao seu lado. Era um advogado que, para acudir aquele desiludido estranho, sem alterar a voz, pediu os autos à serventuária. Após as identificações necessárias, demora daqui, enrola dali, repetida a solicitação com energia, sem despistar a onda nervosa, ela não os pôde mostrar: estavam conclusos. Enfim, o culpado.

domingo, 28 de março de 2010

Ana Luiza

Do colega Marco Antônio Santos Amorim:

Quem assistiu a entrevista da colega Ana Luiza Ferro concedida no Programa do Jô, que foi ao ar no último dia 26.03.2010, sentiu orgulho de integrar as fileiras do Ministério Público timbira. Relaxada, descontraída, absolutamente à vontade (ao menos foi esta a minha sensação como telespectador) a colega esbanjou conhecimento, isto na mesma semana em que Francisco Cembranelli, do MP paulista, enche de orgulho a instituição, mostrando à sociedade brasileira um pouco de sua imensurável importância. A boa exposição do Ministério Público é sempre salutar. Parabéns, Ana Luiza.

Férias (1)

Faz algum tempo, em julho de 2009, aqui nos manifestamos contrários ao período de férias de 60 (sessenta dias) para magistrados e membros do Ministério Público.

O debate está aquecido desde que o ministro Cezar Peluso, que brevemente assumirá a presidência do STF, declarou que não irá se desgastar para defendê-las.

As associações de magistrados reagiram imediatamente. Consideramos o debate aberto. Abaixo, postamos texto do juiz Aureliano Neto, publicado originalmente (25/03) no sítio da AMMA. (aqui):

“A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35/79, artigo 66) assegura aos juízes brasileiros o gozo de férias anuais de 60 dias. Além de ser uma garantia legal (e não uma “regalia indecente”, como afirmou um colunista da Folha de São Paulo), os magistrados do Brasil, há muito, usufruem esse descanso anual, já incorporado ao seu patrimônio jurídico, e mesmo recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Com a eleição do ministro Cezar Peluso para exercer a presidência do Supremo Tribunal Federal, a sua primeira manifestação foi de encaminhar para o Legislativo um projeto de alteração da LC 35/79 e reduzir o tempo das férias para 30 dias. Houve uma grita. Denominada por alguns de corporativista, expressão muito usual quando se quer desqualificar alguma posição de classe. Bem. As associações de juízes vieram a público para combater o ímpeto reformista do ministro Peluso. De outro lado, posicionaram-se os colunistas dos grandes jornais e o jurista Joaquim Falcão, professor de direito constitucional, e argumentaram que, com a redução das férias, o Judiciário produzirá cerca de mais de dois milhões de decisões por ano, e, como conseqüência, amenizar-se-á a morosidade da justiça.

Pessoalmente, não levantarei lança nem tacapes contra a unanimidade que se está formando. Não há dúvida de ocorrerá, com grita ou sem grita, a redução do tempo de férias da magistratura. Esclareço: é certo que os juízes devem trabalhar no seu local de trabalho. A mim parece que isso é pacífico. Não há, como afirmam os que combatem o bom combate, nenhuma necessidade, e mesmo justificativa, para que o magistrado ou magistrada exerçam suas atividades nos sábados, domingos e feriados, ou fora do seu horário de expediente. Devem fazê-lo no local e no seu horário de trabalho.

Penso assim. Sei que desagrada alguns. Mas, quem sabe, pode agradar a outros. É só continuar a leitura.

Há apenas um pequenino aspecto da questão ora em debate, ou quem sabe, já resolvida pelos que combatem a “casta” da magistratura. O inciso XII do artigo 93 da Constituição Federal diz que a atividade jurisdicional é ininterrupta. Veda as férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau. E ainda faz referência aos juízes em plantão permanente, que funcionarão nos dias em que não houver expediente normal. Essa norma garante uma prestação jurisdicional continuada.

Como o juiz ou juíza não podem gozar de “regalia indecente”, alguns critérios devem ser fixados com a redução das férias para 30 dias. Primeiramente, a fixação da jornada de trabalho do magistrado ou magistrada. Quarenta e quatro horas semanais, como ocorre com o celetista? Ou seis ou sete horas ao dia, como ocorre com os nossos servidores? Fixação do pagamento dos plantões: horas extras, ou um percentual que corresponda a essas horas a mais? E, ainda, a remuneração a ser paga quando responder por comarcas ou varas, que corresponda efetivamente ao seu trabalho, inclusive de deslocamento. Não deve ser esquecido que o juiz não trabalha só fazendo audiência, mas desenvolve outras funções essenciais.

Em vista disso, o juiz ou juíza devem fixar as suas audiências e o exame dos processos, de acordo com a sua carga horária de trabalho, exercida na unidade jurisdicional: oito, sete ou seis horas? Se ultrapassar, uma vez que não devem trabalhar gratuitamente (a Lei Áurea não foi revogada), receberão obrigatoriamente pelas horas trabalhadas a mais? Ou, ainda: cada vara deverá ter, no mínimo, dois juízes ou juízas, porque há uma carga horária a ser cumprida, e a prestação jurisdicional é contínua? E como não podem gozar de “privilégios indecentes”, já que magistrados ou magistradas não são diferenciados em direitos de qualquer servidor, ocorrendo a perda desse direito, haverá compensação de enquadramento e fruição de outros, garantidos em lei e já estendidos a outros servidores? Enfim, todos são iguais, assim quis dizer o Ministro Peluso.”

Pra lua

Com maconha na caixa de sapatos foi levado à delegacia. A hospedagem seria demorada. Sua autodefesa não lhe era propícia. Guardara o produto em casa, para devolvê-lo a quem “não conhecia”, enquanto a clientela fazia rasto na porta, pondo em alerta a vigilância que, mandado em mãos, o capturara. A mãe a sofrer, o pai a gemer, a filhinha a ignorar a nova morada do pai. O tempo dos dias quentes e das noites fétidas não acelerava nunca. Só depois de cem dias, viu-se em audiência, e forçando sua própria inquietação, tentava demonstrar uma ingenuidade sem suporte, que mais o atirava no abraço da condenação. Mas, na penúltima hora, faltara o laudo definitivo da erva que jamais fora examinada. Com excesso de prazo, o protesto pela liberdade foi negado e a diligência requereu se mandasse fazer a perícia, desequilibrando a balança de Themis em favor do mais forte. O acusador não cumprira seus prazos, sem qualquer empecilho da defesa, de sorte que, em memoriais, ― levando essa reflexão ao gramado dos direitos e garantias ―, redimira-se, proclamando a absolvição, acatada por sua excelência que respondia pelo juízo. Sorte? Uns nascem pra lua.

Procurando


A Procuradoria Geral de Justiça cuidou de publicar na imprensa, neste domingo (28/03), uma Nota de Esclarecimento à Sociedade, sobre a reforma do prédio-sede das promotorias de justiça da capital (o "espeto de pau"). Não a publicou em seu sítio na internet. A nota não traz nomes de pessoas. Digamos que alguém saiba todos, inclusive de quem é a Proenter Engenharia. Estamos procurando Wally?

Veja (aqui) a nota publicada no jornal “O Estado do Maranhão”. Para ler, espere a página ser carregada, depois clique no sinal (+) para ampliar.

sábado, 27 de março de 2010

O café e o tempo

Ela me trouxe um tango e uma xícara do café tortoni e devora seu livro marcando as folhas de rever, enquanto vôo nas lembranças do começo. Filhos crescidos, pais envelhecidos, e nós para esse mesmo belo caminho. Em cada dia encontramos um arca do tesouro perdido, numa carícia, num beijo, numa gentileza, num cuidado, num aconchego qualquer. A felicidade nem chega a cem e vira pó, sem testamento algum. É a leve brisa que sopra desse coração e me vê.

Vamos comer?

― Primeira vara da família!

― Por gentileza, gostaria de informações sobre uma precatória.

― Olha, estamos em greve.

― Poderia verificar no sistema se já foi cumprido o mandado?

― Olha, nós estamos em greve!

― Sei, mas é uma questão de alimentos, com muitos meses de atraso, eu até poderia falar com o oficial...

― Senhor, nós es-ta-mos em gre-ve!

― Quanto tempo?

― Mais de mês.

― Está bem. Obrigado.

