Do colega Celso Coutinho, filho. Promotor de Justiça em São Bento:
"De início, cumpre-me parabenizar todos os candidatos que concorreram ao cargo de Procurador Geral de Justiça do Estado do Maranhão, biênio 2010 - 2012. Os colegas Raimundo Nonato de Carvalho Filho, Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro, Francisco das Chagas Barros de Sousa e Gilberto Câmara França Júnior deram suas valiosas contribuições para mais um escorreito pleito, em que todos, legitimamente, lançaram-se na peleja das proposições e ideias, todas, sinceramente, voltadas para o engrandecimento da instituição e, por consequência direta, da sociedade.
Encerrado o pleito e formada a lista tríplice, logo acenderam-se os debates sobre quem deveria recair a escolha a ser realizada pela Governadora do Estado. Muito foi dito. Algumas críticas respeitáveis e oportunas ao critério de escolha outras com a nítida entonação do partidarismo que tomou conta da instituição.
Não podemos, internamente, nos dividir em grupos com a ambição de cada um ser o nosso Enéias a segurar as mãos de todos e fazer-nos mirar no tempo futuro da salvação, como que nos encaminhando rumo à luz, num épico digno da Eneida virgiliana.
Já faz alguns anos, que afirmei estarmos experimentando o descortino de tempos melancólicos no Ministério Público do Maranhão por conta de uma guerra intestina. Antes que saiam a me repreender que busco um ambiente de entendimento geral, infenso às divergências, impende-me dizer que não estou sustentando uma pax ministerial. Sou um entusiasta do contraditório que constrói. Apenas almejo que o embate se desenrole no campo das ideias, sem a personalização de um inimigo a ser derrotado. É pueril pensar que ficaremos imunes aos ataques pessoais sempre que ofendermos alguém, o que fará descambar para um luta campal sem vencedores, somente vencidos.
Voltando, especificamente, ao tema que ensejou esse texto, qual seja, a forma de escolha do Chefe do Ministério Público, no Brasil, e mais especificamente referente ao Estado do Maranhão, esta é a terceira vez, ao que me consta, que o escolhido não é o mais votado da lista tríplice. Sinto-me bem a cavalheiro para afirmar o meu pensamento a respeito porque continua o mesmo de todas as outras vezes que isso ocorreu. Não que isso seja superior, afinal a mudança de opinião é salutar no processo de aprendizado e conquista, desde que a mudança seja decorrente de uma maturação prévia. O que não podemos é ficar como biruta de aeroporto, ora para um lado, ora para o outro, a depender dos sopros das conjunturas pessoais.
Já tive oportunidade, no pleito passado, de me manifestar a respeito do tema, onde irei buscar as palavras como forma de dar-lhes, mais uma vez, viço nesta importante peleja. Posso perfeitamente mudar o meu pensamento, mas o argumento contraposto tem que vir do campo jurídico, sobretudo constitucional, o que, até agora, não se deu.
O tema divide os membros do Ministério Público. Sim. Se há uma quase unanimidade entre estes de que o chefe da instituição deve ser escolhido por seus próprios pares, respeitando-se a vontade da maioria, o mesmo não podemos dizer quanto ao entendimento desses mesmos membros sobre a correção, dentro das atuais regras, da escolha do Chefe do Executivo entre um dos integrantes da lista tríplice. E o presente debate gira, ao nosso sentir, exatamente em volta deste eixo.
Que os próprios membros devem escolher o chefe da instituição, estamos todos, ou quase todos, de acordo. Coloco-me ao lado daqueles que sustentam a necessidade de mudança das regras a fim de que o mais votado seja o Procurador Geral. Mas, levando-se em conta o que atualmente proclama a Constituição Federal, longe estamos da unanimidade em achar que o Chefe do Executivo deve, invariavelmente, escolher o mais votado da lista tríplice. Lembremo-nos que o blog O Parquet já fez essa enquete, e o resultado apontou que a maioria de nossa classe reconhece que o chefe do executivo não deve se adstringir ao nome do mais votado, enquanto valerem as regras em vigência.
