quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Oficial

Deprecada a prisão do devedor de alimentos, a carta é devolvida, pela segunda vez, com certidão do seguinte teor:

"Certifico que em posse do r. mandado supra de Carta Precatória oriunda da Comarca de […], Processo nº […], fiz entrega do mandado na Delegacia de Polícia desta cidade para seu efetivo cumprimento, em razão de não existir carro à disposição deste Juízo para cumprir esse tipo de ato judicial. O referido é verdade. Dou fé. […], 21 de setembro de 2010. […] Oficiala de Justiça."

A precatória foi cumprida? [Devolvida por ofício “de ordem”, presume-se que o juiz deprecado não tenha lido a certidão.]

A propósito, vale lembrar que, nesta terça (28/09), o Conselho Nacional de Justiça, por unanimidade, revogou a Resolução 48, que exigia curso superior para o cargo de oficial de justiça.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A permuta

Mesmo que não fosse por amizade, esperava respeito à palavra empenhada. Não cogitava ver o humano pelo avesso. O fuxico, ainda quente, fremia ao telefone, alcançando a primeira onda de choro, antes da convulsão. A casa alugada, o ninho planejado, as emoções em dia, a carreira em ordem; logo deixaria a promotoria da região tocantina. Mas, tudo isso acabava de fenecer, ante a notícia de que a permuta pactuada estava rompida para atender desejo ordem superior. Aí, as regras da moralidade, sob os auspícios do vale-tudo, desciam a ladeira das explicações toscas. No colégio eleitoral restrito, a candidata precisava converter um voto rebelde, e para isso servira o mimo da permuta usurpada. Difícil conhecer todos os cães que habitam a alma. Vítima de alguns, além do choro copioso, sofreu dias desassossegados, para sentir suores sempre que ouve alguém dizer que a palavra garante um trato.

domingo, 26 de setembro de 2010

Apelo

Recebi de um amigo o seguinte apelo:

"Meu Amigo Juarez,

Sei que "O Parquet" é seu blog, de modo que você publica o que quer, mas esse negócio de só reproduzir documentos, postar contos e causos, para mim, não parece com um espaço de idéias. Você sabe muito bem o que acontece com quem deixa a cabeça enterrada no buraco. Vamos lá, pule desse muro! Onde está a faca que você constumava por entre os dentes em alguns momentos de nossa instituição, sobretudo quando esta não estava sob a batuta da atual PGJ? Com tanto farto material... vamos falar das flores? Se é assim, que tal mudar o nome do blog para "Carolina"?

Um abraço."

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Nomes

Raquel. Um nome bem diferente da pessoa. Falava sorrindo, fazendo olho chinês. Pronunciava as sílabas com esmero, realçando as palavras e uma inquieta prótese, ainda não acostumada a se conter na cavidade, há muito órfã de molares e pré, caninos e incisivos. Herdara o nome da mãe. E não era conhecido por outro. Raquel. Na verdade, antes, fora Luís de Raquel. Com o tempo, todos, até os filhos, só Raquel. Se a conversa era nomes e apelidos bem colocados, o dele não escapava ao pódio. Porém, quando se avizinhou uma ida aos campos do Brito Mutá, alertou, exultante: Vais conhecer o apelido mais bem posto dessa baixada: Azia! Horas depois, rompendo a correnteza do Turiaçu, o enfadonho tef-tef do motor inibia qualquer conversa prolongada e impunha uma teimosa sonolência, a ser entregue numa rede de fio, antes do escurecer. À noite, degustada a traíra no leite de coco, e vencida a animada reunião com a comunidade, apagadas as lamparinas, fazia-se hora de esperar maré. A lua empurrava o serpentear do caminho até o porto, como um trilho prateado. De tudo se ouvia; grito, riso, assovio, gargalhada e silêncios, quando começou a sobressair uma voz quase ao fim da fila indiana. Meio nasalizada, meio rouca, meio infantil, meio anciã, meio prosa, meio verso, meio canto, meio lamento, acima do tom, importunando todos os assuntos. Não precisava perguntar: o Azia!

Proximidade

"Senhora Procuradora Regional Eleitoral,

Cumprimentando-a, sirvo-me do presente para levar ao conhecimento formal de Vossa Excelência as irregularidades verificadas quando da indicação dos Promotores de Justiça para exercerem função eleitoral no pleito que se avizinha.

Como anteriormente relatado, a lista elaborada por indicação da senhora Procuradora-Geral de Justiça, não obedeceu aos parâmetros estabelecidos pela Resolução 30, de 30 de maio de 2008, do Conselho Nacional do Ministério Público que dispõe:

Considerando a necessidade, em face da mesma hipótese (art. 79, parágrafo único da LOMPU), de estabelecimento de parâmetros uniformes e objetivos mínimos a serem observados no Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, na indicação ao Procurador Regional Eleitoral dos Promotores de Justiça que atuarão na primeira instância da Justiça Eleitoral, em consonância com os princípios da impessoalidade, da eficiência e da continuidade dos serviços eleitorais;

II – a indicação feita pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado recairá sobre o membro lotado em localidade integrante de zona eleitoral que por último houver exercido a função eleitoral;

§ 2° Em caso de ausência, impedimento ou recusa justificada, terá preferência, para efeito de indicação e designação, o membro do Ministério Público que, sucessivamente, exercer suas funções:
I – na sede da respectiva zona eleitoral;
II–em município que integra a respectiva zona eleitoral;
III- em comarca contígua à sede da zona eleitoral.

Como presenciado por Vossa Excelência durante a reunião ocorrida nesta data, no auditório da Procuradoria Geral de Justiça, a senhora Procuradora-Geral de Justiça respondeu que o critério adotado para indicação dos Promotores de Justiça que atuarão nas eleições 2010, foi “o da proximidade”.