(De Mirador para Araguaína, 24/03/10)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Carta do Futuro (1)

Este é o ano de 2097. Ingressei na magistratura no último concurso, de 2093. Tenho sob minha jurisdição 5 municípios, com população estimada de xis habitantes. Temos dois sistemas de trabalho. O módulo presencial e o módulo virtual. Na área de produção, sob meu comando direto, trabalham cinco assessores de técnica processual e dez assessores de conteúdo. Há um módulo presencial em cada município, com secretaria e núcleo de virtualização de documentos, captação e transmissão de imagens de alta definição em tempo real. Nesses estão as salas integradas de audiência. Todos podem estar presentes fisicamente ou virtualmente, não faz diferença. A parte pode estar em casa, no escritório, no presídio, no caos do trânsito, ou em qualquer área pública de telemática, em shopping, aeroporto, igreja, escola etc. O sistema é invulnerável. A identificação digital de quinta geração jamais foi violada. No mês passado, presidi 13 audiências, convalescendo num leito de hospital. Tudo começou com os primeiros interrogatórios à distância, ao final da primeira década. Depois, a digitalização de todos os processos. O software judicata modificou por completo o modo de sentenciar, pois qualquer pessoa pode fazer uma simulação do caso que pretende por em julgamento na corte, alimentando o programa com informações e eventuais provas, para obter uma resenha com o possível resultado. Pimba! As aventuras no judiciário diminuíram 80 por cento, nos últimos 15 anos. Com o assassinato de dois juízes em 2063, houve uma greve de 48 dias, que consolidou o fim da obrigação da presença física do juiz na comarca, quando o Conselho decidiu pela implantação desse revolucionário modelo virtual, que está em sua oitava versão. Trabalhamos terça, quarta e quinta,  e temos 90 dias de férias anuais. Comparativamente, nossa produção é 22 vezes maior que no início do século. Quem entra com uma ação hoje, sabe que seu caso estará sentenciado em, no máximo, 65 dias. E a previsão, com o Meta 43, é reduzir esse tempo para 53 dias, até o ano 2100. A última vez em que estive de corpo presente na comarca foi antes do natal do ano passado. E tudo funciona sem reclamações.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Conhece?

De povoados e de outros municípios, as pessoas chegam ao fórum. Servidores pacientes, com as explicações honestas: “Sua excelência tirou licença, não teremos as audiências.” Um e outro relutam em entender ou aceitar, principalmente quem viajou 130 Km, pediu dinheiro emprestado, está adoentado, saiu de madrugada numa carroçaria, no famoso veio sem poder. Você aceitaria?

Um deles desbafa, arrastando o "purtuguês": Meus tistimunho eram dois. Um sofre de pressão, não pôde vim; o outro eu trôxi fretano moto, fazeno dispesa. Saímus de madrugada. Comprei uma carne lá incima, pedi pra minha filha aprepará. Chego aqui, nada, não tem as odiênça. E meu processo já interô dois anos. Agora, quano?

Audiências deixam de acontecer por vários motivos: falta do promotor, do juiz, da parte, do oficial de justiça, da secretária, do juízo deprecado, do correio, de energia elétrica.

As despesas dos atos, que forem adiados ou tiverem de repetir-se, ficarão a cargo da parte, do serventuário, do órgão do Ministério Público ou do juiz que, sem justo motivo, houver dado causa ao adiamento ou à repetição. Isso determina o Código de Processo Civil (29). Bacana! Mas não conheço nenhum promotor que já tenha reembolsado alguém. 

Cutucão


Foto do "espeto de pau", em 28/11/09

Depois de meses cutucando, finalmente se estabelece algum alarido em torno do “Espeto de Pau”. (Para quem perdeu os capítulos anteriores, “Espeto...” é o funesto prédio das promotorias de São Luís).

Fátima Travassos anuncia relatórios de processo administrativo e sindicância. Raimundo Nonato presta esclarecimentos ao distinto público. Mas faltam as falas iniciais de outros personagens. Por isso, queremos ceder espaço aos colegas Francisco Barros e Jamil Gedeon.

É claro que o “segura que o filho é teu” está só começando e deve arranhar os ouvidos mais pudicos, que preferem as coisas junto ao solado do tapete. E, como ocorre em quase todos os cantos do planeta, bem no momento em que o vulcão eleitoral precisa cuspir fogo e engolir gente.

A quebra do silêncio talvez seja o esperado ponto de partida para ataques e contra-ataques. Possa ser. Mas quem será árbitro? Ao final, depois do para pra acertar, talvez, nem haja culpado.

Do lado de fora, ruminam que o mais provável é que tenha havido um concurso de ação e omissão.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Ontem

Ainda sobre o tema moradia na comarca, postamos texto de autoria do José Luiz Oliveira de Almeida, publicado em seu blogue.

“Estimulado pelo testemunho do colega magistrado Francisco Soares Reis Júnior, decidi contar um pouco da minha saga, enquanto juiz com residência na Comarca.

Anoto, de logo, que, diferente dele, permaneci morando nas comarcas pelas quais passei, apesar de todas as intempéries, como vou narrar a seguir.

Pois bem. Em 1986 assumi a magistratura do meu Estado. Fui titularizado, a pedido, na Comarca de Presidente Dutra, onde me deparei com as condições mais adversas. Primeiro, havia incontáveis processos parados, em face do tempo que a comarca ficou sem juiz. Depois, por falta de opção, fui morar numa casa que ficava numa avenida de piçarra. Mesmo dentro de casa, com algum tempo, se eu passasse um papel higiênico no rosto, ele saia amarelo – ou vermelho, sei lá – em face da poeira que tomava conta da minha casa. Além da piçarra, havia o calor – insuportável. Para completar o quadro, potó, que a gente recolhia numa pá de lixo, tamanha a quantidade deles. A minha esposa, grávida de alguns meses do nosso primeiro filho, dormiu, várias vezes, no chão, sobre as lajotas da sala de jantar, em face do calor que nos sufocava, sobretudo nos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. Para completar, era comum, quase rotineiro, faltar energia, sobretudo à noite, quando mais precisávamos de conforto – se é que havia algum conforto morando onde morávamos. Passei muitas horas da minha vida abanando a minha mulher, para que ela pudesse dormir, vez que, grávida, sentia calor excessivo.

Para completar o quadro, a comarca era tida e havida como terra de pistoleiros. Todas as vezes que eu tentava impulsionar um determinado processo, desses que noticiavam crimes de encomenda, eu era aconselhado pelos serventuários a não mexer com aquilo, pois poderia me trazer dor de cabeça. Apesar de tudo, nunca deixei de impulsionar nenhum processo. Claro que tive medo, mas não podia demonstrar. Um juiz não pode parecer covarde diante dos seus jurisdicionados.

E assim fui levando durante mais de três anos.

Vivi todas as adversidades que um magistrado pode viver numa comarca. Eu não podia ter amigos. A política permeava, impregnava a vida em a sociedade. Havia os que estavam no poder e os que eram capazes de qualquer expediente para ascender. Fui vítima de incontáveis aleivosias. Aliás, de aleivosias nenhum juiz escapa. Fui acusado, até, de ganhar uma fazenda, com incontáveis cabeças de gado; fazenda que, até hoje, não incorporei ao meu patrimônio, mesmo porque até os dias atuais não sei quem me deu a fazenda.

Em face dessas e de outras tantas injustiças que fizeram a mim, o professor Doroteu Soares Ribeiro passou grande parte dos seus últimas dias de vida supondo que eu fosse um ladrão.

Um determinado dia, lembro como se fosse hoje, fui à sala de Madalena Serejo, à época juíza da Vara de Entorpecentes, que ficava em frente a minha, no Fórum da Comarca de São Luís, e lá deparei-me com o professor Doroteu Ribeiro, que não me suportava, em face das informações de que eu havia trocado a eleição de prefeito de Presidente Dutra por uma fazenda. Ao ver-me, o professor se assustou e fingiu não me ver. Depois que eu saí da sala de Madalena Serejo, ele disse a ela, textualmente:

― O Dr. Almeida é desonesto.

Madalena Serejo, me conhecendo muito, desde quando eu advogava pela baixada maranhense, advertiu o professor Doroteu que ele estava sendo injusto e que era melhor que ele procurasse informações acerca da minha conduta, a partir das quais ele mudaria a sua opinião a meu respeito.

O professor Doroteu, poucos meses antes de falecer, esteve com Madalena Serejo e disse a ela:

― Estou começando a mudar o conceito que tenho do Dr. Almeida.

Imagino que ele não tenha tido tempo de mudar o conceito que tinha de mim. Deve ter partido para outra vida no mínimo com dúvidas acerca da minha honorabilidade. Logo eu, cujo patrimônio é puramente moral.