Posso imaginar o quão tormentoso é exigir da Procuradora Geral de Justiça, Fátima Travassos, legitimamente escolhida pela Governadora do Estado, que pugne pela desconsideração das regras atuais. Afinal, em 2002, quando foi a mais votada e “preterida” no azo da escolha pelo governador de então, as regras deviam valer, mas, agora, quando implica na exclusão do seu direito em ser nomeada, as regras não devem valer?
Essa indagação é da essência do debate telado e, mais profundo ainda, do debate acerca do Estado de Direito. Saber quando as regras devem valer não pode ficar ao sabor das conveniências, notadamente das conveniências de quem se acostuma ao poder. Querer-se que as regras sejam desconsideradas significa amanhar espaço para inaceitáveis contradições, que minam estruturalmente o Estado de Direito.
Ademais, não vejo como pleitear junto à Governadora do Estado para que abdique de seu direito de nomear qualquer dos integrantes da lista tríplice, enquanto nós, membros do Ministério Público, não abdicarmos de nossa prerrogativa de votar em até três candidatos ao cargo de procurador geral.
Quando defendemos que o candidato mais votado deva ser o ungido estamos pugnando, por via de consequência, pela desconsideração da lista tríplice. Para que o chefe do executivo tenha uma nítida percepção da vontade majoritária da classe ministerial é preciso que, antes, nós façamos uma opção exata e específica sobre quem deve ser o futuro procurador geral. Ah, mas as regras permitem que se vote em até três nomes. Sim. As mesmas regras que permitem ao chefe do executivo examinar livremente a lista tríplice e nomear qualquer um dos três mais votados. A nós somente é dada a possibilidade de votar em até três candidatos porque ao chefe do executivo é dada a possibilidade de escolher entre os três mais votados.
Não podemos querer os cômodos sem os incômodos. Acho, neste caso, que deveríamos nos livrar dos dois.
Tendo em vista as eleições ocorridas, até aqui, para o cargo de Procurador Geral de Justiça do Estado do Maranhão, qual dos candidatos, em cada um dos pleitos, constou como primeira escolha da maioria dos membros do Ministério Público deste Estado? Deixamos isso claro ao Chefe do Executivo? Atrevo-me a responder. Não. E por que não? Ouso novamente. Porque seguimos a regra. A lógica que informa a prerrogativa do voto tríplice é a mesma que consente ao Chefe do Executivo escolher entre os três mais votados. A lógica não pode ser mudada a depender do prisma que se mire a questão.
Essa mudança que tanto queremos, além de outras, deve ocorrer no espaço institucional adequado, que é o Parlamento brasileiro, reconhecendo-se a importância desses debates para fazer saltar a fagulha da hipótese feliz, como diria Nelson Hungria.
Para finalizar, sem embargo das obtemperações, rendo meus elogios à postura daqueles que não se recolheram à calmaria da neutralidade e fincaram os seus entendimentos a respeito da questão em debate, sem tingi-los com a nódoa da ofensa pessoal, a exemplo do editor deste Blog O Parquet, nosso colega Juarez Medeiros, que merece os encômios por tomar parte quanto aos temas e, não, quanto às pessoas."
8 comentários:
Parabéns Dr. Celso Coutinho Filho, este é o primeiro texto que leio sobre o assunto que vai além da mera crítica ao sistema de escolha vigente, fazendo também a autocrítica.
Concordo plenamente com a opinião de que se deve mudar tanto o que incomoda como o que não incomoda, pois aí, pode haver uma mudança sistêmica e melhor articulada na forma de escolha do chefe do parquet.
Saudações
Grande amigo Coutinho.
Belíssimo texto! No conteúdo e na elegância.
Assim como Rodrigo, eu ainda desconhecia um texto nesse moldes, principalmente pela autocrítica, fundamental para nosso amadurecimento, nos mostrando que "a culpa não é do blog".
Quando o debate se dá nesse plano, todos ganham, e nos permite sonhar com nomes como o seu, por exemplo, para chefiar nossa instituição já no próximo pleito. Vamos nos libertar das amarras, dos ransos! Vamos sair do armário e colocar esse grande navio em rumo diferente! Coutinho presidente!
Por que será que a prática é tão diferente do discurso? Não existe legitimidade quando não há maioria de vontades. Ganhar o cargo depois de chantagens e oferecimento da alma e da omissão da instituição é falta de dignidade.