No entanto Excelência podemos comprovar que esse critério da “proximidade”, não corresponde à verdade, a exemplo da indicação do Promotor de Justiça que atuará na 24ª. Zona Eleitoral, eis que sendo titular da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ribamar, foi indicado para o termo judiciário de Anapurus, da Comarca de Brejo/MA, distante da zona eleitoral que sempre atuou mais de 350km e do Promotor de Justiça da entrância final, que foi indicado para atuar na 17ª Zona Eleitoral, São Domingos do Azeitão, afora outras indicações flagrantemente expostas na lista elaborada, para tanto, basta solicitar as informações necessárias.

A senhora Procuradora-Geral afirmou que usou de toda transparência e democracia, o que também não corresponde à verdade, eis que fez indicações violando não apenas a norma supra, mas os dispositivos seguintes:

§1° - Não poderá ser indicado para exercer a função eleitoral o membro do Ministério Público:
I - lotado em localidade não abrangida pela zona eleitoral perante a qual este deverá oficiar, salvo em caso de ausência, impedimento ou recusa justificada, e quando ali não existir outro membro desimpedido;
II - que se encontrar afastado do exercício do ofício do qual é titular, inclusive quando estiver exercendo cargo ou função de confiança na administração superior da Instituição.

Portanto, afora não atentar para o princípio da impessoalidade, igualmente, ignorou a legislação disciplinadora da matéria.

Assim é o presente para solicitar as devidas providências de Vossa Excelência, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n° 75, de 1993.

Cordialmente,

Doracy Moreira Reis Santos
Presidenta AMPEM"

(Ofício nº 389/10, de 22/09/10, dirigido à Procuradora Regional Eleitoral, Carolina da Hora Mesquita Höhn)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sina


Nem tanto quanto parece. A saúde fustigada roubou-lhe mais vida que o tempo. Bengala, na urbe; no interior é cacete. Apoia-se em um. O andar trôpego, escorando-se nas paredes, denuncia as fragilidades do ancião. Por isso que a dúzia de olhos, na apertada sala de espera, assume, em sincronia, a apreensão da queda iminente, evitada pelo socorro de um samaritano. Sob amparos, ingressa no gabinete. A voz atrevida, o queixo empinado, a vontade decidida: Quero o divórcio! Ela, pouco mais nova, resmunga os códigos de alguns segredos que, previsível, atiçam a esgrima verbal das frases bilaterais do desamor. Não adianta esperar que esgotem os verbos, esse alimento os envenena há anos, pondo fim ao respeito, à consideração. A filha hesita em intervir, para cobrar civilidade. Ele, resoluto, ríspido, quanto ao divórcio e ao valor de sua parte na casa! Ela faz que não escuta ou é por causa das pílulas que toma pros nervos, pro coração e pra outra doença mais grave. Usa os alfinetes de sempre, para se revoltar com a ideia de que ele vai gastar o dinheiro com a outra. Encobre-se de humilhação porque a tal nem é nova, mas tão velha e doente quanto. Não vendo, e não assino! Pronto. Volteia a rosca sem fim do bafafá. Só no outro dia, um acordo se costura em oitivas separadas. (Não se veem, não se falam, não incomodam.) Seis mil em duas parcelas de três. Vários filhos moram fora e serão consultados para assumir esse pagamento. Ele resmunga, revida, repreende, queria tudo logo; aceita. Em cinco dias, a resposta é positiva. No sexto, ela despacha a filha com um recado: Divórcio? Nem morta!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Pessoas


Relações interpessoais. Para muitos, a verdadeira corda bamba. Amizades se solidificam ou esmaecem. Inimizades se tornam viscerais. O outro quase nunca tem razão. É ótica aplicada. Terreno para prolíficas tricas e futricas. Ainda mais no ambiente de trabalho, sob a escadaria do poder, com pouca ou muita hierarquia, há de tudo: jogos infantis (ficar de mal), jogos adultos (vais ver), assédio sexual (o cargo, se), assédio moral (lá, caladinho), cumplicidade (lava a outra), enquadrilhamento (nosso percentual) etc.

Apesar da ciência administrativa, poucas instituições se aparelham para prevenir conflitos internos, ou podar suas más consequências, seja no modesto Colégio de Procuradores ou no insigne pleno do STF, no setor de cirurgia torácica do Hospital Geral de Minas ou no Posto Médico de Arerengaua. É um deixa rolar que sempre arrebenta do lado do mais fraco. Depois, os bombeiros lamentam o que deveria ter sido feito.

O SINDSEMP (Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado do Maranhão) protocolou (17/09) na Procuradoria Geral de Justiça o Pedido de Providências 7044AD/2010, em que solicita a instauração de procedimento para apurar eventuais atos de assédio moral que teriam sido praticados pelo colega Ossian Bezerra Pinho Filho em relação à servidora Magda Kelly Lima Queiroz, da Promotoria de Carutapera. O texto integral da representação foi publicado no Blog do Itevaldo. Sobre assédio moral, veja cartilha.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O cargo

