segunda-feira, 1 de março de 2010

Poderes

A criação de Adão, de Michelangelo

Nessas horas, queria tomar poderes de Deus. Emprestados, pelo menos. Falsamente decidida, entra na sala com a irmã caçula ao colo: não é verdade esse boato de que sou prostituta do pai, isso é mentira! De poucas letras, pouca roupa, pouco futuro, passando dos dezesseis. Estica algumas respostas incongruentes sobre a origem das suspeitas que levaram o pai à prisão, e distribui firmeza e choro no mesmo balde. A vítima é vítima de tudo. A pequena cidade a oprime no seu imaginário de boatos. Prefere a distância do mato, onde a família migra entre os limites da pobreza e da miséria. A mãe, que definha nos cateteres da hemodiálise, guardou silêncio sempre, e viu sua cria com os inconcebíveis olhos da rivalidade. Estamos assim, entre a certeza não confessada e muitas vidas cujos destinos romperam o vidro sob nossos narizes. Isso, o que temos nas mãos. Nessas horas, tomaria poderes do homem, definitivamente.

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