Caro Celso,
A legislação não tem o condão de tornar os homens mais ou menos éticos. Acredito ser possível, dentro da conjuntura atual, mostrarmos maturidade e comportamento democrático. A Governadora tomou a decisão de acordo com a legalidade, não há como negar. As pessoas em que votamos é que parecem estar pouco preocupadas em respeitar a vontade da maioria. Não lembro de ninguém ter assumido o compromisso de rejeitar a indicação caso não fosse o mais votado. Apontar o erro para o sistema é esconder nossas próprias deficiências. Embora depois da ressaca muitos preguem mudanças aqui e acolá, no final das contas, quando se aproximarem as novas eleições, tudo tornará a ser como dantes...
Caro Marco,
Permita-me ponderar uma coisa. A vontade da maioria não é um valor absoluto em um Estado Democrático de Direito. Absoluto é o respeito à Constituição, elaborada por uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita pelo povo. Tudo que advir da Carta Magna é ético e legítimo. Pensar o contrário é pôr em risco os esteios estruturantes do Estado brasileiro. Os juízes, por exemplo, são membros de um poder constituído, mas nunca receberam um voto. Mas estão legitimados por um concurso público, como previsto na Lei Maior. A mesma que veda, v. g., a pena de morte, ainda que a vontade da maioria seja a favor. É a mesma Lei Maior que legitima o Chefe do Ministério Público escolhido pelo Chefe do Poder Executivo em meio a uma lista tríplice. Assim é porque a Constituição assim preconiza. Trata-se, pois, de uma investidura ética posto que decorrente da Carta Política Fundamental. Talvez o que o colega quis dizer, atrevo-me, é que a lei não tem força para, invariavelmente, emprestar moral a uma conduta. Non omne quod licet, honestum est. Foi com essa proposição que os romanos intuíram essa diferença. No entanto, é preciso lembrar que a ética não se expressa apenas pela moral, mas, também, pelo direito, incluindo-se o direito posto, pela religião e pelas regras de trato social. Já fui simpático ao movimento do direito alternativo. Mas hoje me dou conta do perigo que isso representa. Temos toda liberdade de valorar a lei antes de aplicá-la em busca do valor do justo. Contudo, esta valoração não pode ser pretextada para a desfiguração da lei. A ninguém é dado o poder de escolher se se aplica ou não a lei. Em regra é o Poder Legislativo que detém a força de retirar a validade de uma lei, através de sua revogação expressa ou tácita, tornando-a inaplicável. Excepcionalmente, o Poder Judiciário pode fazê-lo em sede de controle de constitucionalidade. O certo é que, enquanto for válida, somos obrigados a dar-lhe efetividade jurídica e social, não podendo ficar ao sabor da corrente ideológica a que se filie ou simpatize. E isso tem plena guarida na ética. Quando passamos a escolher se uma norma legal deve ser aplicada ou não o Estado Democrático de Direito alui em seu pedestal. Mas nem tudo é divergência. Concordo inteiramente que a classe é extremamente acomodada, quase indiferente a esse debate que só se instala e, ainda assim, muito timidamente, em tempos como esse. Finalizo com as palavras do gênio de RUI BARBOSA: “Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regime, não há outros poderes soberanos, e soberano é só o direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que estes limites vêm a ser as suas constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de paixão desordenada”. Esse debate deveria ser mais constante entre nós do Ministério Público do Maranhão. Um abraço.
Celso Coutinho, filho.
Parabéns, Marco Antônio Amorim. Condordo plenamente com sua opinião. É lamentável que pessoas continuem querendo justificar em seus discursos uma suposta legitimidade em razão da formação de lista tríplice com previsão constitucional. Ninguém, na verdade, discute isso. A vergonha, que poucos parecem ter, é ver todas as negociatas feitas em nome da manutenção do poder, mesmo sem ter a aprovação da maioria da classe. Embora se diga que a eleição é para a formação de lista tríplice, o que todos querem é o respeito à vontade da maioria. Isso sim é democracia.
O que mais nos causa espécie é a falta de escrúpulos de muitos. Infelizmente, esse é o Ministério Público do Maranhão. Sabe-se, entretanto, que a maioria de seus membros não quis esse quadro.