Disse que era dos orelhas longas e, talvez, ali, pelo Balsas, tivesse parentes orelhas curtas, da família Coelho. Aposentado, achou aberta a porta da política. Candidatou-se. Para forçar uns poucos aplausos, o experiente locutor se esmerava na apresentação pontuada: “E, agora... o nosso candidato... a su-plen-te-de-se-na-dor... é ele... o doutor... Coelho de Tal”. Se muito, umas duas palmas protocolares. Pouco ligava. Encantava-se com o palanque. Via-se importante, útil, não interessava mesmo o cargo. Manipulava uma dúzia de frases similares à dos orelhas longas, e saía de cena. Nem encontrava tom ou jeito para pedir votos. Mas foi num domingo, em final de tarde, na carroçaria de um caminhão, lá pras bandas do São Benedito do Rio Preto, instado a alongar o discurso para gastar tempo enquanto o povo ajuntava, que superou qualquer expectativa. Esgotado o típico repertório frasal, e depois de bisá-lo por inteiro, resolveu enveredar num relato autobiográfico laudatório, até que pelas palavras tantas, na falta  de um desfecho, quase ofegante, arrematou, com ênfase: “E, por isso, sou o vice-cônsul do Maranhão, em Brasília, à disposição de todos vocês”. O locutor bem acentuou o título diplomático e pediu mais palmas. Os outros evitaram entreolhar-se para não atiçar nenhum riso inconveniente. Encerrado o comício, impossível não ir às boas risadas, sempre que estavam a distância respeitosa do vice-cônsul. Até hoje.

domingo, 19 de setembro de 2010

Perguntas ou respostas

As duas matérias abaixo, de autoria do jornalista Itevaldo Júnior, foram publicadas na edição deste domingo (19/09), no jornal O Estado do Maranhão:

Investigação a juiz gera crise entre o MP e o Judiciário

O Grupo de Investigação e Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público do Maranhão (Gecoc-MA) investigou, por sete meses, o juiz Armindo Nascimento Reis Neto, da 2ª Vara da Comarca de Porto Franco (710 Km de São Luís), sem que o magistrado nem o comando do Judiciário maranhense soubessem. O magistrado acusa o Gecoc de ferir determinações da Lei Orgânica da Magistratura e do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), que prevêem que, quando numa investigação houver indícios de prática de crime pelo magistrado, os autos devem ser encaminhados ao Tribunal. 

O caso engendrado pelo Gecoc desencadeou um combate silencioso nos bastidores do Ministério Público e do Poder Judiciário Estadual. O Estado obteve com exclusividade cerca de 500 páginas de documentos que revelam a ação do Gecoc, de duas promotoras e as reações do juiz Armindo Reis Neto.

O juiz Armindo Reis Neto, filho do desembargador aposentado Mário Lima Reis, representou na Corregedoria Geral do Ministério Público e, em seguida, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra os promotores Agamenon Batista de Almeida Júnior, ex-integrante do Gecoc, Marco Aurélio Cordeiro Rodrigues, do Gecoc; e as promotoras Dailma Maria de Melo Brito, da Comarca de Montes Altos, e Raquel Chaves Duarte Sales, de Imperatriz, esta última somente no CNMP.

Além dos quatro integrantes do Ministério Público, o juiz Armindo Reis Neto representou contra a magistrada Ana Lucrécia Bezerra Sodré Reis, da Comarca de Montes Altos, na Corregedoria Geral de Justiça do TJ-MA.

Sigilo - Nos sete meses em que foi investigado, Armindo Reis Neto atribui ao Gecoc a quebra dos seus sigilos telefônico, fiscal e bancário. Segundo ele, a promotora Dailma Brito teria comunicado a duas pessoas – não identificadas – que os seus sigilos haviam sido afastados. O MP nega as suspeitas de quebra dos sigilos do juiz.

Armindo Reis Neto disse que protocolou na Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) um pedido de certidão, no qual solicitou informações sobre a investigação do Gecoc e quebra de seus sigilos. “Quanto aos questionamentos sobre a quebra dos meus sigilos fiscal, bancário e telefônico, obtive o silêncio do MP como resposta”, afirmou.

Os promotores do Gecoc e a promotora Dailma Brito começaram a investigar o juiz em setembro de 2009, após denúncias de que o juiz Armindo Reis Neto e Fabrício Ferraz, secretário judicial da Comarca de Porto Franco, “vendiam sentenças”.

Em caráter confidencial, a promotora Dailma Brito solicitou à procuradora Maria de Fátima Travassos, em setembro de 2009, o auxílio do Gecoc para apurar o assassinato do prefeito Hilter Alves, do município de Ribamar Fiquene – morto em julho de 2007, com o caso jamais solucionado. E também no processo nº 155/2008 (o juiz Armindo Neto diz que é um inquérito policial) que trata do assassinato do fazendeiro Marcos Alves de Sousa, morto em maio de 2008. O juiz Armindo Neto atuou no caso em que se apura o assassinato do agropecuarista, que teria sido assassinado a mando do seu filho Marcos Alves de Sousa Júnior.

Sobre os dois crimes, os promotores Marco Aurélio Rodrigues, Agamenon Batista Júnior, do Gecoc, e a promotora Dailma Brito interrogariam a testemunha Silvino Aires Araújo, que, em seu depoimento – O Estado tem uma cópia –, não faz nenhuma referência ao caso de Hilter Alves e acusa o juiz Armindo Reis Neto de ter recebido R$ 300 mil, para pôr em liberdade Marcos Alves de Sousa Júnior, preso como suspeito de ser o mandante do assassinato de seu próprio pai.

Foi com base no depoimento de Silvino Aires Araújo que os promotores Marco Aurélio Rodrigues e Agamenon Batista Júnior, do Gecoc, e Dailma Brito instaurariam o procedimento administrativo para apurar a “venda de sentença” pelo juiz da Comarca de Porto Franco e por seu secretário judicial.

Seis meses depois, em 8 de março de 2010, Silvino Aires Araújo seria novamente ouvido pelos três promotores na sede da Procuradoria Geral de Justiça, na presença da procuradora Maria de Fátima Travassos. A testemunha reafirmaria o depoimento anterior e acrescentaria que Armindo Reis Neto teria recebido mais R$ 100 mil de Marcos Alves Júnior.

