Do colega Delvan Tavares Oliveira, juiz em Imperatriz:
Zé Ninguém, o juiz, o promotor e a advogada do Zé.
Ele não tem nada. Não sabe ler, não sabe escrever, não tem casa, não tem carro, não tem bicicleta... roupa só a do corpo. Não tem mulher e não tem filhos. Fuma maconha quase todos os dias (“― dá disposição para o trabalho, sô!”). Estava no rancho do amigo fazendo uma diária na juquira pra tirar o ganha-pão. De repente, a polícia. Cadê o ladrão? Cadê? Onde está? Fala vagabundo! Não sei! Tá fumando maconha? Tá se drogando? Vai em cana! O que tem nessa casa? Vou revistar! E naquele rancho ali? Olha!, uma “por fora”, tá velha e sem munição, mas é porte ilegal de arma. Tá mais do que preso! Respeita a polícia, vagabuuundo!
Sete dias na prisão. Inquérito policial, indiciamento, denúncia, audiência de instrução e julgamento:
― Pela condenação, senhor juiz!
― MM. juiz, a defesa discorda, falta prova suficiente!
Sentença: confissão policial não ratificada em juízo; prova de duvidosa licitude (invasão de domicilio), insuficiência de provas; absolvição.
Audiência encerrada:
― Seu José, o senhor entendeu?
― Não!
― O Senhor foi absolvido. Entendeu?
― Não senhor.
A amiga espera do lado de fora. E aí Zé, o que aconteceu?
― Não sei. Mas essa mulhé tava na audiença. Quem é mesmo a sinhora?
― Sou a sua advogada!
― Ah!!?.
Ele não é nada. Um coitado! E o Estado, covardemente, se ocupa dessas maldades: invade domicílio, prende por sete dias, processa, tira do mato e o leva para a cidade. Coloca-o à frente do juiz, do promotor e de uma mulher (“― É a sua advogada, Zé!”).
Enquanto isso... soltos, fagueiros e serelepes.
4 comentários:
Como estudante de direito e leitor desse blog, eu, sinceramente, espero que a Corregedoria do MP puna eventual(is) desvio (s) de conduta de seus membros, embriagados de poder e de álcool.
Muito bom o texto. Excelente a percepção do Magistrado. Parabéns.Recentemente, tive a oportunidade de presenciar uma testemunha mencionar a "pro fora" (sic.), que é uma espingarda rudimentar, cuja munição é colocada pelo cano (pólvora e chumbo). O juiz não entendeu do que se tratava. Perguntou: "como é mesmo o nome do instrumento agrícola?".
Fosse o Zé um alguém, ouviríamos na Tv ministros e juristas indignados com o "Estado policial", seriam concedidos HC´s e uma CPI seria aberta no Congresso.
Daria manchete nos jornais, debates nas tv´s a cabo e alterações legislativas. Talvez até uma súmula vinculante fosse editada.
Enquanto isso, algemas continuam a ser usadas, residências (pobres) invadidas e até confissões se conseguem.
A indignação seletiva derriva diretamente da sociedade casa grande e senzala que caracteriza o Brasil.
Sepultada há vários meses, Isabella Nardoni será lembrada por muito tempo. Vitor e Igor foram esquecidos antes que alguém soubesse quando seriam enterrados.
Se não entendes como as coisas funcionam, leia mais aqui:
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/o-pais-quer-saber/o-caso-dos-meninos-assassinados-pelo-pai-e-pela-madrasta/
E dessa, quem se lembra? (faz dois anos):
Chacina: família inteira é morta no interior do Maranhão
http://mauricioaraya.wordpress.com/2008/01/09/chacina-familia-inteira-e-morta-no-interior-do-maranhao/
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