Por causa dessa e de outras injustiças, sofri muito, pois, àquela época, 1986, eu vivia problemas financeiros horríveis, já que o que percebia não dava para manter o meu padrão de vida. Àquela época, não havia um único magistrado, que sendo honesto, vivesse sem o beneplácito de um cheque especial.

O juiz que fixa residência na comarca é, sim, muito mais suscetível, muito mais vulnerável que aquele que só permanece nas comarcas às terças, às quartas e às quintas-feiras.

Todavia, apesar de tudo, ainda entendo que juiz deva morar na comarca. Só na comarca é que pode viver intensamente o seu mister. Nesse sentido, sublinho que inúmeras, incontáveis foram as prisões injustas que relaxei nos finais de semana. Morasse eu em São Luís, e muitos teriam que passar um final de semana inteiro preso, até que a digna autoridade judiciária resolvesse voltar para o seu local de trabalho.

Vida de juiz, no interior, é mesmo muito difícil. Mas não se pode, sob esse argumento, deixar de fixar residência na Comarca.

Eu nunca sucumbi diante das dificuldades. E elas foram muitas. Eu sofri, chorei, lamentei, passei momentos de aflição, desde o dia que decidi morar na comarca. Mas não retrocedi. Como um indomável, finquei pé. Nada, nenhuma adversidade me fez retroceder, pois eu tinha assumido comigo mesmo o compromisso de fazer da minha profissão um sacerdócio. Por isso sofri. Por isso passei noites insones. Só eu e minha esposa sabemos tudo que passamos.

No próximo capitulo vou narrar alguns fatos que, decerto, darão a dimensão (quase) exata no que é viver na comarca.”

Palavra do leitor

A propósito das postagens com os textos do juiz Francisco (Premissas) e da promotora Cris (Cris), falaram os leitores:

Gustavo: Meu pai foi promotor nos anos 1980. Se hoje a precariedade das cidades domina a população, imagina naquela época! Lembro que ele saía daqui de São Luís domingo à noite para chegar à comarca pela manhã do dia seguinte e só voltava sexta, no final da tarde. Via meu pai somente nos finais de semana. E numa época em que promotor não ganhava a dinheirama que ganha hoje. É difícil mas é a vida. Sei bem o que é isso.

Cláudia Santos: Testemunhos como os dos Juiz e Promotora de Justiça são sempre muito úteis para advertir aqueles DESAVISADOS que prestam concurso público para ocupar cargos na Magistratura e no Ministério Público tendo em vista apenas o SUBSÍDIO previsto no edital, sem possuir qualquer noção dos deveres, das responsabilidades e sacrifícios que envolvem o exercício de FUNÇÃO PÚBLICA. Então, aos acadêmicos e concurseiros de plantão, importante ter em mente que a vida de Juiz e Promotor de Justiça é impregnada de sérias dificuldades que envolvem a prestação de SERVIÇO PÚBLICO, que deve ser visto como vocação e múnus público a ser desempenhado por aqueles que efetivamente desejam servir a sociedade na qual se inserem e não somente a si mesmos. Assim, parabéns ao Juiz e à Promotora que gentilmente nos deixam saber como serão sofridas as vidas daqueles que se arvoram no exercício das mencionadas CARREIRAS PÚBLICAS.

Cris

O texto do juiz Francisco Soares Reis Júnior, aqui publicado sob o título “Premissas”, também, foi destaque no “Diário de um Juiz”, e no “Blog do Itevaldo”. Neste, a colega Promotora Cris fez o seguinte comentário:

“Sou promotora de justiça e sei bem do que o Dr. Francisco está falando. Em uma das comarcas que passei, a minha empregada era comadre do prefeito, aí imaginem os boatos que nasciam dessa relação. Se a minha empregada era comadre do prefeito, no mínimo eu também era do lado dele. Por falar em lado, meu vizinho era um dos maiores traficantes da cidade. Acabou preso e denunciado e a família dele me olhava com raiva.

Uma vez me aconteceu algo revoltante. Havia na cidade um motorista que eu contratava nas minhas viagens sempre acompanhada de outros profissionais que trabalhavam no município, enfermeiras e médicos do PSF, assistentes sociais, psicólogos, dentistas enfim (todos esses profissionais passavam mais ou menos dois dias na cidade).

Um dia esse motorista levou uma facada no peito por um dependente de drogas problemático que viva cometendo furtos e nesse dia subtraiu sua moto. Por um triz o motorista não morreu. Como o assaltante foi preso em flagrante, o inquérito foi concluído rapidamente, a denúncia foi de pronto oferecida e a condenação a oito anos de prisão por latrocínio tentado veio logo. Foi uma resposta rápida a um caso de grande repercussão. Pensei comigo “A justiça foi feita”.

Para minha surpresa, um dia cheguei ao fórum e o secretário judicial me entregou uma carta achada por ele junto à porta. Era uma carta anônima. A palavra mais bonita dirigida a mim foi de “fuleira”.Nessa carta alguém expressava a sua indignação pela condenação do assaltante alegando que a justiça funcionou rápido demais e que todos sabiam que eu tinha um caso com o motorista! Ainda bem que nas viagens que eu fazia sem pre estava acompanhada de mais alguém como citei acima, senão a acusação seria tomada como verdade por todos.

Veja a vulnerabilidade do promotor da cidade. Não pode se relacionar com ninguém sem ter sua imparcialidade questionada. Se trabalha com eficiência é por que foi rápido demais.

Quando meu marido foi comigo uma vez a esta cidade, o prédio do fórum estava em reforma e estava funcionando em uma casa alugada. Nesse dia faltou luz e tivemos que abrir a janela das salas que dava para a casa ao lado, que pertencia aos pais da minha manicure. À noite, a manicure me disse que todo mundo queria ir beber água em sua cozinha para saber quem era o marido da promotora. Como pode?

Nas cidades do interior, juízes e promotores são altamente vulneráveis e para manter sua imparcialidade tem que viver praticamente ilhados, sem fazer amizade com ninguém, a não ser que seja um relacionamento bem superficial.

Além disso, a precaridade dos serviços no interior como ressaltou Dr. Francisco é algo que faz com que a própria população recorra a São Luís. No interior, qualquer família que tenha um pouco de recursos financeiros manda os filhos estudar na capital, onde também procuram assistência médica.

Nosso dia a dia no interior não é fácil. Fácil é falar mal sem estar bem informado.

Antes que digam “já que as cidades do interior são tão ruins assim, por que não lutam para que melhorem?” Respondo, fazemos nossa parte, mas não é suficiente. A melhoria de vida em um município tem que partir das autoridades, que infelizmente estão deixando muito a desejar e da população que atualmente está altamente acomodada com bolsa família, seguro desemprego e auxílio natalidade.”

terça-feira, 23 de março de 2010

Em tempo

Do colega Ednarg Fernandes Marques, Promotor de Justiça em São Luís, distribuído sob o título "Ministério Público: de indispensável a essencial."

"Tenho testemunhado, ao longo de toda minha vida, reformas, e até transformações. Infelizmente, entre tantas mudanças, quantas não foram as repetições de costumes neste Ministério, que é Público?

Minha vivência com e no Ministério Público iniciou na infância. Filho de Procurador de Justiça, hoje aposentado, testemunhei sua luta na Presidência da AMPEM, ainda como Promotor de Justiça, em busca de melhorias para a Instituição.

Testemunhei, também, sua decepção ao ser removido para cidades mais distantes daquela na qual oficiava, apesar de suas iniciativas, à frente dessa Entidade, porque os pleitos da Classe iam de encontro à vontade do então “Chefe” do Ministério Público, que sequer aos seus quadros pertencia. Tal fato, contudo, somente fortaleceu ainda mais o seu modo de agir com zelo e determinação pela Instituição.

Fui testemunha de seu sentimento de tristeza ao ser preterido em uma promoção, ante a manobra de um colega, que se utilizou de fortíssimas injunções políticas e conseguiu que o Governador da época deixasse de assinar seu ato de promoção, já em sua mesa, substituindo-o pelo daquele que se dizia seu colega.

Morei em Caxias, para onde foi ele removido, depois da decepção sofrida.

Já adolescente, testemunhei a primeira greve do Ministério Público, por ele liderada, objetivando ver implementada a Lei Complementar nº 40/81.

Enfim, durante toda minha infância e adolescência, vi, com os olhos de quem passava por essas fases da vida, o que era e como foi se tornando o Ministério Público.