Depois desse interrogatório, o processo administrativo ainda ficaria cerca de 40 dias no Ministério Público. “O processo só foi encaminhado ao Tribunal de Justiça em 26 de abril de 2010, 13 dias após eu pedir a certidão. E, até hoje, Silvino Reis sequer foi arrolado como testemunha nos processos que apuram a morte do prefeito Hilter Alves ou do fazendeiro Marcos Alves ”, disse Reis.

Corregedora decide arquivar ações contra promotores

A Corregedora-geral do Ministério Público Estadual, procuradora Selene Coelho de Lacerda, determinou o arquivamento das representações contra os promotores Agamenon Batista de Almeida Júnior, ex-integrante do Gecoc, Marco Aurélio Cordeiro Rodrigues, do Gecoc, e a promotora Dailma Maria de Melo Brito, da Comarca de Montes Altos, formuladas pelo juiz Armindo Reis Neto.

A Corregedora Selene Lacerda afirmou que os três promotores não realizaram nenhuma investigação sobre o magistrado Armindo Reis Neto e que, portanto, não há nada que configure erro em suas condutas ou falta funcional.

Os relatórios que apuraram as condutas dos três promotores foram produzidos pelo promotor de Justiça corregedor José Coelho Neto. Agamenon Batista Júnior, Marco Aurélio Rodrigues e Dailma Brito afirmaram que, em nenhum momento, eles praticaram qualquer ato de investigação do juiz Armindo Reis.

Segundo os três promotores, o procedimento administrativo instaurado por eles teve o único objetivo de investigar o assassinato do fazendeiro Marcos Alves Sousa.

Os promotores Agamenon Batista Júnior, Marco Aurélio Rodrigues e Dailma Brito contaram no MP que os documentos em que figurava o nome do juiz da 2ª Vara de Porto Franco, ocorreu pelo fato de Armindo Reis Neto ter sido juiz da Comarca de Montes Altos por muito tempo. A promotora Dailma Brito chegou a indagar: “Como se poderia xerocopiar os autos dos processos sem que aparecesse o nome do magistrado, pois era ele o processante dos feitos?”

Os promotores do Gecoc Marco Aurélio Rodrigues e Agamenon Batista – não mais atua no Gecoc – negaram que não tenham dado resposta ao pedido de certidão do magistrado. “O pedido de certidão foi deferido pela procuradora-geral de Justiça e respondido em 19 de abril e encaminhado ao juiz em 29 de março de 2010”, disseram os promotores.

Sobre o fato de Silvino Aires Araújo não ter sido arrolado como testemunha nos processos do prefeito Hilter Alves e do fazendeiro Marcos Alves de Souza, os promotores afirmaram que eles têm independência funcional para decidir.

“Deve-se considerar que arrolar ou não testemunha em um processo judicial é uma providência que diz respeito ao juízo de convencimento do Promotor de Justiça, o qual tem independência para decidir o que é, ou deixa de ser conveniente ao ônus de provar a acusação”, afirmaram os promotores. (I.J.)

Mais

Em sua resposta, os promotores afirmaram que todas as diligências realizadas pelo MP foram para recolher provas acerca do homicídio do fazendeiro e não da conduta do juiz Armindo Reis Neto.
Suspensão de ato causa embate de juízes

O juiz Armindo Reis Neto, da 2ª vara da Comarca de Porto Franco, representou contra a juíza Ana Lucrécia Bezerra Sodré Reis, na Corregedoria Geral de Justiça do TJ-MA, por ela ter suspendido uma decisão sua de reintegração de posse em favor da família do fazendeiro Marcos Alves de Souza, morto supostamente a mando do filho.

Um mês antes de representar contra a juíza na corregedoria, Ana Lucrécia oficiou à CGJ do Tribunal afirmando que o juiz Armindo Reis Neto mantinha na sua residência e na casa do seu assessor processos da Comarca de Montes Altos. “Isso acarretou por diversas vezes queixas oriundas de partes, advogados e até do Ministério Público”, escreveu a magistrada no ofício 256/2010. Na representação encaminhada à CGJ do Tribunal, Reis sustenta: “A juíza Ana Lucrécia Sodré Reis agiu sozinha e de maneira precipitada, impedindo o prosseguimento da decisão judicial, sem que as partes sequer tivessem interposto recurso”.

Em ofício encaminhado ao desembargador-corregedor Antonio Guerreiro Júnior, a magistrada justificou a sua decisão, “alegando suspeitar de uma decisão proferida por juiz totalmente incompetente”. Reis afirmou que a atitude da magistrada “não colocou em risco apenas a sua credibilidade como julgador, expôs também o Poder Judiciário. “Não creio que podemos resumir seu comportamento em um simples mal-entendido”, assegurou o juiz.

A decisão pela reintegração de posse envolvia fazenda localizada em dois municípios, Sítio Novo (termo da comarca de Montes Altos) e São João do Paraíso (termo da Comarca de Porto Franco), mas, segundo Reis, as partes envolvidas no processo elegeram a comarca de Porto Franco como o juízo competente para julgar a questão.

A reintegração de posse seria efetivada em 1º de fevereiro de 2010, com o apoio de 20 policiais militares, mas, segundo o oficial de Justiça Everino da Silva, a juíza Ana Lucrécia Sodré Reis informou aos PMs que auxiliavam na desocupação da área, que o “cumprimento da decisão judicial dependia de uma autorização sua, pois ali era a sua jurisdição”.

Segundo relato de três oficiais da PM ao juiz Armindo Reis Neto, a magistrada teria “telefonado para o Comando de Polícia em Estreito e questionou a legalidade da desocupação da fazenda”. Reis afirmou que a sua decisão seria cumprida apenas na tarde do dia 2 de fevereiro, depois que a juíza esteve em Estreito no Comando de Polícia, para verificar a decisão judicial.