Por considerar oportuno, ressalto o abismo que existe entre o falar e o fazer. Para comprovar essa realidade vergonhosa, transcrevo trecho de uma entrevista ao blogueiro Itevaldo por Fátima Travassos.
"Como candidata à reeleição a senhora assumiria o compromisso de se escolher o mais votado?
FÁTIMA TRAVASSOS – Eu aceitaria tranquilamente. A minha história no Ministério Público é de trabalho, compromisso social com a instituição e com a sociedade. Da mesma forma que entrei aqui na Procuradoria nomeada terceira, quase um empate técnico, e ter sido a primeira vítima ao ser preterida sendo a mais votada, mas a gente reconhece que é uma prerrogativa do governador. Se o governador quiser escolher o mais votado a prerrogativa é dele. Se ele quiser escolher o segundo ou terceiro, sem problema, pois não mudamos a Constituição. Essa é a realidade nós não podemos ficar pregando no deserto. Nós não conseguimos mudar a cabeça de nossos parlamentares. Não podemos botar a faca no pescoço do governador e fazê-lo engolir um nome.
Como se vê, o discurso muda, as ações mudam, de acordo com suas próprias conveniências. O pior de tudo é que o Ministério Público perdeu o seu valor e qualquer tipo de respeito por causa de interesses meramente pessoais.
Caro Celso,
Suas palavras decorrem da frieza da razão e não do calor da paixão. É grande a distâncias dos discursos aqui vistos; os "hoje" contras, mas "dantes" a favor, deixam transperecer sentimentos e emoções não tão edificantes e, sobretudo, de natureza pessoal!
Caso o nomeado fosse o de seus gostos, os antes silentes hoje bradariam?!
Mas o que melhor foi posto pelo colega, na minha opinião, é a questão que sempre me angustiou: por que não podemos votar "no" candidato que queremos ver na Chefia do MP, se não somos obrigados a votar em mais de um? Quando um colega vota em Fátima, Francisco e Nonato, quem gostaria de ver no cargo?! Será, pois, que não faz diferença? Por que saiu de casa então?! E o que dizer da falta de postura e de critérios que tanto cobramos do Chefe do Executivo e não demonstramos?!
Cobramos do Governador uma postura que não temos coragem de ter ao votar em mais de um!
Por incrível que pareça, a Governadora teve mais coragem que muitos de nós, que não tiveram determinação ao votar, "na linha do qualquer um", ou "querendo agradar a todos"!
Vemos no Governador o "Pai", que sabe decidir o que nós, imaturos, não sabemos?!
Ao votar em dois ou três não estamos a dizer que não sabemos quem é o melhor e que será o Chefe do Executivo que saberá dizer?!
Democracia é postura e conceito ativo, não pode ser dúbia e medrosa!
Vamos pensar nisso!
João Marcelo Trovão.
Caro Celso,
Suas palavras decorrem da frieza da razão e não do calor da paixão. É grande a distâncias dos discursos aqui vistos; os "hoje" contras, mas "dantes" a favor, deixam transperecer sentimentos e emoções não tão edificantes e, sobretudo, de natureza pessoal!
Caso o nomeado fosse o de seus gostos, os antes silentes hoje bradariam?!
Mas o que melhor foi posto pelo colega, na minha opinião, é a questão que sempre me angustiou: por que não podemos votar "no" candidato que queremos ver na Chefia do MP, se não somos obrigados a votar em mais de um? Quando um colega vota em Fátima, Francisco e Nonato, quem gostaria de ver no cargo?! Será, pois, que não faz diferença? Por que saiu de casa então?! E o que dizer da falta de postura e de critérios que tanto cobramos do Chefe do Executivo e não demonstramos?!
Cobramos do Governador uma postura que não temos coragem de ter ao votar em mais de um!
Por incrível que pareça, a Governadora teve mais coragem que muitos de nós, que não tiveram determinação ao votar, "na linha do qualquer um", ou "querendo agradar a todos"!
Vemos no Governador o "Pai", que sabe decidir o que nós, imaturos, não sabemos?!
Ao votar em dois ou três não estamos a dizer que não sabemos quem é o melhor e que será o Chefe do Executivo que saberá dizer?!
Democracia é postura e conceito ativo, não pode ser dúbia e medrosa!
Vamos pensar nisso!
João Marcelo Trovão.
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