Confesso que, apesar das grandes modificações e avanços no campo normativo, velhos costumes continuam atuais e fazem parte de tudo quanto temos que mudar.

Era assim o Ministério Público: sem garantias, submisso às injunções políticas e chefiado por quem não pertencia aos seus quadros.

Entretanto, a Constituição da República de 1988, não apenas reconheceu, mas também fortaleceu nossa Instituição, que foi erigida à condição de essencial à função jurisdicional do Estado. Passamos a ser essenciais à realização da Justiça. Eis o que dá alcance de permanência à nossa missão.

Em 1991, concluí o curso de Direito, e, apesar de fazer parte de um Escritório de Advocacia com significativa clientela, e já contar com um certo conforto remuneratório, optei, com convicção, por ingressar no Ministério Público.

Brevemente, já saindo de outra adolescência, completarei 18 anos de dedicação a esta Instituição. Posso, assim, afirmar, que sou, entre tantos, testemunha dos diversos avanços que ocorreram no Ministério Público. Daí o motivo desse relato preliminar.

As atribuições conferidas à Instituição, do que se pode extrair da Constituição Federal, a partir de 1988, como disse, acompanharam a evolução da sociedade e suas demandas.

O certo é que, tanto o Texto Constitucional quanto as leis que dele emanam, destacaram a importância do Ministério Público, instrumentalizando-o com as ferramentas de que necessitava para cumprir o múnus institucional, garantidor, mantenedor e fiscalizador da ordem jurídica. Sua existência, suas lutas, transformaram sua indispensabilidade em essencialidade.

A pergunta que se pode e se deve fazer agora, é: com os meios de que dispõem os membros do Ministério Público, podem eles cumprir suas atribuições institucionais? É verdadeiro afirmar-se que a atuação da nossa Instituição tem sido efetiva? A participação do seu quinhão no orçamento do Estado é suficiente? Os gestores do Ministério Público, na sua totalidade, vêm se empenhando a contento na busca do real fortalecimento da Instituição, empregando os recursos destinados a pessoal e a investimentos com visão de futuro? As atribuições de cada membro, em ambas as instâncias, estão distribuídas com equidade?

As atribuições que foram conferidas ao Ministério Público pós-Constituição/88, ao mesmo tempo em que o fortaleceram, criaram-lhe desafios extraordinários, que encontram barreiras, por enquanto difíceis de transpor, mas não impossíveis, exatamente no limite orçamentário que constitui o engessamento do qual precisamos nos livrar.

Não são poucas as reclamações que se ouvem, sobretudo no que se refere à estrutura do Ministério Público. A situação é grave e pode piorar, caso não reajamos com urgência. Não podemos, pois, esperar milagres. Devemos fazer nossa parte. E fazer nossa parte é pensar também em um Ministério Público muito mais dinâmico e com uma melhor divisão de atribuições.

Não há espaço para desperdício. O quadro de membros é da mais alta qualidade, por isso que não se pode admitir as distorções de hoje, com a distribuição desigual de atribuições, à medida que alguns têm de analisar centenas de processos e participar de um sem número de audiências, só para mencionar, enquanto outros têm a sua valorosa e muito qualificada força de trabalho desperdiçada, sem que tenham culpa, por uma forma de estrutura organização há muito ultrapassada. Perde a Instituição; perde muito mais a sociedade a quem temos o dever de servir.

Urge que mudanças sejam feitas, mas mudanças baseadas em dados concretos, livres de subjetivismos, dentro da realidade, que contemplem uma distribuição equânime de trabalho, possibilitando que todos possam contribuir de modo igual na construção contínua de um Ministério Público verdadeiramente social.

Não são raros os comentários de insatisfação. Várias são as observações e várias, também, são as soluções sugeridas, algumas beirando ao absurdo. E por qual razão surgem tais ideias? Em parte, pela já crônica falta de estrutura institucional, que onera membros e servidores. Apenas para ilustrar, penso, entre outras coisas, que ninguém aguenta mais ter de responder continuamente por duas ou mais Promotorias de Justiça, sem as adequadas condições de trabalho, sobretudo no que toca à falta de servidores, fato que desgasta, em todos os sentidos, qualquer pessoa, seja no plano pessoal (saúde, vida familiar etc.), seja no institucional (cansaço, diminuição da qualidade do trabalho etc.).

Como se vê, a situação não é nada confortável. Some-se a isso a insatisfação dos servidores, inconformados – por justo motivo – com uma política salarial diferenciada dos demais órgãos com responsabilidades semelhantes, política essa que também é refém do absurdo limite orçamentário de que padece a Instituição. Tal questão tem ensejado a significativa perda de servidores qualificados, que buscam em outros setores públicos melhores condições de trabalho. Tudo isso, em prejuízo do Ministério Público e dos seus já onerados membros, e sobretudo, em prejuízo da sociedade.

O que fazer? É possível mudar?

Claro que sim. Como bem lembra Ivan Lins: desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos...

Não podemos nos abater diante desses desafios, pois foram exatamente os desafios que forjaram o pilar de sustentação do Ministério Público. Não podemos, portanto, pensar que não há saída, pois ela existe e depende principalmente de nós.

Vivemos numa época de mudanças, e mudanças rápidas. Olhar o passado e ter consciência de seu presente, são medidas indispensáveis a quem quer e deve planejar o caminho de um futuro seguro.

Muitos foram aqueles que ajudaram na construção desse caminho, como muitos serão aqueles que o abrirão ainda mais.

Avizinha-se mais um momento em que poderemos escolher que futuro queremos, e sem que nos esqueçamos daqueles que muito já contribuíram para que o Ministério Público chegasse aonde chegou, os quais merecem nossas homenagens, é válido assinalar que, se por um lado, no Quadro de Procuradores de Justiça, aqueles que nunca tiveram tal oportunidade podem desempenhar com competência e capacidade as elevadas atribuições de dirigir a Instituição, por outro, é possível identificar, sem dificuldade, Promotores de Justiça dedicados e também capazes e competentes para exercer o honroso cargo de Procurador-Geral, com equilíbrio e altivez.

A história tem demonstrado que a renovação tem sido proveitosa e a alternância do poder é, por certo, salutar.

Para isso, devemos ter em mente que somos um MINISTÉRIO PÚBLICO. MINISTÉRIO, aqui entendido como mister, dever, ofício; PÚBLICO, entendido como de todos, de e para a sociedade. Nosso dever, portanto, é: SERVIR A SOCIEDADE. Nesse contexto, não pode o individual sobrepor-se ao geral. Vivemos tempos difíceis. Unir, para fortalecer - e, sobretudo, para melhor servir - é imperativo. De ninguém é ignorado que a esmagadora maioria dos eleitores está na, digamos, primeira instância do Ministério Público. Tal situação, contudo, não pode ser a força motriz para quaisquer movimentos separatistas, a exemplo do que já aconteceu em outros Estados, ainda que de forma velada.

Como afirmado, é tempo de unir forças. É tempo de mostrar – literalmente – o nosso esforço, sobretudo à sociedade. É tempo de gritar aos quatro cantos que estamos sendo obstaculizados no cumprimento de nossas atribuições por um vergonhoso limite orçamentário. Mas também é tempo de buscar, mesmo com os atuais obstáculos, novos caminhos, principalmente aqueles que possibilitem ao membro e ao servidor, condições de trabalho mais favoráveis e condignas.

É tempo de firmar posições institucionais mais bem definidas, cortando, o por vezes, odioso cordão umbilical que nos sufoca no amontoado de metas e programas de outras Instituições e para os quais não temos a estrutura ideal.

É tempo de reconhecer no membro da primeira instância o valor que possui, promovendo a ruptura dos obstáculos que o impedem de exercer cargos administrativos, até o momento, privativos dos que integram a segunda instância: não mais se justifica a impossibilidade de ser ele Corregedor-Geral, membro de Conselho Superior ou Sub-procurador.

É tempo de rever a política de vencimentos e a estrutura organizacional dos servidores.

É tempo de promover a integração com outros órgãos que atuam no Sistema Judiciário.

É tempo, enfim, de ousar.

Muitas são as ideias, muitos são, igualmente, os desafios. Quem quiser ser o líder de que precisamos, haverá de ter coragem para enfrentar tais desafios, com sabedoria, inteligência, sensibilidade e com tino administrativo, jamais com vaidade ou com apego ao Poder.