“A magistrada não se dignou a me telefonar, ou mesmo para o Fórum, onde os seus questionamentos seriam respondidos. Ainda que, no meu entender, tal interferência seja inadmissível”, declarou o magistrado. (I.J.)

sábado, 18 de setembro de 2010

O eleitor


Muitos pularam, deixando marcas dos pés na areia fofa de Miramar. A maré ainda lançava, sob os ventos fortes de setembro, desdobrando a saia rendada de espuma, enquanto o frescor da manhã mal vencia o embate sem glória com os primeiros raios do sol. Chegavam da praia de Cunhã-coema, satisfeitos com os discursos da noite anterior. Os candidatos fariam uma rápida visita às poucas casas do povoado, para valorizar o jovem Nunes e sua família, que há anos se engajara convicto no partido da comunidade. A cada eleição pedia um comício, sempre adiado, com os cuidados da melhor diplomacia, em razão do pequeno número de eleitores e das dificuldades de acesso à ilha. E eram votos certos. Dessa vez, entusiasmado, conseguira uma visita. Seria só isso, e um cafezinho forte. Depois dos risos, apresentações e cumprimentos, tudo tinha que ser bem rápido! Uma. Duas. Três. Quatro. Camarão torrando na casa do Josué; belisca! Cafezinho escumando na casa da Neuza; quente! Outro na casa da Otávia; gostoso! Peixe recendendo na brasa; quem vem atrás, sobra! Avexa, avexa, que a maré vai já vazar! O maior motivo da pressa. Logo, alguém alerta: vazou! Um corre-corre rumo ao barco. Pés na areia, na lama, na água. Todos os braços forcejam, em vão. Daqui. Dali. De novo. As últimas tentativas nem balançam o costado. Os corpos extenuados acomodam os grunhidos em torno do velho barco. Paira um instante de quase irritação, com a evidência de que o tudo planejado para aquele dia e o seguinte estava perdido. Pouco a pouco, a mãe do Nunes, declarando honras pela modesta hospedagem que oferecia, tentando alegrar a trupe com a promessa de uma noite enluarada, não consegue disfarçar o riso maroto da cumplicidade. A família deixara encalhar, de propósito. Nas reentrâncias, a maré, não o relógio, dita o tempo. Só poderiam deixar a ilha na manhã seguinte. Miramar, enfim, teria seu comício. E se fez, à noite, na areia, sob o tapete de estrelas, porque candidatos querem votos, mas vale pouco o eleitor que não mostra prestígio.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Borrão


É assim. O tempo vai borrando o tempo. 17 de setembro de 1979. Hoje, a histórica greve pela meia-passagem faz 31 anos. A fotografia, extraída do documentário da “Virilha Filmes”, retrata policiais e estudantes na escadaria da biblioteca Benedito Leite, na Praça Deodoro, na manhã de 18 de setembro. Mais um tempo e estará tudo branco ou tudo preto. E os que estavam lá, nem estarão por aqui.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Avohai

(Foto: Carl de Souza/AFP)

Se souber o que vai acontecer amanhã, digo
se não souber, digo, também
se souberes, não diga
é mentira, ou uma verdade sem substância
é verdade, ou uma mentira anêmica
devem estar ricos os que inventaram a pobreza
― pois se multiplica ―
ou estão pobres os que repartiram a riqueza
não se sabe com quem
ouço dizer que todos morrem
alguns matam

domingo, 12 de setembro de 2010

Zorro

Não há como saber se chegou a viver com esse apelido, mas é como dele se recorda. Ministrara aulas no antigo Curso Normal, no prédio do Liceu, à tarde, pelo início dos anos setenta. Nada extraordinário, salvo uma atração peculiar pela antipatia. Ela o avistou, ainda, entre laboratórios, no campus do Bacanga, sem interesse em saber se estudava ou trabalhava por lá. Depois, veio o nunca mais, de quase quatro décadas, quando a existência dos ausentes cede lugar ao rito do esquecimento. Até que, nesta semana, a máquina do tempo, de chofre, o recolocou sob seu olhar. Mais precisamente do lado de fora da janela do carro, na rua em frente ao centro de veraneio do SESC, encurvando-se para cobrar um trocado, como flanelinha. Reconhecer aquela voz fastidiosa, cavou meio susto. Cinquenta centavos. Sem mútua lembrança, na dúvida se seria ele, saiu sem arriscar palavra. Mas era o estilo João Grandão, no tamanho, no andar, na cintura larga, na voz meio abobalhada. Calculou estar com uns sessenta. Por Deus, era mesmo o Zorro!

sábado, 11 de setembro de 2010

Perdas e danos


Para aproveitar o dinheiro do velho pescador, gastá-lo em fumaça e álcool, com as ancas em outro, mais novo e fornido. Por isso, cozeu macarrão ao molho de chumbinho. O romance inteirava ano. Enquanto alimentava sua paixão temporã, a moça aplicava-lhe uns agrados e jogos de separação, para fingir interesse. Sob o peso dos achaques e sem família, ela lhe era tudo. Ao fim dos anos sessenta, abandonara mulher com dois filhos em Camucim, quando aportou na Raposa, pra nunca mais. O mar, a pesca, a diamba, a cachaça, o cabaré da beira. Metera-se em uma dúzia de brigas; cicatriz no ombro e na coxa: quase fora. Sossegou o facho, depois da pressão alta e a carne na vista. Pouco sabia, nem lhe interessava o muito; agora, era sua mulher, e tinha planos para a pouca vida inteira. Algumas colheradas, travou na boca. Suspeitando das armadilhas da morte, vomitou, empurrando o dedo na goela. Correu pelo quintal, em busca de socorro e de polícia, quando ela confessou a trama para ficar recebendo a aposentadoria. A prisão virou excesso de prazo e liberdade, que a justiça judia demais; depois, ela foi embora. Nesses dez anos, nenhuma notícia. Ontem, ausente, antes que os jurados a condenassem pela tentativa de homicídio, narrou sua desdita e seu arrependimento. “A culpa foi minha, doutor, um velho de sessenta pra uma mulher de vinte. Eu não devia ter ido na polícia. O que eu ganhei? Só perdi. Eu gostava muito.”

