domingo, 28 de fevereiro de 2010

Em espécie

Do colega Marco Antonio Santos Amorim, Promotor de Justiça em Dom Pedro:

O combustível baixou de preço... Calma! A vantagem aplica-se somente aos pagamentos em dinheiro. Vários postos revendedores de combustível na Ilha resolveram baixar temporariamente os preços da gasolina, entretanto somente para o consumidor que disponibilizar do dinheiro-papel para efetuar a compra. Para os que optarem pelo dinheiro-cartão os preços continuam elevados como outrora. Essa prática, no meu humilde entendimento, vulnera direitos básicos do consumidor, a quem é repassado o custo pelo risco da atividade mercantil. Apreciando Recurso de Apelação em Mandado de Segurança Coletivo Preventivo, a Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Maranhão, na Relatoria do eminente Desembargador Marcelo Carvalho Silva, em recentíssimo julgado decidiu pela abusividade da prática, conforme excerto de ementa que a seguir se reproduz:

Direito civil e processual civil. Apelação. Mandado de segurança coletivo preventivo. Sindicato dos revendedores de combustíveis do Maranhão. Diferenciação de preço entre transações efetuadas com cartão de crédito e aquelas realizadas com dinheiro. Multa aplicada pelo Procon. Segurança denegada. Inexistência de direito certo e exigível. Ofensa ao artigo 39, incisos V e X, e ao artigo 51, incisos III e IV, todos do CDC. Reconhecimento de prática abusiva. Apelação desprovida. I - O repasse dos custos com a utilização do cartão de crédito em vendas de combustíveis aos consumidores é, sem qualquer hesitação, o cometimento de prática abusiva, que encontra objeção no artigo 39, incisos V e X, e artigo 51, incisos III e IV, todos do Código de Defesa do Consumidor. II - Sendo único o tipo da mercadoria, seu preço também deve ser único, quer seja pago em dinheiro, quer seja pago por cartão de crédito, ou mesmo negociada por meio de escambo. Caso o fornecedor exija que o consumidor suporte os custos da operação com cartão de crédito, estará impondo a este, abusivamente, uma vantagem excessiva. III - Apelo conhecido e desprovido (Processo n. 35892009. Julgado em julho/2009).

Na esteira desse entendimento caminham os tribunais da Bahia e Distrito Federal, dentre outros.

O PLS nº 213/2007, de autoria do Senador Adelmir Santana (DEM/DF), pretende por fim à controvérsia, ao acrescentar o §2º ao artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor permitindo a fixação de preço diferenciado na venda de bens ou na prestação de serviços pagos com cartão de crédito em relação ao preço à vista. A matéria encontra-se na Câmara dos Deputados para apreciação. Quem defende o projeto argumenta que os custos cobrados pelas administradoras dos cartões são repassados à coletividade de consumidores, indistintamente. Em outras palavras, quem não utiliza cartão acaba subsidiando aquele que optou utiliza-lo. Trata-se do que se convencionou chamar de “subsídio cruzado”.

Enquanto as discussões amadurecem, alinho-me ao entendimento da Nota Técnica n. 103/2004, do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça) e do Tribunal de Justiça do Maranhão, para considerar abusiva a diferenciação de preços para o consumidor que opta em pagar através de cartão de crédito.

2 comentários:

juarez medeiros disse...


Por enquanto, manifesto divergência, nos seguintes termos:

Indago: o cartão de crédito gera custo que, na eventualidade de não ser usado, pode ser abatido do preço final ao consumidor?

Então, por que não reverter esse custo em diminuição do preço para quem se dispõe a pagar em espécie?

Afinal, se eventualmente não puder utilizar o preço diferenciado, ― um para cartão, outro para em espécie, ―, qual o preço que será praticado pelo comércio: o menor ou o maior? Se for o maior, nenhum consumidor levará vantagem. E aí?

Marco Antonio Santos Amorim disse...

Caro Colega Juarez,

como sempre trazendo reflexões importantes para o amadurecimento do debate. Não obstante a consistência dos argumentos, tenho que os riscos da atividade mercantil não podem ser repassadas ao consumidor. A partir do momento em que o empresário resolve aceitar o pagamento da compra mediante cartão de crédito, assume o ônus de arcar com as taxas pelo benefício (veja-se que uma quantidade considerável de clientes é atraída pela facilidade). Ademais, a taxa que o comerciante paga à administradora de cartões serve como espécie de custo pela garantia de adimplência do montante contratado, ou seja, eventual inadimplência é arcada exclusivamente pela administradora. O medo do aumento da tarifa não pode servir de argumento para permitir-se a afronta de direitos básicos do consumidor. Lembro que quando ingressei com a primeira ação objetivando a reabertura dos postos de atendimento da CEMAR, fui procurado por seus advogados os quais argumentaram que os custos seriam repassados aos consumidores (redargui que o fechamento dos postos não significaram redução das tarifas. Calaram-se). O TJMA vem desprovendo todos os recursos manejados pela concessionária, uma vez que direitos mínimos do consumidor estão sendo recorrentemente vulnerados. Hoje, acompanho inúmeras inserções publicitárias informando a reabertura dos postos, como se fosse ato de extremo comprometimento social por parte da empresa. Diversos estabelecimentos não trabalham com a venda mediante cartão. Quem resolve fazê-lo para atrair mais clientes, e portanto aumentar seu faturamento, deve arcar com os custos respectivos. A aprovação do PLS 213 talvez ponha uma pá de cal sobre o assunto, no entanto este continua sendo meu entendimento. Abraços,

Marco Antonio Santos Amorim