Precisamos de um Representante, seja Procurador, seja Promotor, que esteja buscando melhor servir, possibilitando que o Ministério Público continue a ser essencial à sociedade."

Dádiva


Apesar dos nove meses, você quase não acredita, quando chega a paternidade. A tenra vida em suas mãos é uma síntese do universo dadivoso. Dessas alegrias não se descreve um terço. Mais importante ainda é que elas transformam nossa vida, para sempre. Temos três. Heloísa é a primeira. E hoje (23), relembramos o dia em que nasceu. Muito obrigado, Senhor!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Premissas

De Francisco Soares Reis Júnior, Juiz de Direito da Comarca de Humberto de Campos, publicado originalmente no sítio da Associação dos Magistrados (AMMA), hoje (22/03), às 11:47:

"Chegou a vez de dar meu testemunho sobre a vida de um magistrado em uma comarca do interior do Maranhão.

Ingressei na magistratura em dezembro de 2003. Casei em janeiro de 2007 e me tornei pai em agosto de 2007.

Após os primeiros meses do nascimento de nosso filho, decidimos eu e minha esposa que o ideal seria a permanência da família unida todos os dias da semana.

Solução mais óbvia: morarmos permanentemente na Comarca.

A cidade era Humberto de Campos. Após alguns dias de procura, verifiquei que não havia qualquer imóvel disponível para locação em condições mínimas de higiene e salubridade.

Única saída: comprar uma casa e providenciar sua reforma.

Preço do imóvel: R$ 28.000,00 (valor pago em oito prestações iguais de R$2.500,00 e uma entrada de R$ 8.000,00). Com a reforma, foram mais R$ 40.000,00, fruto de reservas, já que se tratava de meu primeiro imóvel, e de um recebimento de cerca de R$ 18.000,00 referente ao pagamento da Parcela Autônoma de Equivalência, em março de 2009.

Primeira polêmica e desconforto: A decisão foi tomada logo após as eleições municipais de 2008, de modo que surgiu uma série de insinuações na cidade de que eu estava recebendo subsídios do prefeito municipal para a reforma do imóvel. Coisas do tipo “Bom mesmo é ser juiz nos Lençois Maranhenses, já que recebe carro e casa do prefeito”.

Houve, inclusive, divulgação dessa injúria, por meio de um pasquim apócrifo, em todas as ruas e comércios da cidade.

A revolta foi imediata. Não houve como não ficar desgostoso e arrependido da decisão recém tomada.

No entanto, já havia feito o investimento e não via melhor solução para permanecer próximo da minha esposa e do meu filho, o qual tinha, na época, 01 ano e 05 meses de vida.

Então, engoli o orgulho e a chateação e fui morar com toda a trupe na comarca.

A idade tenra do meu filho e o fato de minha esposa ter se graduado em Arquitetura há menos de 06 meses possibilitaram que ambos pudessem se desprender dos laços existentes em São Luís em prol de nossa família unida no interior do Estado.

Não foram poucos os conselhos e alertas de amigos e de familiares sobre a aventura despropositada que estávamos tomando. Afinal, segundo a visão preconceituosa deles, “nenhum magistrado residia no interior”.

Sabia que era mentira tal opinião, fruto do senso comum de boa parte da sociedade. Mas também já imaginava que seriam dias de muitas mudanças!

Assim, fomos de malas, bagagens e demais bichos de estimação. Era abril de 2009.

No início, tudo foram flores. Euforia pela casa nova. Brincadeiras constantes com nosso filhinho. E até fizemos amigos na vizinhança, a maioria bem humilde, porém zelosos e divertidos.

Até o primeiro incidente!

Como ficávamos também os finais de semana em Humberto de Campos, passamos a convidar alguns amigos novos para almoços e para passar a tarde no quintal de nossa residência. (É incrível nosso poder de se adaptar aos novos ambientes e a procurar a felicidade seja da forma como ela se apresentar).

Pois então, como dizia, até o primeiro incidente, ou melhor, trauma. Explico.

Durante a reforma da casa, percebemos que o eletricista contratado, que se apresentou como Moisés, era um sujeito bem competente e mais educado que os demais trabalhadores da obra.

Assim, naturalmente, mantivemos uma amizade preliminar, com o qual mantinha conversas amistosas e que freqüentou minha residência algumas vezes.

Até que um dia, na sala de audiência, o Delegado de Polícia de Humberto de Campos me telefonou e informou que estava com um mandado de prisão a ser cumprido contra dois suspeitos de terem assassinado um policial militar no interior do Pará e estavam se escondendo em nossa cidade.

Acrescentou que havia alguns policiais civis paraenses que tinham se deslocado para recambiar os presos até a comarca onde se consumou o delito.

Requisitei que me apresentassem a decisão e o mandado judicial e, após a prisão dos suspeitos, que fossem submetidos a exame de corpo de delito e conduzidos perante este magistrado.

Para minha enorme surpresa e arrepio: eram Moisés e sua companheira as pessoas procuradas. Ainda perguntei a ele se era verdade aquela acusação e ele nem tentou negar.

Havia inúmeras fotografias do policial morto. E, na minha cabeça, só veio a imagem de que, no início da manhã daquele mesmo dia, ele havia ido até minha casa, a meu pedido, consertar o chuveiro elétrico do quarto do meu filho, com o qual ainda brincou por alguns instantes.

Na volta para casa, tive a maior cautela de contar a história para minha esposa e pedi que não a reprisasse para a babá nem para a empregada.

O susto daquele momento virou trauma depois. Não fizemos mais qualquer almoço. Não saíamos mais de casa, a não ser para o Fórum, para o pequeno comércio do “Ribinha” e para levar meu filho Otávio à sua escola-creche, situada no bairro da Bacabeira.

Ah, por falar em escola. Não existem escolas particulares em Humberto de Campos. Não que me informaram. Por isso, decidimos pedir para a Diretora do Jardim de Infância “Cebolinha” para que pudéssemos matricular nosso filho, mesmo após o período adequado.

A verdade é que a escola não tinha recursos pedagógicos suficientes. Era mais um lugar para as crianças passarem a manhã e, essencialmente, terem a principal refeição do dia.

As professoras não eram preparadas e nem motivadas. Mantivemos nosso filho lá unicamente pelo aspecto da sociabilidade com outras crianças. Além de que, por ser filho do Juiz da Cidade, ele chamava a atenção de todos, o que prejudicava seu natural entrosamento e aprendizado.

Na realidade, ele foi poucas vezes à escola. Passava o dia em casa assistindo televisão e brincando com brinquedos educativos que trazíamos todas as semanas de São Luís.

Sim, voltamos a ficar no trânsito rodoviário Humberto de Campos/São Luís/Humberto de Campos. Íamos para São Luís depois do almoço de sexta-feira e voltávamos após o almoço de domingo.

Quase ia esquecendo. Por duas vezes, nosso filho pegou ameba e teve crises intestinais. Certo dia, tivemos que vir às pressas para São Luís, pois lá, mesmo com médico pediatra, não há como realizar exames e prescrever simples tratamentos confiáveis. Nessa mesma ocasião, quando fomos comprar o medicamento ministrado, as farmácias já estavam fechadas e, mesmo com a insistência, não havia o remédio no estoque.

No entanto, fomos nos acostumando com as limitações da cidade e nos antecipando a eventuais necessidades.

Porém, a rotina foi tomando conta de nossos dias. Como ocupação, assistíamos a muitos canais na televisão por assinatura, corríamos nos finais de tarde na entrada da cidade, em plena rodovia, e estudávamos boa parte do tempo.

Ocorre que, com o passar dos meses, minha esposa e filho foram ficando entediados daquela situação. Ela, por não encontrar emprego, já que não havia oportunidades na iniciativa privada nem o Município realizou qualquer concurso público para contratação de servidores. E pedir emprego para o Prefeito Municipal era fora de cogitação. E ele, por ficar preso em casa a maior parte do dia, além de que já achava muito mais animado os dias em que passávamos em São Luís/Ma.

Assim, em dezembro de 2009, resolvi dar um basta.

Aquela situação estava se tornando insustentável, inclusive para o equilíbrio do casamento.

E, unilateralmente, decidi que minha esposa e meu filho deveriam retornar para a capital do Estado.

Hoje, ela está trabalhando como profissional liberal em inúmeros projetos de ambientação e arquitetura. Já ele estuda na Escola Crescimento e adora a sua “tia Cláudia”.

A família vai ficar separada fisicamente durante os dias da semana. Mas unidos no amor. Não encontro outra solução.