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Decisão

A propósito das postagens Representação e Resposta, recebemos do juiz José dos Santos Costa:

Juarez,

Em anexo, a decisão proferida no recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, reformando a decisão recorrida para inacolher a litispendência e determinar o prosseguimento da ação penal, designando dia e hora para audiência de instrução e julgamento.

O que os representantes deveriam responder a três questionamentos?

1) Por que representar contra o juiz, quando na narração dos fatos não descreve nenhuma conduta funcional indevida, mas ato jurisdicional sujeito a controle jurisdicional e não administrativo?

2) Por que, em vez de rascunhar recurso em sentido estrito ou articular-se com o Promotor de Justiça da Vara para esse fim, preocupou-se em oferecer representação? Basta observar a data da representação (24 de agosto) e a data da carga do processo ao Ministério Público (19 de agosto), que, alinhando-se ao entendimento dominante dos tribunais superiores, ainda estava no prazo. Aí não teria uma conduta funcional indevida dos representantes?

3) Por que não ofereceu representação contra a Promotora de Justiça que se manifestou pela litispendência ou contra o Promotor de Justiça que não teria oferecido o recurso tempestivamente não alegado?

+ + + + + + + + + + + +

Processo n.º 235462008 – 7.ª Vara Criminal
Ação Penal Pública
Acusados: Evandro de Sá Sousa e
Edmundo Teixeira de Freitas
Vítima: Hildelberto Lima Ramos
Conduta Penal: Art. 1.º, I e II, e 2.º, 3.º e 4.º, I, da Lei 9.455/97

DECISÃO

Cuida-se de recurso em sentido estrito do Ministério Público em face de decisão deste Juízo que declarou extinto o processo, sem resolução do mérito, por litispendência, alegando que o processo que tramita na 6.ª Vara Criminal refere-se a fato delituoso distinto.

O defensor constituído dos acusados não ofereceu resposta ao recurso.

Decido.

A decisão recorrida acolheu a litispendência requerida pelas partes e o recurso interposto evidencia o equívoco da defesa e do Ministério Público quanto à existência de um outro processo sobre o mesmo fato e partes na 6.ª Vara Criminal.

Há, na verdade, um outro processo, que envolve os acusados e o crime de tortura, todavia o fato é um outro.

O recurso interposto permite o reexame da decisão (CPP, art. 589).

Portanto, com fundamento no art. 589 do CPP, reformo a decisão recorrida para rejeitar a litispendência arguida pela defesa e determinar o prosseguimento da ação penal, designando o dia 22 de outubro, às 9:00 horas, para audiência de instrução e julgamento, devendo ser procedidas as intimações e requisições necessárias para esse fim.

Intimem-se as partes desta decisão.

São Luís, 09 de setembro de 2010.

Juiz Auxiliar JOSE DOS SANTOS COSTA
Respondendo pela 7.ª Vara Criminal

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pater noster

Alguém deve saber como funciona a alma de quem não tem pai. De desconhecido ou de quem renega a paternidade. Não do que o perdeu, prematuramente. De filho do absoluto desprezo. Pode haver patologias, dúzias; remédios e terapias, poucas; dano pessoal, dano social. Atendemos esses filhos todos os dias; alguns, cabelos grisalhos; outros, de colo. Aqueles adoentados, estes por contrair o mal, desenvolvê-lo, em verdade. Faz tempo, muitos não se preocupam em ter ou ser pai; um mero detalhe. Há grades, fármacos e divãs. Sim, à vontade.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Revanche


Prezado Juarez,

Há alguns dias observei a movimentação de máquinas ao lado do abandonado prédio sede das promotorias de São Luís, popularmente conhecido por “Espeto de Pau”.

Cheguei a comentar com alguns colegas acerca de um novo empreendimento imobiliário que estaria nascendo ali.

Hoje, para minha surpresa, ao passar no referido local constatei que não se tratava de nenhum empreendimento imobiliário, mas sim da construção de um novo palácio para os senhores procuradores de justiça do maranhão.

A obra, como se vê da placa na fotografia, vai custar aos cofres públicos a bagatela de R$22.008.710,08, contratada no sistema de concorrência, com prazo para conclusão de 30 meses.

A obra me parece uma afronta à sociedade que ira custeá-la, assim como todas as despesas decorrentes do seu “bom funcionamento”, uma vez que, bem ao seu lado se encontra o abandonado prédio sede das promotorias de São Luís, cujas obras inicialmente foram mal executadas e nunca teve fim uma malfada reforma.

Trata-se de um escândalo sobre o qual nenhum dos chefes do ministério público teve a ombridade de apontar para a sociedade o nome dos responsáveis.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pela verdade (3)

Há dois meses, a partir de matéria não bem investigada pela revista Carta Capital, o colega Joaquim Ribeiro de Souza Junior viu-se apontado como responsável por espancamentos, torturas e incêndios. Reagindo, imediatamente, à ignomínia, a revista foi interpelada, e negou a imputação.

