quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Limites

Do colega Sandro Pofahl Bíscaro, Promotor de Justiça em Imperatriz:

Na postagem intitulada Xerox, o colega e amigo Joaquim Júnior observou que, com a edição da LC 132/2009, a Defensoria Pública assumiu papeis análogos àqueles conferidos constitucionalmente ao MP, extrapolando, pois, sua missão constitucional, qual seja, promover, nos termos do art. 134 da CF "a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV."

Eu mesmo disse que isso era sinal de que o MP não estava ocupando seus espaços. Outros ponderaram que quanto mais legitimados para a defesa dos interesses sociais, melhor. Data venia, penso que os debates não atentaram para o artigo acima, tomando um rumo romântico, político, mas não técnico.

O fato é que a Constituição é clara: a Defensoria está compromissada com os "necessitados". Portanto, em uma interpretação conforme, a novel Lei Orgânica da Defensoria Pública somente terá legitimidade para a tutela coletiva quando presentes interesses de necessitados.

A questão é puramente técnica, e será muito importante ao MP e à Defensoria assumirem, definitiva e verdadeiramente, suas funções constitucionais, não sendo nada saudável querer definir atribuições por critérios pragmáticos e, pior, contrariando dispositivo expresso da Constituição Federal (art. 134). Não se trata, pois, de qualquer polarização, mas de assunção de papeis.

Creio que em muitos casos seria até interessante o litisconsórcio entre ambas as Instituições, como por exemplo, em ACP tutelando restauração ambiental (interesse difuso) e indenização de ribeirinhos (interesse individual homogêneo).

O aresto abaixo, creio eu, indica para onde se inclinará a jurisprudência acerca do tema:

"Ementa: Administrativo. Ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União. Ilegitimidade em virtude da desvinculação da defesa dos direitos dos necessitados.

Ainda que a Lei n° 11.448/07 tenha elencado a Defensoria como legitimada a propor a Ação Civil Pública, sem fazer menção aos economicamente hipossuficientes, tal circunstância não afasta a delimitação, à que está submetida à Defensoria, de defender os interesses dos necessitados.

Não cabe à Instituição defender interesses coletivos e individuais homogêneos de candidatos em concurso público, na medida em que não são pessoas hipossuficientes economicamente, fato que arreda a atuação da Defensoria Pública." (AC 2008.70.00.014882- 0/PR, Rel. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, 4ªT./TRF4, Unânime, Julg. 19.08.2009, D.E. 08.09.2009). 

Veja também: STJ: REsp 804.306, DJ 03.09.2008.

Espero haver contribuído para o amadurecimento do tema, deixando claro todo meu respeito e reconhecimento com a irmã Defensoria Pública, e que a mesma seja muito bem vinda.

Para os colegas promotores reitero convite para o grupo na internet, para troca de experiências e peças processuais:

3 comentários:

Joaquim Junior disse...


Caro amigo Sandro

Quando tratei do tema na postagem Xerox, tentei deixar claro justamente isto, ou seja, que a Defensoria deve se dedicar à defesa dos necessitados.

Numa reunião recente com um grupo de amigos Defensores presenciei os mesmos sustentarem que a Defensoria estaria legitimada para ações civis públicas de toda ordem, tais como ações ambientais, relativas a consumidores e etc...

Alegam que 80% da população brasileira ganha menos que três salários mínimos e, portanto, quando a Defensoria ingressa com tais ações, está defendendo uma maioria de necessitados

Parece incrível mas até mesmo ACP por ato de improbidade entenderam que a DP estaria legitimada, posto que, os necessitados são as maiores vítimas da corrupção.

Portanto, uma coisa é a defesa coletiva de necessitados, outra é a defesa coletiva da sociedade. Parece que os Defensores estão tentando criar uma confusão proposital neste assunto e espero que a jurisprudência saiba interpretar o tema com razoabilidade.

O fato é que, embora a LC 132 imponha a divisão de Defensores conforme o número de habitantes e conforme o IDH de cada município a Defensoria Pública do Maranhão concentra mais de 90% de seus quadros em São Luís, uma das cidades menos necessitadas do serviço. Ainda ironizam dizendo que a única diferença entre um promotor e um defensor depois da LC 132 é que o último não precisa passar a vida no interior.

Ademais, um necessitado quando procura os serviços da DP em São Luís é encaminhado para os escritórios experimentais da UFMA, CEUMA e demais universidades, ou até mesmo para a OAB. Quando se trata de propor uma ACP com repercussão midiática, não faltam Defensores para subscrever a inicial.

O fato é que, o MP cresceu a partir da CF de 88, e a DP e outras carreiras jurídicas acreditam que só vão crescer na mesma medida se usurparem as atribuições do MP

Abra o site da Advocacia Geral da União e veja as manchetes: "AGU ingressa com centenas de ações de improbidade em 2009", "AGU consegue reaver tantos bilhões para os cofres públicos que haviam sido desviados pela corrupção", dentre outras.

E os números do MP, onde estão? Temos que rever urgentemente nossas prioridades e nos dedicarmos com maior afinco à defesa dos interesses difusos, incluindo improbidade. Temos de rever a cultura de sermos pareceristas e achar que nosso trabalho já está completo se não existem mais "processos com vistas".

Ainda não estamos sentindo totalmente o efeito deste novo molde de DP porque a mesma ainda não está presente em nossas respectivas comarcas. Imagine que em curto prazo teremos um Defensor Público do Consumidor em Imperatriz, querendo fazer uma espécie de leilão com Vossa Excelência para saber quem entra com mais ACPs

Devemos divulgar nossas ações, tomando sempre o cuidado para não incidirmos em promoção pessoal.

Enfim, ou mudamos de postura, ou os legisladores mudam o MP

Abraço

Joaquim Junior

Marco Antonio Santos Amorim disse...


O colega Joaquim, como sempre, preciso em seus comentários. Se o Ministério Público tem feito algo em favor da sociedade, deve mostrá-lo. Alguém saberia dizer quanto o MP timbira já conseguiu reaver aos cofres públicos através de ações de ressarcimento ou AIP's? Lembro que o combativo colega Pedro Lino divulgou seus números em Caxias e a receptividade foi muito boa, merecendo destaque em revista de circulação nacional. Deixar a cargo do Poder Judiciário, sem qualquer pressão social, a tarefa exclusiva de delitimitar as atribuições do MP e Defensoria não me parece o melhor caminho. A hipossuficiência poderá ser entendida como conceito extremamente aberto, como querem os defensores, e aí teremos perdido o bonde da história. Parabéns, mais uma vez, ao colega Joaquim que tem sabido explorar esse tema como poucos

sandro bíscaro disse...

Observo que carecemos de espaço para discussão de política institucional. Não há interação entre os Membros. Na verdade o único lugar onde se discute um pouco o assunto, pasmem, é neste blog. A instituição e a nossa associação precisam, urgente, criar este locus, inclusive sugeri isso à atual Presidenta da Ampem.
Há muito tempo tenho sustentado a importância em se discutir a intervenção do MP no processo civil, como forma de startar um processo de reengenharia institucional.
Mas estamos nos mostrando ingênuos e inábeis no trato do assunto. Se não abrirmos os olhos rápido, seremos engolidos (ou já estamos sendo).
Espero, contudo, ao menos para meu consolo, receber colegas em nosso grupo fechado de discussão e troca de peças processuais, como forma de otimizar o trabalho.
Abraços a todos.