Hoje, eu compreendo melhor o conceito de “celibato”. Nós, magistrados e promotores de justiça do interior desse Estado, optamos por essa condição.

Só que ocupamos funções de Estado por mérito e esforços próprios. E não podemos ser condenados por desejar as melhores condições de vida para nossos familiares.

Ademais, tenho sérias dúvidas sobre as vantagens de um magistrado residir na comarca. Ele estará privado de inúmeras atividades, limitado em suas amizades e exposto a comentários maledicentes com mais freqüência.

Por outro lado, tenho certeza de que, se a infra-estrutura de nossas cidades do interior fosse adequada, a maioria dos juízes levaria suas famílias e lá residiriam com tranqüilidade. Até porque ninguém em sã consciência, penso eu, tem prazer em trafegar semanalmente nessas rodovias de nosso Estado.

Hoje falo, após ter vivido a experiência, por dever de fazer um contraponto a opiniões de pessoas que nos julgam gratuita e maldosamente.

E, aos que organizam e escrevem os blogs que tratam constantemente de assuntos sobre o Poder Judiciário do Maranhão, concito que convide os magistrados para contribuírem com o debate e para que a população nos conheça melhor, quando terão a oportunidade de se surpreender com homens e mulheres porta-vozes do bom-senso, das transformações sociais e de uma visão crítica do direito."

Monozigóticos

Desde a barrigada, tudo dividido. Dores, mamadas, bilu-bilu, fraldas e festas. Pra crescer ouvindo, ó, como se parecem; não sei quem é quem; cara de um, focinho do outro. Bem legal ser gêmeo, hem? Viver carregando um espelho a serviço das comparações de toda laia, que se convertem no incômodo esporte predileto das rodas familiares ou não, às vezes chistoso, às vezes macabro, onde sempre aparecem especialistas em semelhanças e diferenças das origens monozigóticas. Mais fácil escapar da difteria, para a qual existe vacina. As alegrias, também, são em dobro. Os dois queriam odontologia. Vestibular muito concorrido. A família em prece, ouvidos no rádio. Um deles é logo o primeiro lugar; e haja gritos, urros, abraços e lágrimas! O outro não sai; e é tristeza, lamento e consolo. Os telefonemas são contidos. Dá pena o choro da avó. A noite se arrasta em meia-alegria, e o sol parece não ter pressa para entregar um novo dia, mas, quando chega, não tarda, a casa explode em gritos e gritos e gritos. Jornal na mão, o outro está lá, e é o segundo. Aquela algazarra ao pé do rádio abafara seu nome. No escrito, com orgulho, todos querem conferir: empataram em primeiro lugar. Gêmeos, de novo.

domingo, 21 de março de 2010

Com a palavra

"Eu, Raimundo Nonato de Carvalho Filho, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão, em respeito à opinião pública e diante do compromisso com a verdade dos fatos, venho esclarecer que não tenho qualquer participação e nem responsabilidade para com a interdição e reforma do edifício sede das Promotorias da Capital, objeto de postagem feita no blog do jornalista Itevaldo Junior e repetida no blog do Promotor de Justiça Juarez Medeiros Filho, no dia 20/03/2010.

Assumi o cargo de Procurador-Geral de Justiça no final do ano de 1997 quando encontrei essa obra em andamento, devidamente licitada e auditada pelo Tribunal de Contas do Estado, que lhe aprovou todas as etapas.

Inaugurei o prédio em 1999, e o entreguei para uso das Promotorias de Justiça da Capital, estando em normal funcionamento e estado de conservação.

Retornei ao cargo de Procurador-Geral de Justiça em junho de 2002, e nele permaneci, por recondução, até junho de 2006, quando se encerrou o segundo mandato à frente do Ministério Público. Nesse período, atendi a todas as solicitações de manutenção fomuladas pelo setor de engenharia, entregando esse e os outros imóveis em condições normais de funcionamento, fato constatado pela sociedade em geral, inclusive a imprensa, que os freqüentava diariamente.

A interdição do prédio e o início de sua reforma ocorreram dois anos após o encerramento do mandato que exerci até 2006.

Por isso, nada tenho a ver com a interdição e a demora na conclusão da reforma.

O Processo Administrativo nº1113AD/2010 e a respectiva Portaria de Sindicância que o instaurou, referidos nas postagens, não citam meu nome e nem fatos relacionados aos períodos em que estive à frente da Chefia do Ministério Público do Estado do Maranhão. A portaria nº447/2009 apura as responsabilidades pelo “atraso na reforma do prédio sede das Promotorias de Justiça da Capital, que contribuíram para a rescisão do contrato nº100/2007”, fatos que, repito, não aconteceram nos períodos em que administrei o Ministério Público, e nem a eles se referem.

Pedi cópias desses procedimentos em razão de referência feita no blog do jornalista Décio Sá, a entrevista concedida pela Sra. Procuradora-Geral de Justiça ao programa Bom Dia Mirante, em fevereiro deste ano, para esclarecimentos sobre citação de meu nome.

Espero que todos os fatos que envolvem essa reforma e interdição sejam devidamente esclarecidos, e que a imagem do Ministério Público austero, impessoal, transparente, eficiente e independente, que tanto ajudei a construir coletivamente com a maioria dos seus membros, se sobreponha a essa situação contingencial e constrangedora a que está sendo submetido o Ministério Público.

São Luis, 21 de março de 2010,

Raimundo Nonato de Carvalho Filho,
Procurador de Justiça."

sábado, 20 de março de 2010

Em casa de ferreiro

O texto abaixo foi publicado hoje (20/03), no “Blog do Itevaldo”, sob o título “O espeto de pau vai falar...”:

"A obra e reforma da sede das Promotorias da Capital é um opróbrio para o Ministério Público Estadual. Porém, envergonha-se quem tem vergonha. O “espeto de pau” – tomo emprestada a definição do promotor Juarez Medeiros – parece não ter jeito. Ou parecia?

Um silêncio ensurdecedor ainda domina a cena. Mas, o processo administrativo nº 1113AD/2010 e a sindicância instaurada por meio da portaria nº 4447/2009-GPGJ tem causado tremores na Rua Grande e na Praça Pedro II.

Sobre a apuração da obra e reforma da sede das Promotorias, a procuradora-geral Fátima Travassos, falou a mim – numa entrevista ainda não publicada – e ao jornalista Roberto Fernandes na TV Mirante. Os ex-procuradores seguem em silêncio.

Até onde apurei o processo administrativo nº 1113AD/2010 tinha um volume e dois apensos. Quatro meses de investigação. No mês passado, o ex-procurador geral Raimundo Nonato de Carvalho Filho solicitou cópia da decisão da procuradora Fátima Travassos nos autos do processo. Recebeu o que pediu e mais a cópia da sindicância. Os documentos lhe foram entregues em 10 de fevereiro de 2009.

O que Raimundo Nonato Filho leu não é nada bom para ele. Como também não o é para o desembargador Jamil Gedeon Neto, presidente do Tribunal de Justiça, e ex-procurador geral. É desalentador.

Fátima Travassos irá à próxima semana ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília (DF) entregar o apurado no processo administrativo nº 1113AD/2010 e na sindicância. Barulho à vista.

A sede das promotorias foi inaugurada em 14 de dezembro de 1999, em menos de 10 anos, junho de 2008, teve de ser desocupada, antes que desmoronasse sobre as cabeças e mentes de promotores(as).

A obra seria concluída num prazo de 270 dias. Nada feito. Custaria inicialmente R$1.367.456,98 (reforma geral e reforço na estrutura de concreto armado). Até hoje o “espeto de pau” está lá virtuoso. Majestoso.