O sítio da Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão (AMPEM), dia 03/09, sob o título Carta Capital nega acusações contra promotor de Santa Luzia, publicou o seguinte:

“Como resposta à interpelação judicial proposta pela assessoria jurídica da AMPEM em favor do associado Joaquim Ribeiro de Souza Junior, a Revista Carta Capital apresentou manifestação informando que em momento algum a matéria “O Povo quer Justiça”, veiculada em julho, na edição 603 da referida publicação, traz qualquer acusação de envolvimento do membro do Ministério Público em atos de tortura, espancamentos e de violência policial ocorridos no município de Santa Luzia. A revista nega ainda que tenha insinuado a participação de Joaquim Junior no incêndio do Fórum da comarca, ocorrido em 01 de janeiro de 2009.

O texto assinado pela assessoria jurídica da revista informa que “em momento algum, o texto jornalístico questionado pelo autor traz qualquer acusação a sua pessoa [...] a matéria veiculada, em momento algum, acusou-o da prática de qualquer crime”. Em outro trecho de sua resposta, a revista Carta Capital salienta que “inexistiu qualquer menção ao nome do autor no episódio do incêndio do fórum de Santa Luzia [...] a ré, ao revés do que afirma o autor, não imputou a ele a prática de qualquer crime”.

Além da interpelação, tão logo veio à tona o caso, a AMPEM publicou nota de repúdio contra as insinuações da revista Carta Capital, ressaltando a conduta íntegra do Promotor Joaquim Junior, tanto no aspecto profissional quanto pessoal.

Da mesma forma o promotor de Justiça buscou esclarecer todos os fatos e provou documentalmente que todas as informações genéricas contra sua conduta publicadas na revista não passavam de acusações criminosas e infundadas.

“Jamais aceitarei que qualquer pessoa, sob o pretexto do exercício do direito de liberdade de expressão, macule anos a fio de dedicação diuturna sem que, ao menos, me seja oportunizado o direito de defesa” afirmou, na época, o membro do Ministério Público.”

( Anotamos neste blogue duas postagens sobre o caso: Pela verdade e Pela verdade 2 )

A mulher


Do outro lado, rente ao fórum, César vive dos sapatos de pouca moda. A gente simples do sertão se calça do trivial, esbanjando necessidades. Como em Dresden ou Calcutá, os bons negócios correm no início do mês, dissolvendo salários e aposentadorias em múltiplas prestações, irrigando de sobrevivência o frágil comércio de Mirador. Espera que honrem as parcelas. Como nem sempre, atravessa a rua, ao juizado. Precede-lhe um odor inconfundível de sarro, que a nicotina deitou-lhe cardinas até na alma. No balcão, força a intimidade para filar um cafezinho, ouve ironias que não alcança entender, amacia outro cigarro e sai para pitar, vagaroso, com a pauta de audiências amarrotando-se sob a axila. De sua repetida passagem brota sempre um burburinho. Não. Nunca vi. Nem eu. Não sei. Não conheço. Nem o nome. O tom não é de fofoca, pois é tudo verdade. Ninguém nunca a viu. Na rua, no comércio, no mercado, no banco, na escola, na igreja ou no hospital. E são três filhos. Deve tê-los parido em casa. Não se conhece alguém que já tenha visto a mulher do César. Sua reclusão é pura evidência. Amanhã ele volta; e o burburinho.

domingo, 5 de setembro de 2010

Troia


Do colega César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça (MT) e editor do blogue Promotor de Justiça, onde o texto original foi publicado:

"A literatura relata que, na Guerra de Troia, um cavalo gigante constituído de madeira, cujo interior abrigava soldados gregos, fora deixado às portas dos troianos. Estes, pensando tratar-se de um presente remetido como símbolo de rendição dos gregos, acolheram-no. Desta forma, o exército grego adentrou na comuna troiana e promoveu toda ordem de destruição.

A Súmula 455 do Superior Tribunal de Justiça, editada no fim de agosto de 2010, representa um verdadeiro presente de grego à sociedade brasileira. É o seu teor: A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.

Ao exigir fundamentação concreta, excluindo-se a alegação do decurso de tempo, para que seja autorizada a antecipação da prova oral, o “Tribunal da Cidadania” patrocina uma lamentável fomentação da impunidade, num verdadeiro desserviço à sociedade. Esse tribunal ignora veementemente as conseqüências do tempo e a ordem natural das coisas.

O filme francês Irreversível (2003), dirigido por Gaspar Noé, é aberto e fechado com uma frase: “O tempo destrói todas as coisas”. Como é fato notório, o tempo, na sua marcha inexorável, faz perecer tudo.

Ora, o principal, o lógico, o ideal, o natural e o jurídico fundamento autorizador da produção da prova oral antecipada, por ser flagrantemente notório, não é outro senão o mero decurso de tempo.

O testemunho é constituído pelos elementos atenção, percepção e impressão da testemunha. Não há dúvida que, com o passar do tempo, tal se enfraqueça ou até mesmo se perca nos desvãos da erosão do tempo.

Enrico Altavilla, na obra Psicologia Judiciária, citando Tanzi, anotou o seguinte: É evidente que, quanto mais o tempo passar, maior se torna a desagregação das imagens, a simplificação das recordações: isto faz com que o individuo, para reconstituir aquilo que se esquematizou na sua memória, seja constrangido a intervir com uma atividade sempre crescente, o que sempre é prejudicial à exatidão de um testemunho.

Isso é fato mais que notório, é lei da natureza (est lex non scripta, sed nata lex), que, por força do artigo 334 do Código de Processo Civil, observado o artigo 3º do Código de Processo Penal, independe de prova.

