sábado, 21 de novembro de 2009

Cena III. Jumento da mãe

Dois com mais de 50 e raivas recíprocas, numa família de nove irmãos. O pai falecido há anos; a mãe faz alguns meses. Herança. Angu-de-caroço, antes do almoço. Passo a passo, consigo que cada um exponha sua versão sem interrupções, mas os poucos hectares de terra, plantados de vaidades e intolerâncias, alimentam o “lá tu não entra”, “nem ponha os pés”, “mentiroso é tu” e outras vernaculizações, num histórico de tiro e ameaças. Procuro estender a toalha da concórdia, mas ela é rispidamente enodoada. Aí, insisto, contemporizo os erros e acertos de cada lado e, quando se avista alguma nesga de entendimento, um deles se lembra de abanar o furdunço. “E o jumento da mãe é meu e tu pegou sem minha ordem?” Ouço logo um “vai te lascar! Alzira e Nico te pagaram esse jumento!” Sem pronta intervenção, alcançariam os gogós. Mantenho-os sentados e promovo algumas pausas, na esperança de que a adrenalina esqueça o poder em suas veias. Qual! estou no meio do turbilhão humano, suas forças primitivas e naturais. Percebo que preferem uma ordem do Estado a capitularem num acordo. A tentativa era necessária, mas o vocabulário de ofensas foi ampliado, dificultando o próximo round. Veremos. Nas sucessões, jumento ou brinco de ouro só distinguem as classes, não os sentimentos.

2 comentários:

Ivana Lima Regis disse...


Nossa! Tem hora que é desse jeito mesmo, a coisa vai que vai num crescendo e, se a gente não interrompe, a ira explode!!! Seu texto ficou tão legal que fui visualizando a cena toda em movimento!
Muito bom!
Grande abraço.

Ivana Lima Regis disse...

Oi, de novo! Acabo de reproduzir o texto no Xad Camomila. Quando puder, confira:scmcampinas.blogspot.com
E não deixe de dar notícia sobre esse caso no blog, tá? Inté.