Nada virtuoso é o que está posto no volume e nos dois apensos do processo administrativo nº 1113AD/2010. Alguma hora eles terão que falar"

Seres imaginários

Imagem do filme "E.T. - O extraterrestre", de Spilberg (1982)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Gólgota

Altos, fortes, embrutecidos. Um deles, o pai; outros dois, os filhos. O lar desfeito há alguns anos. Olhares secos, ferinos, felinos. Os filhos sovaram o pai. Rostos vestidos de ódio e rancor. Sobre a mesa um procedimento criminal. O pai vindo à forra perante sua excelência. A tragédia se impõe solene, mas o fórum lembra mais uma feira, em seu terceiro dia de mutirão. O burburinho nas ante-salas, no entanto, não consegue ferir o tenso silêncio dos contendores. Difícil atirar ou arrancar a primeira palavra, mas ela invade quase como insulto. “Não tenho pai; sempre quis ter um. Esse homem, por anos, surrou minha mãe, e eu cresci com medo e ódio. Excelência, sabe o que é não ter um pai para abraçar?” A estocada infla os olhos de água que à força se detém. E outras palavras, irmãs do sentimento de não ter o amor que merecia, escorrem para a sala e pintam as paredes da alma de todos os presentes, que se contém a sopro. Sua excelência, por dentro, é ave maria, que aquilo está além dos códigos e provimentos; é suspiro, pois tem pai que o ama, o abraça e afaga; é divindade, porque se ajuntaram sob o poder de suas mãos. Só não há nada para julgar. O pai diz que não quer processo adiante, ajuizara-o apenas para poder encontrar os filhos e conversar perante sua excelência. É rosto entre as mãos, cabisbaixo, tentando esconder o ofego. Vem o outro filho e assanha as mesmas dores e procura não se render a este que lhe desperta amor e ódio em doses cavalares; reclama os carinhos que nunca encontraram colo, e o sofrimento da mãe com a qual ficaram após o desprezo. Não há contenda, há catarse. Palavras abrindo feridas para expô-las ao cautério, e quando esgotam seu talento libertário, sua excelência remonta seu inconsciente ao gólgota: “pai, eis aí o teu filho; filho, eis ai o teu pai!”. De pé, braços, abraços e soluços de pai e filhos. Altos, fortes, sem mais a morte nos olhos.

Ação e reação

Apesar do esperneio gervasiano, surtiu efeito imediato a ação da corregedoria de justiça no que diz respeito à comarca de Mirador, onde vigorava o "Tê-Quê-Meio-Quê" há anos. Não houve viagem nesta quinta pela manhã.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Compromisso

Na saída da audiência, não escondia o desgosto, indagando por quanto tempo ficaria no prejuízo, sem corrigir sua ficha no bolsa família, que precisava tanto dele, e para confortá-la disse apenas "vamos apelar," sabendo que seriam meses, ou mais disso, até a corte finalmente ver a razão que lhe assistia, num caso simples de entender e resolver, eis que uma filha nascera em 94 e um filho em 95, mas nos assentamentos os dois estavam nascidos em 95, com uma diferença de apenas 19 dias entre os partos normais, uma situação esdrúxula para a qual sua excelência mais uma vez não adotara o menor empenho em entender, mesmo após ouvir a mãe declinar sem tropeço a ordem de chegada de seus seis rebentos, separando os nomes com as respectivas datas de nascimento. Da roça, do coco, da lida sem muito haver, reclamava um corretivo no registro da filha para pôr a jeito seu cadastro com o governo federal e receber o amparo de todo mês, mas aquela negativa não parecia falta de saber, senão de compromisso com a jurisdição para essas realidades da sobrevivência nas quais tropeçamos todo dia, tanto que, enquanto se afastava arrastando passos inconformados, murmurava um "só não sei como botam pra julgar quem não conhece a vida". Pelo menos duas vezes retornou para saber como estava o caso no tribunal, que só depois de 657 dias lhe deu um acórdão favorável.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Calor

― Presidente, você não vai reagir?! Só nos acusam de sermos juízes tê-quê-quê!
― Pode ficar tranquilo. Não deixarei nenhum colega sofrer essa injustiça!
― Ainda bem, presidente. Olhe lá, nos defenda!
― Amanhã vou a um programa de rá...
― Ouvinte de rádio é fogo. Talvez liguem da minha cidade.
― ...então, pra não ter erro, deixe eu anotar direitinho... Que dia e hora o colega chega e sai da comarca?
― Mas que calor brabo anda fazendo, hem?

terça-feira, 16 de março de 2010

Engorda


É ilegal, imoral e engorda, a licença que o Tribunal concede a magistrados “para tratar de assuntos de interesse particular”.

Ilegal: não existe lei que a autorize. 

Imoral: o magistrado deixa sua responsabilidade para fazer o que quiser, inclusive esticar o carnaval, a semana santa, ir a uma micareta ou a um passeio internacional.

Imoral 2: Não tem limite, pode tirar quantas vezes e quantos dias desejar.

Engorda: o magistrado não trabalha, mas o dinheiro cai na conta; ela é paga pelo bolso do generoso contribuinte.

Engorda 2: O contribuinte paga um extra para quem vai ficar respondendo pelo licenciado?

Desde 2008, O Conselho Nacional de Justiça já disse que esse tipo de vantagem é absolutamente ilegal. É só conferir o PCA nº 200810000017431, julgado em 23/09/2008. Relator Conselheiro Felipe Locke Cavalcanti.

Pra quem já tem 60 dias de férias anuais, 18 dias de recesso natalino, imprensados de carnaval, semana santa e semana da pátria, licença para congressos, cursos e seminários... essa é demais.

Quem vai falar primeiro: o presidente (Jamil), o corregedor (Guerreiro) ou o presidente da associação (Gervásio)?

segunda-feira, 15 de março de 2010

Quem sabe agora

Finalmente, o Tribunal reconhece que existe juiz tê-quê-quê: só trabalha terça, quarta e quinta. O corregedor diz que tem telefonando para as comarcas e está surpreso com as más notícias: “o juiz não está na comarca ou dela se afastou sem justificativa razoável”.

As reclamações poderão ser feitas para o email chefgab_cgj@tjma.jus.br. Dizem que, a-go-ra, vão passar a monitorar a permanência de juízes nas comarcas (leia). É o que veremos.

Se ainda não sabem por onde começar, podemos sugerir: em Mirador é T Q ½ Q.

Pós post:
Antes do meio-dia desta terça (16/03), recebemos telefonema do desembargador Guerreiro Júnior, informando que Mirador tinha sido (15/03) a primeira comarca na qual a Corregedoria estava atuando com a finalidade de verificar as reclamações quanto à frequência de juízes nas comarcas, e que o trabalho, nesta primeira fase, consistia em contato e orientação para superar o problema.

sábado, 13 de março de 2010

Filhotes


Tem filho? Tenha cachorro. Dê-lhe um. Os dois dão trabalho. Os dois dão alegrias. Os dois dão saudades. Amanhã, crescido o filho, trilhando caminhos próprios, deixará você e o cachorro. E, por isso, a distância, às vezes, cavará túneis no seu coração, onde alguns latidos, alguns afagos deitarão nuvens no seu olhar. Também, porque decretaram que os cães não têm alma, não espere que compreenda seu murmúrio. Mas deixe a certeza de tudo; o cão, travesso ou afável, lhe conduzirá por muitas eternas lembranças. Quem for noviço, espere o tempo ensinar a impossível compreensão do presente. Por ora, junte os filhotes e registre o brilho no olhar.

Pós post:
Hoje é você que arranha meu coração.
Dica aos filhos: Quando sair de casa compre um gato persa. Ele virá todas as noites te contar histórias e trará doces lembraças de teu pai. Amo-te. Continue na luta! Tua Filha.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Isso e aquilo

"Senhor Procurador-Geral (de Justiça da Bahia)

Agradeço a lembrança e o respeito formal à CONAMP, manifestado através do convite que acabo de receber para comparecer à posse solene de seu sucessor.

Todavia, não posso comparecer a uma posse cujo empossado, apesar de ter o ato revestido de legalidade, não tem qualquer legitimidade.

Legalidade é ter um ato revestido das formalidades previstas em lei. Legitimidade é a legalidade acrescida de um plus, que é a vontade dos eleitores, princípio básico da democracia.

A questão é singela: qualquer cidadão baiano saberia distinguir tais situações. Ou será que uma pessoa que tem muito mais que o dobro dos votos da outra, não obteve de sua classe a reconhecida legitimidade?

Quando o legislador imaginava a inserção de um controle social para o Ministério Público, conferiu ao Governador do Estado o direito de escolher um dos indicados em lista tríplice pela classe. Todavia, incumbe à classe, democraticamente, fazer uma escolha prévia, e certamente excluir outros.

Quando a Dra. Norma Angélica obteve a expressiva aceitação, através de 287 votos, a classe disse que ela deveria conduzir a chefia institucional. Quando a classe destinou ao terceiro colocado a ínfima quantia de 140 votos, deixou claro o sinal de que não era ele a pessoa mais indicada para prestar os relevantes serviços à sociedade. Enfim, a classe disse sim a um, e não ao outro. E isso, o Governador do Estado, homem experiente, sabia, e sabe, muito bem.