Como é sabido, uma vez violada qualquer cláusula do Contrato Social Penal, nasce para o Estado o direito de punir o transgressor. Não sendo este localizado para ser pessoalmente citado na ação penal e incidindo os dispostos nos artigos 361 e 366 do Código de Processo Penal, torna-se de rigor a produção da prova oral antecipada. Isso em nada fere os direitos do acusado, pois, se um dia for retomada a marcha processual, poderá ele protestar ao juízo pela reinquirição das testemunhas. O que é inadmissível é o Estado ficar refém da fuga do réu do distrito da culpa, concorrendo para a concretização da impunidade.

Resulta, então, fatal a conclusão de que a malfadada súmula, envernizada de pseudogarantismo, é uma espécie de Cavalo de Troia infiltrada na comuna brasileira, em que assassinos, traficantes, estupradores, assaltantes e criminosos em geral se ocultam para continuarem as suas obras funestas, em prejuízo da família, da sociedade e do Estado."

(Ilustração produzida pela empresa de publicidade Lew’Lara, capturada aqui.)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Juízo

1997. Dentro do acanhado mercado público de Mirador, comensais de poucos cobres arrodeiam as bodegas de merendas, alternando silêncios com animadas conversas sem propósito. A cachaça, a tiquira ou a maranhense competem para abrir o apetite sobre o arroz com feijão e iscas de fígado. Quem recolhesse os apelidos dos convivas de ocasião, Caburé, Rolinha, Calango, Mucura, se encantaria com a fauna nacional. Palitando os dentes, afasta-se, quando o desafeto eleva a voz ferindo seu nome. Comigo? Sim, mesmo; por isso e por aquilo. Ora, veja. Respeita! Respeita! A refrega acesa afasta os mais acautelados do pior, que viciam a rua em frente, com seus temores. A indisposição começara há dias, no Sanharó, numa impertinência de familiares colaterais. O sangue dos contendores torna a encharcar-se de adrenalina. Súbito, o provocador exibe uma peixeira. Tropeça. A vítima corre. Polícia. Procedimentos. Flagrante. Dias depois, o palco se desloca para o Fórum. O promotor anota o delito de ameaça e requer a audiência preliminar. Patinando na recente legislação, o magistrado devolve o calhamaço, cobrando denúncia. O outro refuta, polido, convincente. Mas, o patinador derrapa de vez e, indo além, sugere tentativa de homicídio. Um novo promotor aquiesce à tipificação sugerida. O solene júri veio treze anos após, sem réu, sem vítima; uma testemunha. Homicídio?! Faltou juízo.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Resposta

Do juiz José dos Santos Costa, em resposta à postagem Representação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA

JOSÉ DOS SANTOS COSTA, Juiz Auxiliar, respondendo pela 7.ª Vara Criminal da Comarca de São Luís, em face da representação protocolada sob o n.º 32597/2010 e ofertada pela Procuradora de Justiça Themis Maria Pacheco de Carvalho e pelo Promotor de Justiça Cláudio Alberto Gabriel Guimarães, apresento a resposta a seguir.

A representação é descabida, infundada e despropositada.

A uma, porque se desvio de conduta funcional houvesse, seria do próprio Ministério Público, titular da ação penal pública. A defesa foi quem alegou a existência de uma outra ação na 6.ª Vara Criminal, envolvendo também os acusados e os mesmos fatos (litispendência). A Promotora de Justiça, ouvida, manifestou-se pela extinção do processo, sem apreciação do mérito, pela litispendência alegada. Ao juiz, em observância ao sistema acusatório adotada pela ordem constitucional e legal brasileiro, não tinha outra saída senão acolher o pedido do titular da ação penal (Ministério Público), para declarar extinto o processo, sem julgamento do mérito.

A duas, a decisão que julga extinto o processo, sem resolução do mérito, por litispendência, não aprecia os fatos (não absolve, nem condena) e, se não houver recurso, não forma coisa julgada material, podendo ser objeto de nova denúncia em caso de erro.

A três, a decisão não transitou em julgado. Diga-se: a Promotoria de Justiça, intimada da sentença e antes do trânsito em julgado, interpôs recurso em sentido estrito, reconhecendo o equívoco e requerendo a reforma da decisão. A defesa será ouvida e este Juízo, como previsto no art. 589 do Código de Processo Penal, em face do equívoco do Ministério Público, deverá reformar a decisão e dar continuidade ao processo.

A quatro, a ação penal pública na 6.ª Vara, envolve os acusados e outros por crime de tortura no mesmo período (Processo n.º 235472008), que foi trancada pelo TJMA, em sede de Habeas Corpus (Proc. 0228412008), pendente de recurso especial.

A cinco, só entendo a precipitada e descabida representação como retaliação da Procuradora de Justiça Themis Maria Pacheco de Carvalho pelo não recebimento de uma queixa-crime sua em desfavor de João Alberto de Andrade (Processo n.º 140002010), rejeitada, após manifestação favorável da Promotoria de Justiça, porque os fatos narrados não constituíam os crimes alegados de denunciação caluniosa, calúnia e falsidade ideológica (atipicidade das condutas). Ela não recorreu da decisão.

Por fim, a minha vida foi sempre pautada na luta pelos direitos humanos e contra a tortura.

Juntando cópia do recurso em sentido estrito do Ministério, da ficha da ação penal da 6.ª Vara Criminal, do Habeas Corpus e dos autos da queixa-crime referidos, bem como da edição de hoje do JORNAL PEQUENO a respeito da representação, espero que seja inacolhida a representação, informado o CNJ e dado ampla publicidade.

Logo que reformada, em juízo de retratação no recurso em sentido estrito, remeterei a decisão, para conhecimento.

São Luís, 31 de agosto de 2010.

Juiz Auxiliar JOSE DOS SANTOS COSTA
Respondendo pela 7.ª Vara Criminal