sábado, 11 de setembro de 2010

Perdas e danos


Para aproveitar o dinheiro do velho pescador, gastá-lo em fumaça e álcool, com as ancas em outro, mais novo e fornido. Por isso, cozeu macarrão ao molho de chumbinho. O romance inteirava ano. Enquanto alimentava sua paixão temporã, a moça aplicava-lhe uns agrados e jogos de separação, para fingir interesse. Sob o peso dos achaques e sem família, ela lhe era tudo. Ao fim dos anos sessenta, abandonara mulher com dois filhos em Camucim, quando aportou na Raposa, pra nunca mais. O mar, a pesca, a diamba, a cachaça, o cabaré da beira. Metera-se em uma dúzia de brigas; cicatriz no ombro e na coxa: quase fora. Sossegou o facho, depois da pressão alta e a carne na vista. Pouco sabia, nem lhe interessava o muito; agora, era sua mulher, e tinha planos para a pouca vida inteira. Algumas colheradas, travou na boca. Suspeitando das armadilhas da morte, vomitou, empurrando o dedo na goela. Correu pelo quintal, em busca de socorro e de polícia, quando ela confessou a trama para ficar recebendo a aposentadoria. A prisão virou excesso de prazo e liberdade, que a justiça judia demais; depois, ela foi embora. Nesses dez anos, nenhuma notícia. Ontem, ausente, antes que os jurados a condenassem pela tentativa de homicídio, narrou sua desdita e seu arrependimento. “A culpa foi minha, doutor, um velho de sessenta pra uma mulher de vinte. Eu não devia ter ido na polícia. O que eu ganhei? Só perdi. Eu gostava muito.”

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