A sua opção foi aquela tomada por pessoas despidas de qualquer compromisso com a democracia. Sua conduta foi aquela tomada por pessoas que se submetem à vontade de seus auxiliares, assessores e cabos eleitorais, pois muito mais deve a estes que o bajulam, do que à sociedade baiana, que precisa de uma chefia do Ministério Público íntegra, corajosa, independente e despida de compromissos que não sejam com os princípios constitucionais.

Sem qualquer referência à honra do nomeado, posso dizer que muitos outros colegas, em igual situação, optaram por não aceitar um ato que pudesse dar conotação de favorecimento, ou deixar dúvidas quanto à imparcialidade de uma pessoa que obteve apenas um terço dos votos de seus pares.

Não posso ver de forma outra, senão uma articulação política para desarmar a sociedade, retirando dela a irresignação e o luto, ao assinar o ato de nomeação nesta data, e não na de ontem, quando se comemorava o Dia Internacional da Mulher. O simbolismo de negar o reconhecimento dos atributos de uma mulher honesta e imparcial, certamente haverá de ser um fardo extremamente pesado no futuro próximo, ao fazer a campanha de outra mulher com iguais qualidades, para a Presidência da República.

Esta será uma conta altíssima a prestar ao povo baiano: por que pedir voto a uma se não reconhece as mesmas qualidades morais em outra?

Sinceramente, gostaria de obter deste cerimonial a deferência do uso da palavra naquele evento, onde com elegância, que modestamente sempre utilizei; com o respeito que sempre me pautei, sustentaria o posicionamento democrático de minha entidade, e do Ministério Público brasileiro.

Não era, e não é meu objetivo praticar injustiça contra o Governador Jaques Wagner, mas, sinceramente, se eu fosse baiano, não me orgulharia em te-lo como comandante de meu destino, e de meus pares.

José Carlos Cosenzo
Presidente da CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público)"
De 09 de Março de 2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

Isso ou aquilo

Daqui a 60 dias, em 10/05, haverá eleição para a chefia do ministério público maranhense. A funesta lista tríplice da discórdia. O procurador-geral de justiça deveria ser eleito; e pronto! A tríplice tripudia sobre o futuro.

Na Bahia, houve eleição agora (26/02), e os mais votados foram:

287 votos: Norma Angélica Cavalcanti (Promotora)
229 votos: Olímpio Campinho Júnior (Promotor)
140 votos: Wellington César Silva (Promotor)

O nomeado foi... o 3º colocado, com menos da metade dos votos da primeira. Isso mesmo! Talvez fosse o candidato “do governador”. Aqui, já tivemos os casos de Raimundo Nonato e Fátima Travassos, e tem gente querendo ser o próximo canguru na lista. Nessas circunstâncias, seria estranho o eleitor sentir algum prazer.

Eleição ou simulacro?

Após cada pleito, a CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) tem por praxe encaminhar ofícios aos governadores, recomendando a nomeação do mais votado. Podemos presumir que, na prática, não colha bons resultados. Às vezes, o ofício chega para o velório.

Importa sugerir ao Cosenzo (Conamp) e à Doracy (Ampem) que os governadores, talvez, devessem ser visitados antes do início do processo eleitoral, quando, eventualmente, poderiam assumir o compromisso de nomear o mais votado. Caso contrário, lenço e sonrisal.

terça-feira, 9 de março de 2010

Elas

Duas comarcas, com seis e quatro termos, nas fronteiras com o Pará. Numa, a juíza; noutra, a promotora. Em 1999, começamos a repartir o mesmo destino, naquelas lonjuras esquecidas. No tempo rigoroso das chuvas, eram até vinte e seis horas de viagem, intercalando trem, ônibus, lotação, boleia de dê-vinte ou caminhão. Em tempo menor, se era dispensável o pernoite, vezes escorávamos o sono com as mãos, sobre toscas mesas na agência de Maracaçumé. Carro quebrado, carro atolado, carro atrasado, nos últimos e inesquecíveis oitenta quilômetros de piçarra, com buracos, catabis ou lameirões. Mulheres longe de suas casas, de seus amores, de seus outros planos. Daqueles tempos, não lembro de mulheres desgostosas, senão cheias de coragem e gentileza, devotadas ao trabalho e ao sentimento de servir. Não tinham esse prazer doentio de reclamar do destino. Nem usavam o ácido do sofrimento para corroer as alegrias alheias. Ao contrário, sublimavam-no, construindo relações fraternas que por aqueles recantos são memoradas até hoje. Mulheres, ainda bem.

(Esse texto era para publicação ontem (08), Dia da Mulher, mas ficamos sem energia elétrica na comarca, por quase 24 h)

Velas


No turvo, ontem à noite, na silenciada Mirador. A vela encimava o castiçal improvisado, e a chama se levantava esguia sem o hálito do vento. O pavio, enraizado na parafina aquecida, brilhava azulado na base e incandescia o resto, como mãos postas em prece. Nessa era ciberespacial, revoltamos aos primórdios. Há quem saiba quando a irmã desta que brilha sobre a mesa começou a vencer os escuros para a humanidade. Talvez volte ao domínio, quando tudo apagar. Quem nos velará?

domingo, 7 de março de 2010

Cola

Paira a certeza de que sua excelência, também, fraudou a entrada. Os sussurros elencavam-no entre os traquinas na assessoria da corte. Liminares precedidas de cártulas generosamente preenchidas eram sua especialidade. Negociava pela banca, claro. Quando ingressou no certame, fez logo despesa com a beca, pois os exames seriam simples questão de tempo e de cola. Sempre festivo, como se o segredo dos que peitara pudesse esperar o túmulo, não se ateve em apagar rastos. Agora, seus códigos eram um suporte necessário às audiências que desenvolvia no aconchego do gabinete na comarca. A surpresa do advogado guardou silêncio quando precisou folhear um deles e, em tinta de lápis, conferiu respostas de uma das provas do concurso, anotadas nas costas não impressas de algumas folhas de entremeio do vade-mécum penal. Sim, era mesmo verdade: fora aprovado com fraude. Um jato de sangue sentiu invadir a raiz dos cabelos, e tentou, em vão, não corar; montou disfarce pra sua excelência não perceber o achado, e devolveu o código, mas esperou o fim da audiência para engolir a indignação que gostaria de vomitar. Pois não tem uma dúvida.

sábado, 6 de março de 2010

Diversão

Embora lembrasse uma freira de meia-idade, era evangélica. O marido, o folclórico contador de causos do lugar, contraía o cenho se um dos ouvintes insinuasse que exagerara nas proporções do ocorrido. Era encarregada do ofício de notas, onde poucos casamentos gotejavam trocado insuficiente para quitar os encargos. Numa desobriga comandada pela juíza para qualificar eleitores nos povoados à beira do salgado, ela nos acompanhou com os pesados livros do registro civil. À noite, fincávamos os pés na areia, enredando conversa com as comédias e tragédias de cada dia. Invariavelmente, íamos arrebentar no cais dos queixumes quanto ao número de filhos e as dificuldades de sobrevivência para tanta gente. Na inflexão de algumas observações, deixávamos transpirar certa irritação com tantas jovens-meninas-mães entre 14 e 16 anos, até que, certa vez, sem se envolver com a exaltação derredor, em seu tom habitual de quem repartia segredos, ela nos indicou a causa de tanto efeito: “Mas, doutor, a diversão que existe pras moças do interior é namorar”. Simples.

De todo dia

Trabalhadores em cima de carga de caminhão. Presidente Dutra-MA, 05/03/2010

Mulher com três crianças numa motocicleta. São Mateus-MA, 05/03/2010

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mágico

Suspeito. Preso numa cambada de preventivas agitadas após um assalto ao banco. Assim que pode, lança seu pedido de liberdade. O parecer lhe é favorável, pois do inquérito não se extrai o que o incrimine, tanto que seu nome nem figura na denúncia. Mesmo assim, sua excelência reforça-lhe a hospedagem no cárcere, alegando que não ocorreu nada que deixasse de justificar os ferros. (Teria notado que fora excluído da acusação?). Seu defensor se avexa ao pretório, mas no princípio, ou no fim, nem liminar, nem parecer, nem mérito, pois, mesmo sem nenhum fato novo, um aditivo o inclui na denúncia. Vida de suspeito não é fácil. Para deixar a cela terá que vencer as grades da ignorância alheia. Pelo visto, talvez precise ser mágico para recuperar a liberdade que lhe roubaram há 86 dias.