sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mantra

Aquela noite, não esquece. Zonzo de alegria com a grana que forrara sua liminar, negligenciara alguns cuidados. O dinheiro parecia vivo, saltitante no banco do carro. Empolgava-se, de si para si: “Ser justo tem suas compensações”. Ria-se com gosto. Nem contara bem as cédulas tantas. Para desviar qualquer lembrança autoincriminatória, pensava alto, convincente: “À luz do direito, minha decisão seria sempre a mesma. Se me gratificaram por ela, que mal pode haver nisso? Não estou roubando! Estou sendo re-co-nhe-ci-do!” E beijava, com ânimo, o dorso das próprias mãos. Dos tempos que judicara no interior, construíra esse mantra, e o repetia sempre que “ameaçavam” gratificá-lo por uma decisão. Mas, agora, estava borrando nas calças, rendido no portão de casa. De repente, os de arma em punho tinham vindo resgatar a grana. Rasparam-na e riram com o deboche: “Vai dar parte na polícia, vai!”. Não deu; não dava. Levantou muro, cerca elétrica; milico na porta, não dispensou mais. Hoje, conforta-se: “Melhor ter perdido a grana daquele jeito, que ser capturado num alçapão do cê-ene-jota”. Mas lamenta por seus discípulos, pois os tempos ficaram difíceis para o sossego da desonestidade togada. Mesmo assim, procura manter a pose e, a quem lhe empresta ouvidos, desabafa: "Já não nos respeitam mais..."

Um comentário:

Ivana Lima Regis disse...

Uau, Dr. Juarez! Belo texto! Republiquei no Xad Camomila. Abraço. Ivana