segunda-feira, 7 de junho de 2010

Olho grande

O pai abusava. “Nunca procurei foi ver”, ao seu modo, a mãe confirma. Chamado para interrogatório, ele não inflama a pele, não inquieta o corpo, não troca o semblante. É meio-tom. Cobre-se com a frágil serenidade dos inocentes, ou disfarça com a imperturbável frieza dos mendazes. Nos prolegômenos, sua excelência perscruta o de praxe, e se foi preso alguma vez, ou processado. Ele dita “não” às duas, com as tintas que trouxe no “bom dia”. Nega a imputação; pois jamais mexera na filha. Atribui o falatório ao “olho grande” dos parentes da mulher com quem viveu vinte e três anos. Sua excelência, ao fim, repete o quesito. Ele, do mesmo jeito, emprega seu “não”. Mas o acusador confronta-o com a revelação de mãe e filha, de que cumprira um mês na cadeia de Balsas, no ano passado, como anotado na certidão lançada nos autos. Sem alterar o cenho, ele repete, convictamente, seu “não, nunca fui preso”; vagarosamente, constrói um “não me lembro”; até, impávido, desculpar-se no “me esqueci”. Como se fosse possível, um mês preso! Haveria, também, “esquecido” do abuso?

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